“O teu pai é um terrorista; tu tens sangue terrorista; logo, tu és um terrorista”. Este é o argumento usado. Quando tinha sete anos, o pai, um homem bondoso e divertido, foi preso. A partir da prisão, o pai de Zak Ebrahim coordenou o ataque terrorista ao World Trade Center, em Nova Iorque, em 1993. “Assim que o meu pai foi para a prisão, a minha família começou a receber ameaças de morte — queriam vingar-se do meu pai, matando os seus filhos”, conta.

O norte-americano esteve na Alfândega para a décima edição do TEDxPorto, que este ano juntou 1.300 pessoas para falar de confiança. Numa conversa emotiva, o orador contou a sua história e de como o sangue que traz nas veias pouco tem a ver com o coração que traz no peito.

“Tive ocasiões em que pensava poder confiar em alguém o suficiente para lhes dizer quem sou e elas sacaram de uma faca para me atacar, dizendo: 'estaria a fazer um favor aos Estados Unidos se te matasse’”, desabafa Zak ao SAPO24.

Ainda assim, decidiu que ia falar do pai em público. “Sabia que iria haver algumas pessoas que me iam odiar por eu ser filho do meu pai. Porém, não será exagero dizer que 99,9999% das reações das pessoas têm sido esmagadoramente positivas. É muito raro receber qualquer tipo de 'hate mail' [mensagens ofensivas].”

Ser filho de um terrorista “tem muitas coisas positivas e negativas ao mesmo tempo. Durante grande parte da minha vida foi uma luta. Depois de o meu pai ir para a prisão, houve muita instabilidade na minha casa; mudei-me mais de trinta vezes na minha vida”, diz. “Como miúdo que era, ansiava por estabilidade e não a tive. Já em adulto, sinto-me em parte sortudo por ter mudado de casa tantas vezes: pude conhecer muitas pessoas diferentes, pude viver em muitas comunidades distintas e isso informou a minha perspetiva em muitas coisas.”

A luta foi contra a culpa que é do pai. “Tenho a certeza de que no passado provavelmente interiorizei alguma dessa culpa. Hoje já não: não me culpabilizo. A responsabilidade é do meu pai, por causa das escolhas que ele fez”. “Acho que o meu pai — e outros homens como ele — carrega a responsabilidade pela raiva que as pessoas usam para justificar o seu ódio. Por isso, vemos ataques como o que aconteceu na Nova Zelândia. Acho que homens como o meu pai têm uma responsabilidade por darem a outras pessoas odiosas uma desculpa para atacar vidas inocentes”, explica. “Por isso, não, não me sinto culpado”.

A relação com o pai “foi uma longa viagem”. “Antes de o meu pai ir para a prisão, tenho muitas memórias de ele ser um homem muito carinhoso e amoroso. Era um pai muito cómico, mas apesar de ter sete anos, consegui perceber que havia uma mudança a acontecer nele. Parecia mais irritado, passava menos tempo em casa e mais tempo na mesquita com um grupo específico de homens. Durante muito tempo após [o ataque], debati-me. É difícil acreditar que alguém pode ser capaz de amar e de um ódio extraordinário ao mesmo tempo”.

“Parece simples, mas no dia em que percebi que alguém pode tanto ter ódio e amor no coração, para dois tipos independentes de pessoas, fez-me pensar se algum dia soube quem o meu pai realmente era”. “Eu tinha apenas sete anos quando ele foi preso e passei grande parte da minha vida a acreditar que o amava — porém, talvez tenha apenas amado a imagem de que me lembrava. Fui crescendo e comecei a questionar se alguma vez o amei sequer, se alguma vez soube quem ele era”.

Hoje, não fala com ele. “Já tentei em várias ocasiões ter contacto com ele, mas no fim de contas foi sempre muito pouco saudável para mim. A verdade é que eu não conheço o meu pai. Não sei quem é.” “No ano passado falei com ele ao telefone, mas não foi uma conversa saudável”.

É possível justificar o injustificável?

Será possível encontrar alguma lógica ou justificação naquilo que o teu pai fez, perguntamos. “Em primeiro, não há absolutamente qualquer justificação para as ações do meu pai.”, diz, antes de uma longa pausa. “Percebo, até certo ponto, de onde a raiva e o ressentimento vêm.”

“Uso o exemplo do Egito, de onde o meu pai é”, explica Zak. “Hosni Mubarak, o antigo presidente do Egito, foi um ditador torturador e assassino, que fez desaparecer dezenas de milhares de pessoas durante três décadas. Depois de trinta anos, o povo egípcio finalmente derrubou o regime de Mubarak e fez eleições democráticas”.

“Mas, dois anos depois dessas eleições democráticas”, prossegue Zak, “houve um golpe militar, apoiado pelos Estados Unidos da América, que continuaram a enviar armas para o Egito, contra a lei internacional — e agora temos novamente uma ditadura militar no Egito”.

“Esse tipo de política externa cria uma quantidade enorme de raiva e ressentimento. Se algo como a Primavera Árabe não mostra que os muçulmanos no Médio Oriente anseiam por democracia, anseiam por representação, não estou mesmo a ver que outras provas podem existir. Quer dizer, num único dia, 1.200 pessoas foram assassinadas numa praça no Cairo porque queriam representação no seu governo — e por causa da interferência do meu governo, o governo dos Estados Unidos, estão agora a viver sob outra ditadura militar. Este é um exemplo dos muitos que há de nações Ocidentais a apoiar ditaduras pelos interesses económicos de um grupo muito pequeno de pessoas, em detrimento de uma vasta maioria”, afirma.

“Digo isto reconhecendo que um dos grandes privilégios com que nasci foi o facto de ter nascido nos Estados Unidos”, diz. Facto que lhe trouxe “a oportunidade, ou capacidade, de falar contra o [seu] próprio governo sem ter medo de ser perseguido”.

“Dito isto, temos [nos Estados Unidos da América] atualmente um presidente que diz que devemos matar as famílias dos terroristas para travar o terrorismo — o que não é apenas uma afirmação completamente imbecil, como temos um presidente [Donald Trump] a defender o assassínio de pessoas inocentes. Quando ele diz isto, está a falar de pessoas como eu.”

Para Zak é, por isso, “muito importante marcar uma linha entre de onde vem a raiva e o ressentimento e as táticas usadas.” “Percebo, até certo ponto, o porquê de as pessoas estarem chateadas, claro — mas a diferença entre o meu pai e eu é a tática que usamos para tentar mudar alguma coisa”.

“Uma das maiores táticas usadas para criar terrorismo é o isolamento. Se isolarmos as pessoas, estamos a deixá-las muito mais suscetíveis”, afirma. “Quando vemos um ataque, por exemplo na Europa, contra civis inocentes, por um extremista islâmico, eles sabem que não são uma ameaça à existência do Reino Unido ou França; esta organização sabe que não pode derrubar estes governos, o seu objetivo não é derrubar um governo — o objetivo é criar discórdia, medo, separação, para que fiquemos com medo de coisas como o comprimento da nossa barba, a cor da nossa pele, o som do nosso nome.”

“Ao partilhar a minha história, estou sempre a dizer às pessoas que fui doutrinado porque fui isolado; foi ao interagir com as pessoas que fui ensinado a odiar que por fim saí das crenças do meu pai.”

Zak é ateu. Mas faz questão de frisar que não o é por causa do pai. “Não abandonei o Islão por causa das ações do meu pai. Eu sei que o que ele fez está fora da interpretação comum da religião”, explica.

“A primeira vez que fiz um amigo judeu, a primeira vez que fiz um amigo homossexual… Estes grupos de pessoas tornaram-se humanos; não eram apenas um mal abstrato, tornaram-se seres humanos com quem tinha de interagir.”

“Para além disso”, diz, “as interações que tive com estas pessoas, mesmo quando lhes mostrei desdém, vieram com uma resposta de bondade. Em criança fui vítima de muito bullying. Aprendi muito sobre empatia por ter sido vítima de violência, soube bem o que é ser julgado por coisas que estão para além do meu controlo. Quando as pessoas responderam ao meu ódio com bondade, foi impossível ignorar que estava a fazer-lhes exatamente aquilo que me tinham feito”.