Depois do petróleo e do gás e muito acima do café e do turismo, a mão-de-obra é agora uma das principais ‘exportações’ de Timor-Leste, tornando-se, 20 anos depois da restauração da independência, a principal fonte de receitas para dezenas de milhares de famílias.

Com tão pouca gente na economia formal e com rendimentos regulares – a maior fatia da população ainda vive da agricultura de subsistência ou de trabalhos irregulares e casuais -, as remessas são hoje um grande motor da económica doméstica.

E que se refletem na melhoria do parque habitacional, na melhoria do parque de veículos e no aparecimento de uma diminuta classe média na economia ainda dominada pelo Orçamento Geral do Estado (OGE) e pelos gastos públicos.

Em 2021, segundo dados do Ministério das Finanças, trabalhadores timorenses enviaram para Timor-Leste mais de 170 milhões de dólares, o que equivale a uma entrada de capital nos bolsos das famílias do país a um ritmo de quase 20 mil dólares por hora.

Só no primeiro trimestre deste ano as remessas já chegam aos 50 milhões de dólares, indicando que o valor final anual poderá novamente aumentar.

O valor real pode ser ainda maior com o Ministério das Finanças a reconhecer algumas dificuldades em compilar informação de todas as instituições financeiras que operam no país.

Apesar dos solavancos e das restrições devido à pandemia, o valor tem vindo progressivamente a aumentar, duplicando em apenas três anos, face aos cerca de 90 milhões enviados para o país em 2018.

O valor é maior do que as receitas tributárias anuais do Estado – cerca de 120 milhões – 3,7 vezes maior do que o valor total das receitas petrolíferas do Fundo Petrolífero previstas para este ano, cerca de 46 milhões de dólares, e mais do que o executivo destina anualmente para educação ou para saúde.

A tendência acelerou-se na última década, como evidenciam estudos do Banco Mundial, do Centro para Economia de Desenvolvimento e Sustentabilidade, da universidade australiana Monash e do Development Policy Centre, da Universidade Nacional Australiana.

Só em 2017, referem esses estudos, foram feitas mais de 85 mil transferências para Timor-Leste, o que tornou a mão de obra "a maior exportação" do país, à frente do café, com receitas anuais entre 10 e 20 milhões de dólares, ou do turismo, com receitas de 15 milhões.

Nessa altura, o maior volume de remessas tinha origem no Reino Unido - onde as transferências médias rondaram os 401 dólares (324 euros) e onde se estimam estejam cerca de 20 mil timorenses, quase todos com passaporte português, a trabalhar principalmente em fábricas, armazéns e na limpeza.

O desemprego, especialmente entre os jovens, é um dos problemas crónicos do país, com escassas saídas profissionais no setor privado, dificuldade no acesso a crédito para o empreendedorismo e pouca formação, especialmente técnica e profissional.

Muitos tentam, através de laços familiares ou partidários, aceder à já ‘gorda’ administração pública, ainda que os empregos, mesmo aqui, nem sempre estejam disponíveis.

Outros candidatam-se a programas de trabalho criados no âmbito de cooperação bilateral, com países como a Austrália ou a Coreia do Sul, e cuja dimensão – especialmente no caso australiano – vai ter um incremento significativo nos próximos meses.

Outra parte, porém, parte por iniciativa própria, estabelecendo-se em vários países do mundo ou, maioritariamente na Europa, beneficiando da nacionalidade portuguesa a que uma fatia significativa da população timorense tem acesso.

A nacionalidade portuguesa é acessível a qualquer timorense nascido até 19 de maio de 2002, véspera da data em que Timor-Leste restaurou a sua independência e deixou, formalmente, de ser um "território não autogovernado sob administração portuguesa".

Dados atuais, que mostram um incremento face aos valores do passado, mostram que, diariamente, os serviços consulares registaram uma média de 80 processos de nacionalidade, dos quais 60 são novos processos.

Igualmente a crescer está a migração para a Austrália. Dados do Australian Bureau of Statistics (ABS) mostram que essa medida teve impacto imediato em 2019 com 1.210 timorenses a migrarem, temporariamente, para o país.

A pandemia paralisou o programa – os que estavam na Austrália viram os seus contratos alargados -, mas este ano, depois do fim das restrições a iniciativa foi retomada, com muitos trabalhadores timorenses já contratados.

Bill Costello, embaixador australiano em Díli, explicou à Lusa que o programa de importação de mão-de-obra timorense vai aumentar, tanto para o setor da agricultura sazonal, como ocorria até aqui, como no âmbito de um novo programa para o setor da hotelaria.

Em abril deste ano, o Governo australiano confirmou a criação de um novo regime de mobilidade laboral da Austrália para o Pacífico, conhecido pela sigla em inglês PALM, que "permitirá que trabalhadores do Pacífico e de Timor-Leste possam ter acesso a vistos de maior duração para permanecerem na Austrália até quatro anos”.

O PALM “permitirá aos trabalhadores expandir as suas competências e enviar remessas acrescidas para casa”, além de lhes dar acesso a qualificações formais em áreas como os cuidados de idosos, cuidados de deficiência, aquicultura e construção, através da Australian Pacific Training Coalition (APTC), uma parceria entre os governos da Austrália, das ilhas do Pacífico e de Timor-Leste, explicou à Lusa a embaixadora timorense em Camberra, Inês Almeida.

Depois do atual Governo ter anunciado, e repetido, a promessa não cumprida de criar 60 mil empregos por ano durante o seu mandato (entre 2018 e 2023), as autoridades reconhecem já que a emigração é a solução mais rápida e eficaz.

*Por António Sampaio, da Agência Lusa

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