As autoras da obra, as historiadoras Ana Cristina Pereira e Joana Pinheiro de Almeida, assinalam que “um filho ilegítimo era sinónimo de saúde e de vigor do rei” e, perante a corte, era um infante, “embora nascido de uma amante”.

Esclarecem as historiadoras que “o mais importante é o reconhecimento paterno”, o que livrava a rainha de prováveis infidelidades, se o monarca legitimasse os filhos de uma qualquer relação extraconjugal da sua consorte, e citam a rainha D. Carlota Joaquina, mulher de D. João VI.

“Muitos contemporâneos atribuíam outra paternidade ao infante D. Miguel baseados nas supostas relações extraconjugais da rainha, nomeadamente com o almoxarife da Quinta do Ramalhão, em Sintra, onde a polémica governante passava longos períodos”, afirmam as autoras.

Todavia, “a partir do momento em que o rei assume publicamente a paternidade, a criança torna-se infante de Portugal”, assinalam, questionando em seguida: “Que relevância tem o ADN quando se é criado como filho de rei, se se tem esse estatuto e até se ocupa o trono paterno?”.

D. Miguel disputou a coroa portuguesa com o irmão mais velho, D. Pedro (rei D. Pedro IV, de Portugal], que declarou a independência do Brasil, de que se tornou imperador D. Pedro I), e liderou as hostes liberais, em defesa de um regime constitucional, contra as denominadas forças absolutistas de D. Miguel, que chegou a assumir o trono, mas terminou derrotado e desterrado do país, após a Convenção de Évoramonte, assinada em maio de 1864, e que pôs termo definitivo a uma guerra civil.

As autoras afirmam que na História de Portugal “houve casos polémicos” quanto à atribuição da paternidade régia.

Se D. João, Mestre de Avis, filho de D. Pedro I e de Teresa Lourenço, é o único “filho nascido fora do casamento” que assumiu o trono, um outro, D. Jorge, filho de D. João II, podia ter-se tornado rei de Portugal, principalmente depois da morte do príncipe D. Afonso, aos 16 anos, único filho do matrimónio, mas foi afastado pela rainha D. Leonor, que abriu caminho a D. Manuel, primo de D. João II.

D. Manuel I é o único monarca que ocupou o trono sem ser parente em primeiro grau ou descendente do antecessor.

Ana Cristina Pereira e Joana Pinheiro de Almeida, nesta obra, traçam o percurso de vários “filhos fora do casamento”, desde D. Afonso Henriques, até D, João V, e os “meninos de Palhavã”, como foram apelidados os filhos legitimados pelo rei, mas nascidos fora do casamento.

Alguns dos “bastardos” trouxeram problemas à governação e, noutros casos, antevendo qualquer problema mudaram até de nome, caso de D. Manuel, ilegítimo de D. João III, que foi rebatizado Duarte, para evitar ligações evidentes ao avô, D. Manuel I.

Também o quinto filho legítimo de D. Afonso Henriques e D. Mafalda de Saboia, batizado Martinho, mudou de nome para Sancho, porque “Martinho não era nome de rei”. Todavia teve de enfrentar um dos bastardos do pai, D. Fernando Afonso, que o chegou a “ensombrar” e “ocupou lugares de relevo na corte”. Com outro bastardo, D. Pedro Afonso, “a relação foi de proximidade”.

A obra aborda diferentes casos de bastardia até D. João V, que reinou 43 anos, de 1707 a 1750, incluindo as filhas, que se tornaram também peças do xadrez político da realeza nas Idades Média e Moderna.

Ana Cristina Pereira é coautora com Joana Pinheiro de Almeida, entre outras obras, de “Amantes dos Reis de Portugal” e de “A Vida Privada dos Bragança”, tendo defendido uma dissertação de mestrado sobre “Princesas e Infantas de Portugal: 1636-1736”.

Joana Pinheiro de Almeida é doutorada em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo publicado, entre outros títulos, “Catarina de Bragança (1638-1705).