"[...] afigura-se que ficou indiciado, com forte intensidade, a violação, pelas Entidades Requeridas [Ministério das Finanças e Ministério da Cultura], dos deveres constitucionais e legais de proteção e valorização do património cultural e dos deveres de salvaguarda, valorização e proteção de um bem que integra o domínio público do Estado, designadamente, o Palácio Burnay, bem como a consequente degradação e deterioração do mesmo", lê-se numa sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 25 de março, a que a Lusa teve hoje acesso.

Esta sentença é uma decisão em relação a uma providência cautelar da associação Fórum Cidadania LX, a quem a juíza reconheceu razão, dando, como pediam os autores da ação, 15 dias úteis ao Ministério das Finanças para fechar todas as janelas que estão abertas do Palácio Burnay, para evitar mais vandalismo e exposição às intempéries.

Em 30 dias úteis, o Ministério das Finanças tem ainda de limpar o interior do edifício, onde se acumulam detritos por causa da degradação e da queda de tetos, "limpeza esta supervisionada por técnicos de conservação e restauro da Direção-Geral do Património Cultural, do Ministério da Cultura".

Ainda seguindo o pedido do Fórum Cidadania LX, a juíza deu 30 dias úteis aos dois ministérios para elaborarem um "relatório conjunto que registe o atual estado do interior do Palácio Burnay, por forma a identificar as áreas do seu interior carecidas de obras de restauro ou de reabilitação".

A providência cautelar visou a tomada de medidas imediatas para prevenir o aumento da degradação do palácio, situado em Alcântara, e de mais episódios de vandalismo que levaram já ao desaparecimento de telas do pintor José Malhoa, como o Fórum Cidadania LX já havia denunciado em junho do ano passado.

Segundo o Fórum Cidadania LX, havia janelas e portas abertas "para o exterior" no palácio "ao nível da rua", que entretanto, este ano, já estavam fechadas, como verificou uma inspeção judicial de que dá conta a sentença, mas estão abertas janelas da sala do torreão.

"Com efeito, e pese embora resulte indiciariamente provado que, pelas Entidades Requeridas, foram adotadas algumas medidas tendo em vista evitar a maior degradação do palácio, as mesmas não se revelaram suficientes, no que se refere à conservação do interior do mesmo, encontrando-se o Palácio bastante degradado e em estado de abandono", lê-se na sentença.

"Na verdade, provou-se que, em 2014 já não era possível entrar em algumas salas, atenta a deterioração dos espaços e, tal como foi expressamente reconhecido, no ano de 2019, pelas Entidades Requeridas, o estado geral do Palácio Burnay, seus anexos e jardim, já era, à data, medíocre", acrescentou a juíza Ana Casa Branca, antes de concluir que há assim indícios de violação dos deveres constitucionais e legais de proteção do património por parte do Estado.

Segundo o tribunal, não foram adotadas pelos dois ministérios, “entidades competentes no âmbito da gestão e preservação do património cultural do Estado, as condutas/ações necessárias a evitar a contínua degradação do imóvel e a preservação do seu valor cultural".

O Fórum Cidadania LX apresentou esta providência cautelar para pedir medidas a "título provisório", até haver trabalhos de recuperação do edifício, sendo este um pedido prévio a uma outra iniciativa na justiça, uma Ação Popular para obrigar à realização de obras no Palácio Burnay, que está nas mãos do Estado desde 1940.

Classificado como Imóvel de Interesse Público em 1982, o edifício está abandonado desde que deixou de albergar o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em 2001, e o Instituto de Investigação Científica e Tropical, em 2012.

No julgamento desta providência cautelar, o Ministério das Finanças invocou que já tinha tomado iniciativas para evitar a continuada degradação do Palácio Burnay, enquanto o Ministério da Cultura disse que, em 2019, já tinha sido feita uma visita por técnicos da Direção-Geral do Património Cultural e da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, na sequência da qual foi feita uma “ficha” para a “Carta de Risco”, "não apresentando o Palácio, à época, qualquer das patologias/vícios indicados ou descritos na petição inicial, encontrando-se as telas/quadros no local", segundo se lê no texto da sentença hoje conhecida.