Um dia normal na campanha de Donald Trump para as primárias do seu partido não estaria completo sem afirmações chocantes. Sábado passado avisou os aliados da NATO que, se for reeleito presidente dos Estados Unidos, encorajaria a Rússia a fazer o que entendesse com países com dívidas à NATO.

Trump fez estas declarações enquanto intensificava os ataques à ajuda externa e às alianças internacionais de longa data, ao falar num comício na Carolina do Sul, onde relatou uma história que já antes contara sobre um membro da NATO não identificado que o terá confrontado sobre a ameaça de não defender os Estados que não cumprissem as metas de financiamento da Aliança Atlântica.

“Um dos presidentes de um grande país levantou-se e disse: Bem, senhor, se não pagarmos e formos atacados pela Rússia, vai defender-nos?”, relatou o milionário antes de revelar a resposta: "Não, não vou proteger-vos mais. Aliás, vou encorajá-los a fazerem o que quiserem. Vocês têm de pagar as dívidas”.

“Não pagou, é delinquente”, disse Trump ao recordar o episódio.

Depois disso, choveram críticas de todos os campos.

Para o democrata Joe Biden, os comentários de Trump significam “a sua vontade de abandonar os aliados da América que são membros da NATO em caso de um ataque russo”.

“O facto de Donald Trump admitir que pretende dar luz verde a Putin para mais guerra e violência, para continuar o seu ataque brutal a uma Ucrânia livre e para estender a sua agressão ao povo da Polónia e dos Estados Bálticos é angustiante e perigoso”, afirmou o atual presidente dos Estados Unidos em comunicado.

Já o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, pediu seriedade ao antigo presidente norte-americano Donald Trump e rejeitou a ideia de fazer da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) uma "aliança 'à la carte'".

“Deixem-me ser sarcástico (…). Durante esta campanha vamos ouvir demasiadas coisas. Vamos ser sérios: a NATO não pode ser uma aliança militar ‘à la carte’, não pode ser uma aliança militar dependente de como o Presidente dos Estados Unidos está a cada dia. Sim, não, amanhã isto, depois aquilo”, disse, em Bruxelas.

Também a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, advertiu para "o perigo" de declarações como as do ex-presidente norte-americano, que disse que encorajaria a Rússia a atacar os países da NATO se não pagassem a sua parte.

“Penso que o que disse o candidato presidencial dos Estados Unidos talvez seja algo que desperte alguns dos aliados que não têm feito muito. Espero que todos nós façamos mais para sermos coletivamente mais fortes, juntos”, disse a presidente do Parlamento Europeu, numa conferência de imprensa na capital da Estónia.

Como reagiu a NATO?

Os ministros da Defesa da NATO encontram-se esta quinta-feira em Bruxelas para discutir entre outros temas, as declarações do ex-presidente norte-americano Donald Trump.

Durante um briefing na terça-feira, confrontada com as palavras do antigo chefe de Estado norte-americano, a embaixadora dos EUA para a NATO, Julianne Smith, disse que estas são “perigosas e francamente irresponsáveis”.

“Encorajar o Kremlin a atacar qualquer país da NATO ou o território da Aliança coloca os nossos soldados - os dos Estados Unidos e os dos nossos aliados - em perigo”, admitiu a diplomata norte-americana, que também anunciou que está previsto um “plano de contingência” para uma hipotética invasão pela Rússia a um Estado-membro.

No domingo passado, também o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, advertiu para comentários que "minam a segurança", na sequência das declarações de Donald Trump.

“Qualquer sugestão de que os aliados não se vão defender uns aos outros mina a segurança de todos nós, incluindo os Estados Unidos, e expõe os soldados americanos e europeus a um risco acrescido”, afirmou em comunicado.

Hoje, quarta-feira, o secretário-geral anunciou que 18 dos 31 países da Aliança Atlântica já investem pelo menos 2% do Produto Interno Bruto (PIB) na área da defesa. Acrescentou ainda que, desde 2014, o investimento em defesa aumentou 11% - na sequência da anexação da Crimeia pela Rússia - e que os 31 países que a compõem investiram mais de 600 mil milhões de euros.

E Nikki Haley?

Como principal adversária na nomeação como candidata à presidência pelo partido Republicano, Haley tentou capitalizar votos com a polémica e, no contexto do Dia dos Namorados, aproveitou para ironizar sobre o ex-presidente e pré-candidato, que apelidou de amante de ditadores.

“Feliz Dia dos Namorados de Donald Trump para os ditadores de todo o mundo! Ao longo dos anos, Trump professou o seu amor pelos ditadores mais brutais do mundo e elogiou a sua força e capacidade de liderança”, disse a ex-embaixadora dos EUA na Organização das Nações Unidas (ONU).

Haley, que nas últimas semanas endureceu as suas críticas ao ex-presidente e seu adversário, divulgou um comunicado com ilustrações em que Trump aparece com dirigentes como o presidente chinês, Xi Jinping, o russo, Vladimir Putin, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un.

Na nota, a pré-candidata também recupera textos de Trump, referindo-se a estes dignitários usando algumas palavras pronunciadas em 2019: “[Kim] escreveu-me lindas cartas, e são ótimas cartas. Apaixonámo-nos”, disse Trump sobre o líder norte-coreano.

Sobre Xi, recorda Haley, Trump disse que “é forte como o granito, é forte, conheço-o muito bem, o presidente Xi da China… o que posso dizer: lidera 1,4 mil milhões de pessoas com um punho de ferro”.

E sobre o chefe de Estado russo: “Telefonei ao presidente Putin da Rússia para o felicitar pela sua vitória eleitoral. Os meios de comunicação social falsos estão a passar-se porque queriam que eu o criticasse. Estão enganados!”.

Em relação aos talibãs, Trump disse que são “bons combatentes”.

“Temos de lhes dar crédito por isso. Estão a lutar há mil anos. O que eles fazem é lutar”, considerou.

*com Lusa