Cristina Oliveira é professora da Escola Superior de Tecnologia do Barreiro, do Instituto Politécnico de Setúbal, e esteve em Itália para analisar o comportamento sísmico dos edifícios de Amatrice, vila destruída a 24 de agosto, quando um sismo de intensidade 6,2 fez 300 mortos.
O trabalho que se propunha fazer em Amatrice foi no entanto comprometido porque aconteceram, quando estava em Itália, mais três sismos, dois na quarta-feira e outro no domingo, este na região de Norcia, de intensidade 6,5, mas que poucos edifícios destruiu e não provocou vítimas mortais.
Como é que um sismo maior provocou incomparavelmente menos estragos? A especialista em construção e proteção sísmica responde: Norcia está a aplicar há 40 anos um plano de restauro e reforço estrutural. A lei obriga a esse reforço e quem não o faz é sujeito a expropriação.
É, segundo a especialista em entrevista à Lusa, um exemplo para o qual Portugal podia olhar, porque a lei sobre construção antissísmica é recente (a primeira é de 1958) e mesmo as estruturas antissísmicas construídas na baixa da capital, após o terramoto de 1755, foram gradualmente desvirtuadas.
“Não sabemos as condições em que estão os edifícios, nada foi avaliado, foram feitas obras às escondidas”, alerta.
E depois: “Podemos ter um sismo de magnitude muito elevada a qualquer momento. Sabemos que não o podemos evitar mas podemos evitar as consequências, reforçando as casas e ter uma atitude adequada perante um sismo”, mas como nada é feito, “se acontecer um sismo aqui, basta um igual aos que aconteceram em Itália, Lisboa vai ficar arrasada. Não estamos nada preparados”.
A especialista explica que há inúmeros tipos de reforços que podem ser aplicados e que esse trabalho não fica mais caro do que alguns que se fazem para tornar as casas mais bonitas. Mas, ao contrário, o que se faz é modificar estruturas, fechar varandas, derrubar paredes, fazer lugares ‘open space’, sem pensar nos efeitos devastadores que teria um sismo na capital.
Diz a docente que em Portugal o que se faz é “recuperar casas maquilhando-as”. E acrescenta: “Há a preocupação com a certificação energética mas com a parte estrutural ninguém se preocupa, embora essa segurança não ficasse mais cara do que a certificação energética [mudança de portas e janelas, por exemplo]”.
E depois as pessoas compram uma casa “porque é bonita” e fica “em bom sítio”, e ainda fazem mais umas obras, sem procurar um engenheiro, sem saber como está a casa a nível estrutural. “Não sabemos se não estão a comprar casas para morrer lá dentro”.
A especialista fez parte de uma equipa de investigação sísmica (que inclui também investigadores do Instituto Superior Técnico), que esteve em Itália a avaliar os danos nas estruturas reforçadas e não reforçadas, coordenada pelo Istituto Nazionale di Geofisica e Vulcanologia.
É um trabalho de análise que, conforme explicou à Lusa, faz com regularidade. E em Itália esteve também em Áquila, a sul de Amatrice e não longe de Roma, devastada por um terramoto de 6,3 graus, em 2009, que provocou mais de 300 mortos.
“As casas, algumas colapsaram, estão todas escoradas. É uma cidade fantasma, anda-se em ruas e ruas e não se vê ninguém nem se ouve nada, na praça central um café vazio, a igreja também vazia. Tive a sensação de que, se não fizermos nada, aquele pode ser algum dia o cenário de Lisboa”.
Comentários