“Hoje estamos aqui todos reunidos como um puro exercício de cidadania. Procuramos mobilizar as pessoas em torno de uma causa comum, que é uma causa a favor das vítimas e contra a violência”, disse, em declarações à agência Lusa, Joana Marques, uma das promotoras da iniciativa que, como a própria fez questão de frisar, não esteve ligada “a nenhum partido político, a nenhum sindicato ou nenhum movimento associativo”.
A marcha de hoje partiu da iniciativa de um grupo de amigos e conhecidos e foi divulgada através das redes sociais, explicou Joana Marques, acrescentando: “Um grupo de cidadãos anónimos que se juntou e resolveu sair de casa, dos seus espaços de reflexão para vir para as ruas, juntamente com vítimas, ex-vítimas, no sentido de marcar uma posição”.
“Sentimos que hoje faz todo o sentido estarmos juntos em prol das vítimas. Porque elas vivem todos os dias em silêncio e este silêncio em que elas vivem tem um ruído diário e este ruído, como podem ver, entra na consciência de todos nós”, disse a representante, afirmando acreditar que a sociedade portuguesa “é uma sociedade atenta” e que este tipo de iniciativas surte efeito.
O ponto de encontro para a iniciativa escolhido foi o Marquês de Pombal, em plena zona central de Lisboa, e passava alguns minutos das 15:00 quando a marcha solidária começou a percorrer o trajeto até à Assembleia da República, o ponto de chegada da ação.
À frente da marcha, uma faixa preta, adornada com folhas onde se podiam ler frases como “A culpa não é da vítima, é de quem agride”, “A violência é a arma dos medíocres”, “Quem bate em alguém, agride toda a sociedade” ou “A violência não tem desculpa, tem lei”.
Na marcha, que juntou pessoas de todas as faixas etárias, incluindo crianças, também eram visíveis balões pretos, como símbolo de luto pelas vítimas mortais de violência doméstica.
Pouco expressiva ao início, mas mais persistente na reta final da ação, na Assembleia da República, a chuva e vários chapéus de chuva também acabaram por integrar a marcha silenciosa, que obrigou ao corte total ao trânsito na zona envolvente.
Chegados a São Bento, e junto às escadarias do Parlamento, os participantes permaneceram em silêncio, em sinal de respeito e de solidariedade para com todas as vítimas de violência.
Questionada sobre o que falhou e o que está a falhar atualmente na proteção destas vítimas, Joana Marques referiu que esta iniciativa, e os respetivos dinamizadores, não teve a pretensão de apontar ou de dizer o que falhou.
“Não somos especialistas da área, não temos pretensão de dizer ou de apresentar, neste momento, qualquer tipo de ação ou dizer o que falhou. Sabemos que é uma problemática complexa, abrangente e que envolve muitas pessoas, de todos os estratos sociais”, afirmou.
“Esta marcha por si só já tem um poder simbólico muito grande, por isso deixamos aos politólogos, aos especialistas, a quem discute a sociedade civil, para refletir sobre o poder simbólico que esta marcha hoje está a ter”, prosseguiu, adiantando que o mesmo grupo de amigos e conhecidos está a pensar realizar uma nova marcha, também de posicionamento contra a violência e a favor das vítimas, mas desta vez no Porto.
De acordo com o Observatório de Mulheres Assassinadas, nove mulheres foram assassinadas em contextos de violência doméstica desde o início deste ano.
Em janeiro do ano passado, o observatório dinamizado pela UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) contava cinco casos.
Durante o ano passado, foram assassinadas 28 mulheres e, ainda segundo o levantamento feito pelo observatório, “503 mulheres foram mortas em contexto de violência doméstica ou de género” entre 2004 e o final de 2018.
A presidente da UMAR, Maria José Magalhães, acusou na sexta-feira, após um encontro com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o sistema judicial de falhar na resposta à violência doméstica e pediu a responsabilização de quem não cumpre a lei.
Na quinta-feira, o Governo anunciou a criação de gabinetes de apoio às vítimas de violência doméstica nos Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) e um reforço da articulação e cooperação entre forças de segurança, magistrados e organizações que trabalham na prevenção e combate.
Esta foi uma das decisões tomadas numa reunião de trabalho sobre questões críticas associadas aos homicídios ocorridos este ano e à problemática da violência doméstica que juntou vários membros do Governo, a Procuradora-Geral da República, o Coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD) e a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG).
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