Sem volta a dar. A 83.ª Volta a Portugal em Bicicleta, evento coincidente com os 95 anos de celebração da maior prova velocipédica nacional, vai para a estrada a partir de hoje com um peso demasiado pesado às costas.

A história conta-se através de uma mão cheia de episódios à volta de um só tema – doping e uso de substâncias proibidas.

O filme envolveu buscas da Polícia Judiciária, suspensões impostas pela ADoP e União Ciclista Internacional (UCI), exclusão de uma equipa e quatro corredores de outras três, contratos cancelados, constituição de arguidos, ameaças com uma bala, comunicados, cartas abertas e manifestações de confiança da empresa responsável pela organização.

“Temos a certeza que durante quase duas semanas, como sempre acontece no verão, o país continuará a viver de forma apaixonada e debruçado sobre a estrada as intrépidas aventuras dos heróis de bicicleta", expressou a Podium, em comunicado.

Uma equipa limpa e uma segunda de mão em quatro corredores

Para trás, o conto teve muito pouco a ver com fadas. O rolo compressor arrancou nas vésperas de 25 de abril e terminou a poucas horas de 125 ciclistas e 18 equipas começarem, a partir de hoje, 4 de agosto, a pedalar na Praça do Império, em Lisboa (Prólogo), nas margens do Centro Cultural de Belém, num traçado virado a norte da capital, que colocará um pé em Espanha e terminará num contrarrelógio individual em Gaia, a 15.

O percurso de 1559,9 km, onze dias de competição, um de descanso, dez etapas, não contará com a hegemónica equipa da W52 FC Porto, impedida de competir pela UCI, nem de quatro ciclistas, excluídos do pelotão pelas três equipas que representavam.

"Ainda que alguns corredores e uma equipa tenham sido, entretanto, visados por essas decisões, estas incidem exclusivamente sobre si próprios e sobre a sua atividade desportiva anual e futura", pelo que a Podium reafirmou “o compromisso de prosseguir com aqueles que nada tem a ver com esses casos e que se mantém incólumes na forma como praticam o seu desporto de eleição que também é a sua atividade profissional e sustento financeiro".

Estava selado o assunto despoletado quatro meses antes. A Prova Limpa, uma “limpeza” executada pela Polícia Judiciária no passado mês de abril, cujo sumário visou a “deteção de métodos proibidos e substâncias ilícitas suscetíveis de adulterar a verdade desportiva em provas do ciclismo profissional”, levou à suspensão de uma dezena de corredores e mais dois elementos do staff da W52 FC Porto, diretor desportivo, Nuno Ribeiro e o adjunto, José Rodrigues, constituídos arguidos no decurso da operação.

Desatado o nó, novelo estava longe do fim e a montanha de acontecimentos seguintes não viria a parir um rato.

Durante o Grande Prémio Douro Internacional, a Autoridade Antidopagem de Portugal suspendeu oito corredores azuis e brancos, entre eles, quatro antigos vencedores da Volta a Portugal, João Rodrigues (2019), Rui Vinhas (2016), Ricardo Mestre (2011) e Joni Brandão, “vencedor” à posteriori da edição de 2018 após o colega de equipa, Raúl Alarcón, ter sido desclassificado por doping. José Neves, o único sobrevivente, viria a terminar de amarelo, mas, nada ficaria igual.

Cartas, suspensões, deceções e uma bala

Na apresentação da 83.ª edição da Volta a Portugal, a 26 de julho, Joaquim Gomes, diretor da prova disparava: “tudo o que aconteceu é muito mau para a modalidade”.

Sem “autoridade”, Delmino Pereira, presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), informou recair nas “autoridades que têm as tutelas disciplinares sobre o ciclismo e a dopagem” o poder de suspensão.

Chegou no dia seguinte. A 27 de julho, a União Ciclista Internacional (UCI) suspendeu a W52 FC Porto de todas as provas de ciclismo, Volta a Portugal à cabeça. Na sequência, o Futebol Clube Porto suspendeu o “contrato de Naming e Licenciamento de Marca celebrado com a Associação Calvário Várzea Clube de Ciclismo”, nome da W52.

A jusante, António Júlio Nunes, diretor da Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) alertava na rede social LinkedIn (publicação apagada) sobre “ameaças” à sua “integridade física” e viu-se obrigado “a colocar” a família “em casa sob vigilância policial”, denunciou o responsável que publicou ainda uma fotografia de um cartucho de uma bala dentro de um envelope como exemplo da intimidação sofrida.

Adriano Quintanilha, “dono” da estrutura W52, ligada ao FC Porto há seis épocas, vencedor das últimas nove edições da Volta a Portugal, percurso manchado pela retirada dos triunfos de Raúl Alarcón, em 2017 e 2018, por uso de métodos e/ou substâncias proibidas, escreveu uma carta aberta na qual falou da “tentativa de assassínio de caráter” que diz ser “alvo juntamente com os meus patrocinadores”, prometeu lutar pelos seus atletas “até prova em contrário” e espera que a missiva “possa ajudar cada leitor a aproximar-se da verdade que todos desejamos. Verdade que o ciclismo português exige e merece”, finalizou.

A roda de notícias continuava a girar e nova bomba em mais uma ronda de buscas por todo o país. A Prova Limpa levou uma segunda de mão da PJ. Em resultado da investigação, Francisco Campos (Efapel), que representou a W52 FC Porto de 2019 e 2021 e Daniel Freitas (Boavista), também ele vestiu a camisola dos dragões (de 2016 e 2018), foram afastados da Volta pelas respetivas equipas. Luís Mendonça (Glassdrive-Q8-Anicolor) e João Benta (Efapel), sem serem constituídos arguidos, foram também retirados da lista de inscritos.

"Tenho um sentimento de vergonha por aquilo que se está a passar. É uma enorme desilusão”, exclamou ao Record, Joaquim Gomes, diretor da prova. “Depois do calvário que foi a notícia da W52 FC Porto, estava longe de pensar que essa péssima mensagem que passou e podia ter alterado a forma de estar, pelos vistos, de algumas pessoas que ainda estavam nesta caravana (não fosse entendida)”, desabafou à Lusa.

Os heróis da bicicleta. Nove equipas portuguesas e uma novidade venezuelana

Casos encerrados e polémicas à parte, a Podium reafirmou estar “concentrada em colocar na estrada mais uma grandiosa edição da Volta que terá início esta quinta-feira, 4 de agosto, em Lisboa”, anunciou.

Comparado com o ano passado, não terá equipas do WorldTour (em 2022 a Movistar apresentou-se após uma ausência de 19 anos e 10 anos depois da Lampre, a penúltima formação de elite a pisar a estradas portuguesas).

Terá menos formações ProTeam, do segundo escalão mundial. Quatro no total: Caja Rural, Burgos-BH e Euskaltel – Euskadi, todas espanholas e a Human Powered Health. As restantes estão inseridas na divisão continental, um degrau abaixo.

Nas estradas nacionais rolam nove equipas portuguesas, três espanholas, duas americanas, uma inglesa, uma colombiana, uma angolana e uma venezuelana (Java Kiwi Atlantico), esta última nacionalidade em estreia na prova portuguesa.

O prólogo de 5,4 quilómetros terá início às 15h21 e determinará a primeira camisola amarela. A honra de primeiro a fazer-se à estrada cabe ao norte-americano Barry Miller (Bai Sicasal Petro de Luanda), dorsal 177.

À uma cadência de um minuto de intervalo, o desfile do pelotão terminará cerca de duas horas depois, às 17h25, quando o espanhol Jokin Murguialday (Caja Rural), número 5 no dorso, partir (e regressar) da Praça do Império.

Menos dura, uma perninha em Badajoz, uma subida inédita, entre a portugalidade e a liberdade

O traçado da 83.ª edição da Volta a Portugal em Bicicleta (RTP) foi suavizado comparado com os anos mais recentes.

Desenhada da linha de Lisboa até Elvas para cima, em ziguezague e na diagonal até Viana do Castelo e um salto até à Serra da Estrela, contempla cinco etapas para os mais velozes (sprinters) e 26 contagens de montanha, menos sete do que no ano passado. Tem quatro Prémios da Montanha de 1.ª Categoria e uma Especial. Terá três chegadas ao alto, duas delas separadas estrategicamente por uma etapa e um dia de descanso em terras de Viriato: a bem conhecida Especial da Torre (Serra da Estrela), na terceira etapa, antecede a desconhecida e estreante subida ao ponto mais alto do Concelho de Miranda do Corvo (5.ª etapa), ao Observatório do Parque Eólico de Vila Nova. As subidas terminam na tradicional Senhora da Graça, na véspera do crono final.

A 1.ª etapa, Vila Franca de Xira – Elvas, é a mais longa (193,5km). A Mealhada (5.ª etapa, a 10 de agosto) regressa após 44 anos de ausência.

Os ciclistas partem da Praça que evoca o Império Português e os Descobrimentos, pisa no mapa uma avenida alusiva à Europa, em Viseu (4.ª etapa) e termina um dos símbolos da portugalidade e obreiro da Língua portuguesa, Avenida Luís de Camões, na Maia (6.ª etapa).

A revolução de Abril estará presente à partida, em Santo Tirso, na praça 25 de Abril (7.ª etapa) e à chegada, a Fafe (8.ª etapa), 182 quilómetros depois da caravana ter partido de um espaço alusivo a uma outra revolução da história contemporânea portuguesa, Alameda 5 de Outubro, em Viana do Castelo.

A liberdade é evocada em Braga (7.ª) depois de ter atravessado fronteiras na 2.ª etapa, numa incursão por Badajoz (Plaza de la Libertad). Da cidade espanhola que ficou de fora da Volta a Espanha e da Volta à Estremadura, o pelotão segue para Castelo Branco cuja meta está fixada na Avenida Nuno Álvares, figura determinante na Crise 1383-85.

Outro militar, Humberto Delgado, o General Sem Medo entra na Volta a Portugal na Guarda (4.ª etapa).

Privada da equipa dominante (W52 FC Porto) e sem o bicampeão nacional, Amaro Antunes, as apostas sobre quem terminará vestido de amarelo o contrarrelógio desenhado nas margens do Douro, entre o Porto e Gaia, no último dia da Volta a Portugal Continente, ficam despedidas de previsões e centram atenções no uruguaio Mauricio Moreira, Glassdrive-Q8-Anicolor, vice-campeão em título.

ETAPAS DA 83.º VOLTA A PORTUGAL EM BICICLETA:

PRÓLOGO - Quinta-feira, 04 de agosto: Lisboa (14h31, Praça do Império) – Lisboa (17h31, Praça do Império) - 5,4 km

1.ª ETAPA - Sexta-feira, 05 de agosto: Vila Franca de Xira (12h25, Parque Urbano do Cevadeiro – Monumento ao Forcado) – Elvas (17h30, Avenida de Badajoz) - 193,7 km

2.ª ETAPA - Sábado, 06 de agosto: Badajoz (PT 12h25 | ES 13h25, Plaza de la Libertad) – Castelo Branco (17H24, Avenida Nuno Álvares) - 181,5 km

3.ª ETAPA - Domingo, 07 de agosto: Sertã (12h50, Alameda da Carvalha) – Covilhã (17h25, Torre) - 159 km

4.ª ETAPA - Segunda-feira, 08 de agosto: Guarda (12h45, Largo General Humberto Delgado) – Viseu (17h20, Avenida da Europa) - 169,1 km

DIA DE DESCANSO - Terça-feira, 09 de agosto

5.ª ETAPA - Quarta-feira, 10 de agosto: Mealhada (12h45, Parque da Cidade) – Miranda do Corvo (17h44, Observatório de Vila Nova) - 165,7 km

6.ª ETAPA - Quinta-feira, 11 de agosto: Águeda (13h20, Parque do Mercado Municipal) – Maia (17h29, Avenida Luís de Camões) - 159,9 km

7.ª ETAPA - Sexta-feira, 12 de agosto: Santo Tirso (13h30, Praça 25 de Abril) – Braga (17h30, Avenida da Liberdade) - 150,1 km

8.ª ETAPA - Sábado, 13 de agosto: Viana do Castelo (12h25, Alameda 5 de Outubro – Avenida Marginal) – Fafe (17h20, Praça 25 de Abril) - 182,4 km

9.ª ETAPA - Domingo, 14 de agosto: Paredes (12H20, Parque da Cidade de Paredes) – Mondim de Basto (17h20, Senhora da Graça) - 174,5 km

10.ª ETAPA - Segunda-feira, 15 de agosto - Contrarrelógio Individual:Porto (14h00 1.º corredor, Parque Oriental – Avenida Francisco Xavier Esteves) – Vila Nova de Gaia (17h23, Avenida de Diogo de Leite – Marginal de Gaia) - 18,6 km

EQUIPAS

Rádio Popular / Paredes / Boavista (POR)

Efapel Cycling (POR)

Kelly / Simoldes / UDO (POR)

TAVFER - Mortágua - Ovos Matinados (POR)

ABTF Betão - Feirense (POR)

Aviludo - Louletano - Loulé Concelho (POR)

Atum General / Tavira / AP Maria Nova Hotel (POR)

LA Aluminios / Credibom / Marcos Car (POR)

Glassdrive / Q8 / Anicolor (POR)

Caja Rural-Seguros RGA (ESP)

Euskaltel-Euskadi (ESP)

Burgos-BH (ESP)

Human Powered Health (EUA)

Wildlife Generation Pro Cycling (EUA)

Trinity Racing (GBR)

Java Kiwi Atlantico (VEN)

Electro Hiper Europa-Caldas (COL)

Bai Sicasal Petro de Luanda (ANG)

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