Já tive a oportunidade de escrever sobre o facto de esta parecer ser a última época de Arsène Wenger ao serviço dos londrinos. E nunca esse desfecho esteve tão perto de acontecer quanto está hoje. Apesar disso, os protestos não são coisas de agora. Em 2011, um adepto do Arsenal trouxe para um dos jogos em casa um pano com a seguinte frase: "Wenger – Obrigado pelas memórias, mas é tempo de dizer adeus". Há anos que o adepto leva o pano para o estádio e com muita regularidade faz questão de o exibir. Já foi por isso aplaudido e criticado, por, desde 2011, achar ser essa a solução para o clube.

Vinte anos parece ser demasiado tempo

Vinte anos. Esse parece ser o grande problema do Arsenal no momento. Vinte anos é demasiado tempo. Os adeptos estão literalmente divididos entre protestar pela apatia do clube em não renovar a estrutura técnica ou, por outro lado, respeitar o legado do francês e continuar a confiar nele. Com tanto tempo ao serviço do emblema londrino e com tanto alcançado, Wenger vê-se numa posição que não é simples nem de resolver, nem de perceber. Ainda assim, tentemos entender a posição de todos os envolvidos:

Os adeptos

No dia do último jogo com o Bayern de Munique houve mais uma manifestação por parte dos Gooners - alcunha pela qual são conhecidos os adeptos do Arsenal. Em causa esteve, claro está, o despedimento de Wenger, mas também os preços dos bilhetes praticados pelo clube. Os adeptos não se sentem respeitados, não se sentem ouvidos e, ainda assim, continuam a gastar fortunas para ver a sua equipa jogar. Ambos problemas antigos.

As sucessivas manifestações não têm sido a única forma de protesto, e nos dias que correm as formas de pressão são diferentes do que eram antigamente. Se antes bater à porta do clube, fincar pé, invadir treinos era a solução encontrada para chamar a atenção, hoje em dia as coisas são diferentes. Um canal de Youtube, entitulado Arsenal Fan Tv, resolveu sair para a rua e entrevistar adeptos no final dos jogos. Com presença em todos os jogos, independentemente de onde quer que eles se realizem, a Fan Tv entrevista vários adeptos dos gunners. Com o passar do tempo as entrevistas começaram a focar-se em determinados adeptos, o que levou a que o sucesso do canal tenha sido grande, tornando, igualmente, alguns adeptos do em personagens muito conhecidas. Tão conhecidos, que recentemente foram alvo das críticas de Gary Neville em direto nos seus comentários para a Sky Sports.

A voz dos adeptos, contra a permanência do treinador, é cada dia mais audível, e a pressão será constante até se saber, em definitivo, se o treinador de 67 anos continua, ou não, nos comandos dos londrinos.

Além disso, o que parece enfurecer ainda mais os adeptos é o facto de pela primeira vez em 21 anos o Arsenal poder acabar a Premier League atrás do arqui-inimigo, Tottenham. A última vez que tal aconteceu (1994/95) Wenger era ainda treinador do Monaco e Mauricio Pochettino, com apenas 22 anos, tinha acabado de assinar pelo Espanyol.

O clube

Recentemente os responsáveis máximos pelo clube resolveram vir a público. A sua posição tem sido consistente e não disseram mais do que sempre têm dito. Percebem a frustração dos adeptos, respeitam-nos e assumem que estes têm direito à sua opinião individual. Ainda assim, irão sempre gerir o clube com os seus interesses a longo prazo em mente. O que isso significa relativamente ao futuro de Wenger? Ninguém sabe. Ainda assim parecem deixar a ideia de que continuam a apoiar o treinador e que está satisfeito com o seu projeto.

A posição de Wenger

Normalmente Wenger tenta evitar o tema, ainda assim, depois da humilhação sofrida para a Liga dos Campeões seria difícil fazê-lo. Mas tal como os responsáveis pelo clube, o francês foi igualmente enigmático. O treinador afirma ter uma fórmula matemática que explica como está a correr o seu trabalho. Sem se perceber exatamente o que quer dizer com tal afirmação, a calma do francês a abordar o assunto poderá ser umas das causas para a frustração dos adeptos. Enquanto estes pedem a sua cabeça, o treinador apresenta-se calmo, sem pressas e confiante num futuro risonho.

De que lado esta a razão?

Podemos argumentar para ambos os lados e é isso que os adeptos, a favor e contra a permanência do treinador, têm feito.

Se por um lado Arsène venceu muitos, e bons, troféus e já provou vezes sem conta que é um excelente treinador, por outro, há já muito tempo que o Arsenal não vence troféus e a sua competitividade para com os rivais diretos tem decrescido.

Os adeptos queixam-se de que o Arsenal luta apenas pelo quarto lugar, ainda assim, os gunners são, dos clubes ‘grandes’, os que menos dinheiro gastam em contratações e aquele cujas finanças estão mais estáveis.

O trabalho de um treinador, que tudo deu ao clube durante mais de vinte anos, deverá ser respeitado, admirado, e consequentemente não deverá ser tratado de forma superficial. Noutra perspetiva, os protestos não são recentes. Há anos que os muitos adeptos gostariam de ver mudanças. Novas caras, novas mentalidades e motivação renovada.

Wenger é claramente o alvo mais fácil das críticas dos adeptos, mas a direção do clube é quem manda e quem terá o poder para destituir o treinador. Será correto ‘atacar’ quem sempre deu tudo o que teve ao clube, ou dever-se-á exigir a quem de direito que mude o que consideram estar errado?

Com razão, o clube orgulha-se de praticar um futebol bonito e emocionante. Ainda assim são os adeptos que testemunham, ano após ano, clubes com diferentes filosofias de jogo, e possibilidades financeiras muito abaixo da média, com muito mais sucesso que os londrinos. Exemplo maior disso é o Leicester, campeões ingleses em título.

Muitos são os argumentos para um e outro lado. Mas a questão que se levanta, depois de analisar o problema Wenger, é mais do que um grupo de adeptos insatisfeitos com o seu treinador. A questão relevante é a diferença para os clubes, de estatutos e de classes dentro dos clubes. Os adeptos, em muitos casos, já não ‘gerem’ os seus emblemas. Os donos estão cada vez mais distanciados da emoção que conduz os adeptos e os adeptos nunca estarão em sintonia com a racionalidade com que os clubes são geridos.

Relativamente à massa associativa dos gunners, em particular à Arsenal Fan Tv, é de louvar a dedicação dos mesmos. Adeptos que seguem o seu clube há anos, cujos pais já eram fervorosos adeptos do clube e que, durante anos, lutaram pelo mesmo. Pessoas que sofrem com o clube e que sacrificam as suas vidas para os acompanhar. Tamanha lealdade tem que ser reconhecida, sem os verdadeiros e genuínos adeptos, quando, eventualmente, o Arsenal perder a sua dimensão, não existirá clube.

Com Alexis Sánchez, Mesut Özil e Alex Oxlade-Chamberlain a entrarem no último ano de contrato já este verão, o Arsenal terá que reagir à adversidade. Num mundo em os resultados surgem com investimento insustentado e revolução, os londrinos tudo fazem para não pertencer ao paradigma e rumar contra a maré.

Estarão, neste caso, os adeptos a ceder à pressão dos resultados e a ‘vender a sua alma’ ao futebol moderno, ou estará a direção ultrapassada com seu modelo ‘romântico’ de querer resultados sustentados?

Pedro Carreira é um jovem treinador de futebol que escolheu a terra de sua majestade, Sir. Bobby Robson, para desenvolver as suas qualidades como treinador. Tendo feito toda a sua formação em Inglaterra e tendo passado por clubes como o MK Dons e o Luton Town, o seu sonho é um dia poder vir a treinar na melhor liga do mundo, a Premier League. Até lá, pode sempre acompanhar as suas crónicas, todas as sextas, aqui, no SAPO 24.