A crónica para o embate do Sporting na terceira jornada da Liga Europa começou a ser escrita na noite passada, com uma mensagem de WhatsApp. Decidi comentar com um amigo norueguês, adepto do Rosenborg, o que o jogo de hoje podia trazer, tendo em conta o momento que as duas equipas que iam entrar em campo atravessavam. Comecei por lhe contar (resumidamente) o que tem sido a época dos leões, de uma maneira não tão prosaica como a que se segue.
Os tempos conturbados em Alvalade têm estado bastante visíveis desde o início da época. Uma pré-época que não inspirou muita confiança, um começo tremido de campeonato que levou à saída de Marcel Keizer, uma experiência falhada de Leonel Pontes ao leme dos leões, um “all-in” em Silas, treinador ainda sem a "patente" (formal) necessária para figurar na ficha de jogo como tal, e um “tete a tete” entre o Presidente leonino, Frederico Varandas, e as claques dos leões, que culminou no cancelamento dos protocolos existentes com os grupos de adeptos que normalmente ocupam a Curva Sul do Estádio de Alvalade. Muitos incidentes para uma temporada que não começou assim há tanto tempo.
À minha mensagem o meu amigo retorquiu que os noruegueses, vindos de Trondheim (a sua cidade, que tinha tudo para ser vista como Norte da Noruega, mas que devido à peculiar forma do país escandinavo, nem bem ao centro está), também não estavam propriamente numa situação fácil.
Estranhei. O Rosenborg é campeão da liga norueguesa – a Tippeligaen – há quatro épocas consecutivas e é de longe o clube mais consagrado do país, com 26 títulos de campeão, 19 deles nos últimos anos 30 anos. Uma tendência bastante diferente do Sporting, que no mesmo período celebrou apenas dois campeonatos nacionais.
Por isso, explicou-me melhor a situação, também de uma forma mais sucinta daquela que o leitor terá acesso (mais emojis, menos pontuação e sem uma ou outra informação). No caso da equipa escandinava, o sucesso de épocas transatas foi interrompido por uma época de 2018/19 claramente abaixo das expectativas. Encontra-se no 4.º lugar, a 15 pontos do líder Molde, quando só faltam cinco jornadas para o fim da liga (coisa estranha esta de ligas a acabarem antes do Natal). Assim, além da renovação do título ser uma hipótese muito remota, o clube também está em risco de nem sequer participar nas competições europeias da próxima temporada, direito reservado só a quem termina no pódio da Tippeligaen. Na bagagem para Lisboa, levava também uma série de quatro jogos sem vencer e duas derrotas nos anteriores embates desta fase de grupos.
Apesar de jogarem em países e campeonatos diferentes, parecia que ambos os clubes estavam a precisar de dar alguma “folga” aos seus apoiantes. Como conclusão da nossa conversa, fui presenteado com um “Indeedamente” (este amigo ganhou o hábito de juntar o sufixo “mente” a diversas palavras portuguesas para tentar, à sua maneira, arranhar a nossa língua e, com este exemplo, pretendia dizer “de facto”).
Vamos ao dia de jogo. Não sei se há alguma nova regra em Alvalade para os jogos europeus, mas mais uma vez a equipa visitante apresentou-se com um traje alternativo cor-de-rosa, como já tinha acontecido na última jornada com o LASK Linz. Anseio por ver se a tendência se confirma, quando o PSV Eidhonven visitar os leões.
A última presença do Rosenborg em terras lusitanas tinha sido na época 2003/04, num confronto do outro lado da 2.ª Circular contra o Benfica, de onde saiu derrotado por 1-0. Em 10 jogos contra adversários portugueses, a única vitória do clube nórdico em solo português foi na fase de grupos Liga dos Campeões de 1999/2000, ganhando no Bessa ao Boavista por 3-0. Não que valesse muito ao clube verde e branco, mas pelo menos a história estava do seu lado.
Nas bancadas, o conflito da direção do Sporting com os chamados grupos organizados de adeptos não impediu que estes se coordenassem novamente na curva sul: primeiro, no minuto de silêncio em memória de Rui Jordão antes do apito inicial e, depois, aos 11 minutos de jogo - número que a lenda do futebol português utilizou enquanto representou os leões ao longo de nove temporadas -, inspirando os restantes 27.600 espectadores leoninos a acenderem as lanternas dos seus smartphones, momento que criou o ambiente certo para os jogadores leoninos começarem a tratar melhor a bola e a dar um começo não-oficial ao jogo.
No primeiro lance de perigo, Acuña cruzou para a cabeça de Luiz Phellype, cujo cabeceamento desviou num defesa do Rosenborg (“aparentemente” no braço) e passou ao lado da baliza. De seguida, um livre de Bruno Fernandes tirou tinta à barra norueguesa, numa cópia direta daquilo que já tinha feito no jogo contra o Alverca, que ditou a eliminação dos leões da Taça de Portugal. No lance seguinte, Acuña voltou a tirar um cruzamento certeiro para a cabeça de Vietto, que cabeceou para uma boa defesa de Hansen, guardião do Rosenborg.
Foram dez a quinze minutos que acabaram por reunir os destaques da primeira parte do Sporting, que se apresentou sem ideias e com algumas dificuldades em quebrar a defesa da equipa norueguesa que, depois de ter testado no início do jogo uma pressão mais alta, acabou por recuar em bloco e aguardar aquilo que o jogo lhe podia dar. E, de facto, pouco depois da meia hora de jogo, o Rosenborg quase que se colocou em vantagem, num canto que quase terminou num auto-golo de Doumbia e que miraculosamente não ultrapassou a linha de baliza de Renan.
Ao intervalo, estava tudo empatado e em aberto, sendo que o Sporting não inspirava mais confiança do que aquela que tinha feito transparecer em jogos anteriores. A precisar de dois golos para atingir a marca dos 100 na Liga Europa, os leões não pareciam capazes de ultrapassar uma defesa norueguesa que apresentava algumas debilidades. Voltei ao WhatsApp e gravei uma mensagem de voz de um minuto e meio para o meu amigo a resumir a primeira parte, depois de descobrir que, por motivos profissionais, este não ia conseguir ver o jogo (nunca é bom sinal quando uma primeira parte pode ser contada em tão pouco tempo).
Na segunda parte, talvez tivesse sido necessário outro momento em que quase 30 mil lanternas se acendessem novamente para dar um alerta aos jogadores que estava na hora de começar a criar lances de perigo na baliza adversária. No campo, não se via duas equipas desesperadas por dar um pontapé nas crises em que estão, mas sim um medo latente de fazer algo de diferente, de levar a bola para frente, de combinar com o colega. No meio desta apatia, o Rosenborg teve ao seu dispor a primeira ocasião de perigo deste período, depois de um erro de Mathieu, que colocou Akintola, extremo dos nórdicos, em posição de assistir um dos seus colegas. Contudo, o jogador nigeriano acabou por decidir mal, num momento de desinspiração que acabou por espelhar aquilo que estava a acontecer no jogo.
Já com Pedro Mendes em campo, uma tentativa de Silas para trazer alguma energia ao jogo, que parecia estar destinada só à iluminação do estádio, o golo do Sporting apareceu de uma maneira caricata. Do lado esquerdo, Vietto fletiu para o meio com a crença de fazer um golo como aquele que foi a única boa memória dos adeptos leoninos no jogo contra o Famalicão. O problema foi que, desta vez, o remate ressaltou num defesa norueguês e, por uma fração de segundo, a bola quase que desapareceu do plano da transmissão televisiva, como se tivesse sido engolida pelas nuvens. Na fração seguinte, como que caída do céu, aterrou na cabeça de Bolasie, que depois de saltar com dois defesas noruegueses, foi premiado pelo seu esforço e viu o esférico desviar num jogador do Rosenborg e num dos dedos do guarda-redes, entrando, finalmente, na baliza.
Noutro contexto, o golo poderia ter tido o condão de levar o Sporting para uns vinte minutos finais mais bem conseguidos, que embelezassem a sua exibição. Mas tal não aconteceu. Mesmo com um maior apoio das bancadas, que se apressaram a entoar de peito cheio os "hinos" clássicos da equipa leonina, esta não foi capaz de se soltar. Insegurança no controlo da bola e o privilégio dado ao chutão para a frente para garantir que não se corriam riscos atrás acabaram por criar o sentimento de que o jogo não estava terminado e, nos últimos minutos, Asen podia ter dado o empate aos noruegueses, mas a bola não encontrou o seu pé.
Uma vitória é uma vitória, especialmente para a equipa do Sporting que, após um início tão atribulado de temporada, precisa rapidamente de alguns triunfos consecutivos para ganhar alguma moral e para que as ideias de Silas possam começar a aparecer. Não há muitas ilações que o treinador dos leões possa retirar deste jogo, mas se lhe for perguntado se prefere regressar ao campeonato assim, tenho a certeza que vai pegar nas palavras do meu amigo norueguês e responder “indeedmente”.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
Apesar da partida mal jogada, não se pode dizer que tenha havido um lance indesculpável aos olhos de qualquer fã do desporto-rei. Contudo, houve um episódio em particular deve ter causado alguma desconforto a muitas pessoas, certamente. Na tentativa de travar Samuel, extremo do Rosenborg, Coates acabou por atingir o jogador sua zona mais íntima, num segmento que seria digno daqueles bloopers tão virais no YouTube. Ainda assim, melhor do que marcar golos na própria baliza, dirá o jogador uruguaio.
Bolasie, a vantagem de ter duas pernas... para saltar
Num jogo desinspirado por parte de toda a equipa do Sporting, a alma trapalhona de Bolasie acabou por ser o que salvou os verdes e brancos. Ganhou várias vezes a linha para assistir os seus colegas e tentou criar alguns desequilíbrios no corredor direito ora com Bruno Fernandes, ora com Rosier. Nem sempre faz as coisas com brilho, mas foi o jogador mais esforçado em campo e o golo premiou toda a sua disponibilidade física durante os 90 minutos.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
Está tudo dito sobre o jogo quando o principal lance é um livre milimétrico de Bruno Fernandes à barra. Numa partida em que o internacional português esteve francamente desinspirado, sabemos que qualquer odor de uma melhoria do futebol leonino terá de passar por ele.
Nem com dois pulmões (e um pouco mais de jeito) chegava a essa bola
É verdade que o Rosenborg passou um pouco despercebido pelo jogo. Todavia, o empate não esteve muito longe de acontecer quando o lateral-direito dos escandinavos, Hedenstad, ganhou a linha e cruzou para Asen, que se encontrava isolado diante de Renan. Um pontapé na atmosfera roubou essa possibilidade e fez com que os noruegueses continuem sem qualquer ponto neste grupo.
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