A cada quadra natalícia que passa há três certezas no panorama televisivo nacional. Os filmes “Música no Coração”, datado de 1965, “Sozinho em Casa”, de 1991, há 24 anos ininterruptos no ar, e Boxing Day.

Esta última certeza dá à luz um dia depois do Natal. A tradição, de acordo com uma das teorias, iniciada na era Vitoriana, em 1871, de entrega de presentes por parte dos aristocratas aos seus empregados, virou nos tempos modernos um regalo para os olhos do “Povo”.

Ao dia 26 de dezembro, dia de feriado nacional no Reino Unido, o futebol é Rei e senhor, assumindo o râguebi, cricket ou corrida de cavalos a fidalguia desportiva um pouco por toda a Commonwealth.

A Premier League não chega a fazer a digestão da noite de consoada e oferece, a partir da hora do brunch (12h30, Brentford-Tottenham), o melhor presente que os adeptos de futebol podem querer. Bola e golos.

Através da caixa que mudou o mundo, a televisão, e dos seus derivados que o fizeram evoluir, o futebol serve-se embrulhado depois de desembrulhadas as tão esperadas surpresas entregues pelo Pai Natal (de consolas a livros), pais, mães e irmãos (telemóveis, roupa, vinho, tudo o que é gourmet ou a tal viagem) e avós e tios (entre o voucher, dinheiro e par de meias).

Ao todo, 10 jogos referentes à 17.ª jornada, sete no dia seguinte ao Natal, hoje, dois amanhã, 27 e o último, no dia 28 (Leeds-Manchester City, 20h00).

Até aqui, nada de novo em terras de Sua Majestade, a não ser a novidade deste ano marcado pela estreia de Carlos III no discurso à Nação. E da edição do ano 2022 do Boxing Day, e respetivo frenesim de jogos na mais competitiva liga doméstica, ter sido antecedida de um pioneiro Campeonato do Mundo durante o inverno europeu, dado novo esse que provocou a interrupção nos campeonatos nacionais.

Durante a pausa, essa mesma bola rolou durante 5760 minutos (fora tempos de compensação) ao longo de 28 dias repartidos por 64 jogos no Mundial Qatar 2022.

Dos 830 jogadores que aterraram no Qatar, 134, ou seja, 16,1% do total dos selecionados, vestiram a camisola de 26 equipas dos campeonatos britânicos, de acordo com o Observatório do Futebol (CIES).

Em termos práticos, a Liga inglesa ocupou o topo da hierarquia na representação de jogadores convergidos à Península Arábica. Mais de uma centena de empregados estiverem fora do “escritório” enquanto durou a participação das respetivas seleções. Os dois clubes de Manchester, City e United, viram 16 e 14, respetivamente, dos seus funcionários partirem para as Arábias, assim como Chelsea (12) e Tottenham (10).

O descanso merecido e o regresso dos lesionados

Ora, o cerne da questão está exatamente aqui. No regresso dos artistas a casa. Se uns regressaram mais cedo, uma ponte área à medida da saída de cena do Mundial, outros houve que ficaram até ao final do campeonato do mundo, em virtude da prestação nacional. Uns regressaram a pedir o devido e merecido descanso e outros aterraram lesionados, para lamentações dos patrões.

Olhemos para as seleções finalistas, Argentina e França e para as nações que disputaram o último lugar no pódio.

Do lado argentino, Emiliano Martínez (Aston Villa), Cristian Romero (Tottenham), Alexis Mac Allister (Brighton & Hove Albion) e Julián Álvarez (Manchester City) cavalgaram às costas de Lionel Messi na conquista do terceiro título mundial. Lisandro Martínez (Manchester United), não jogou a final.

Na ressaca dos festejos, a folga de uma partida, ou mais, será a receita a servir embora, no entanto, não deva abranger todos. Erick Ten Hag, treinador dos Red Devil’s, avisou o central argentino para não festejar em demasia e que começasse já a pensar nos jogos que se avizinham até ao virar do ano civil.

Nos Les Bleus, Raphael Varane (Man United), Hugo Lloris (Tottenham) e Ibrahima Konaté (Liverpool), suplente entrado na final, foram os homens do último jogo e devem, por isso, permanecer fora do Boxing Day. William Saliba (1 jogo, 27 minutos) jogador do Arsenal e Alphonse Aréola, West Ham, sem qualquer minuto na competição, sentaram-se no banco a ver os compatriotas e podem ser uma opção já para o imediato.

Na véspera da final, os marroquinos Ziyech (Chelsea), totalistas na campanha e Nayef Aguerd (West Ham), tal como Anass Zaroury (QPR, 2ª divisão inglesa) e Anass Zaroury (Burnley, 2.ª divisão), e os croatas Mateo Kovacic (Chelsea) e Ivan Perisic, dos Spurs, devem entrar no leque de escolhas dos respetivos treinadores, sendo certo que, por exemplo, Ziyech apesar de ter sido uma das figuras dos Leões do Atlas, não se pode dizer que o seja em Stamford Bridge.

Se o Tottenham de Antonio Conte já pode contar com Harry Kane, avançado inglês, recordista de golos do Boxing Day, nove, a par de Robbie Fowler (ex-jogador do Liverpool), o mesmo não se poderá dizer do guarda-redes gaulês, Lloris, a descansar ou de Richarlison, autor do melhor golo do Mundial, lesionado no decorrer da competição.

De lesões pode-se igualmente queixar o Arsenal, líder da Premier League. O também brasileiro, Gabriel Jesus, deverá permanecer no estaleiro um par de meses depois da lesão sofrida no Qatar 2022.

Menos grave é a lesão do português Ruben Dias, central dos Citizens. Estará fora das escolhas de Pep Guardiola, assim como o internacional inglês, Kalvin Phillip, mas por uma outra razão. Regressou do mundial com excesso de peso, sublinhou o treinador do Manchester City.

Dos regressados antes da final, do lado do Liverpool, Jurgen Klopp, treinador vencedor dos quatros jogos do Boxing Day, espera contar com o central neerlandês Virgil van Dijk (meias-finais) e o inglês Alexander Arnold. Ibrahima Konaté entrará na lista dos disponíveis após o embate com o Aston Villa, hoje, às 17h30.

Do pós-natal ao virar do ano. Futebol non stop na terra dos três PM’s em 12 meses

Num ano em que o Reino Unido conheceu três inquilinos no n.º10 de Downing Street, Boris Johnson, Liz Truss e Rishi Sunak, três primeiros-ministros, todos do Partido Conservador, entre as consequências imediatas das ausências, mais ou menos prolongadas, dos regressos à vida normal com mais jogos nas pernas e das pausas no foco da luta pelo título ou na manutenção entre a elite do futebol inglês, só no final da Premier League se poderá analisar qual o legado deixado pelo Mundial Qatar 2022.

Já fora do Boxing Day, mas integrado nas festividades, ainda estaremos a rever os golos da ronda 17 quando arrancará a jornada da maioridade (18). Dois jogos no dia 30, seis na véspera do Ano Novo e dois no primeiro dia de 2023.

Sem paragens e sem respirar, o Brentford-Liverpool, marcado para 2 de janeiro, abre a jornada 19, uma ronda espalhada até à noite (20h00) de dia 5. Um encerramento desta orgia de futebol marcado por um Chelsea-Manchester City.