Google Maps. A bússola dos tempos modernos foi o guia de navegação de Miguel Vilar, antigo piloto profissional de automóveis, 61 anos, idade para ter juízo para não se meter em aventuras em duas rodas. Como companheiro de estrada, Carlos Vieira, 65 anos e dois terços da vida em cima de uma bicicleta e a ajuda de Filipe Neves (“o puto” que seguiu num carro de apoio). Juntos, embarcaram numa aventura que levou a bandeira da paz ao longo de 2800 km, pela Costa Oeste dos Estados Unidos da América [EUA].

Numa adaptação de “Pela Estrada fora”  — “On the Road”, no original, de Jack Kerouac —, “Pedalar pela Paz”, a iniciativa apadrinhada pela Liberty Seguros, uma viagem mais própria da idade que ostentam e das causas que defendem não rasgou a América de uma ponta à outra, antes fez um risco na vertical pelo litoral atravessando os Estados de Washington, Oregon e da Califórnia.

Com a paz na razão e a portugalidade no coração, procurando pontes de contacto com a comunidade portuguesa, a equipa pôs-se à estrada em Vancouver (Canadá) a 2 de abril até chegarem ao destino a 29, do outro lado da fronteira americana, a Tijuana, primeira cidade mexicana. Ao todo, 25 dias a dar à perna e três de descanso, com alvoradas às “5h30 da manhã”, “uma média de 100 km dia” e “cerca de 5 horas” a pedalar num ritmo de “20km/h”, relatam.

“Fui eu que tracei a rota”, recorda Miguel Vilar. Pisando míticos terrenos como a US Route 101, estrada litoral que liga a cidade de São Francisco a San Diego e cruzando, em Santa Monica, com a Route 66, o tal asfalto que liga o Atlântico ao Pacífico, os dois ciclistas, Miguel e Carlos, registaram diariamente, num diário de bordo dos tempos que vivemos, todos os passos dados, pintando a escrita com imagens que valem mil palavras.

A narrativa registou estatísticas tão próprias da América com ligações ao Desporto e à Mãe Natureza, como a árvore mais antiga dos EUA, com dois mil anos, em Eureka, e procurou relembrar feitos passados, como a medalha de ouro de Carlos Lopes nos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1984, e homenagear outras epopeias mais longínquas.

Com o desiderato de encontrar raízes portuguesas na Califórnia, a meio da aventura, quando nada fazia prever, foram surpreendidos em Bodega, uma terra de vinhos. “Depois de ver uma bandeira portuguesa hasteada numa casa, parámos, batemos à porta e quem nos abriu foi um português, o Fernando”.

Encontros inesperados e outros programados, com antecedência, como o jantar com Joaquim de Almeida e Cila do Carmo, em Los Angeles, e a receção no Consulado português em “São Francisco” e em “San Diego”, sendo que nesta última cidade que beija a fronteira mexicana houve direito a festa com ranchos folclóricos. Uma festa entre os seus, antes de, finalmente, chegarem, a sós, ao México.

“Em 30 dias, 3 mil km, 5 ou 6 pessoas sabiam onde era Portugal”

“A maior dificuldade foi a navegação. O GPS não dá enganos, mas oferece dúvidas. E de bicicleta por vezes perdemos muito tempo”. Miguel Vilar, nome incontornável do rali de Portugal, puxa atrás a memória. “É uma sensação de insegurança. É mesmo por aqui?, perguntava-me várias vezes”, relembrando as dúvidas tidas na estrada 101. “Olhávamos para a sinalização que por vezes dava indicação de proibição ou ouvíamos buzinadelas... havia alturas em que podíamos, outras não. Perguntávamos até à polícia”.

Deixando a orientação nas mãos do companheiro de estrada, para Carlos Vieira, por sua vez, o maior desafio foi “a chuva e o frio”, diz. “Ainda hoje tenho os dedos gelados”, garante.

Nesta viagem pela América, pregando a paz e procurando os descendentes da língua de Camões, Vilar destaca, pela surpresa, a “falta de cultura” do povo americano. “Em 30 dias, 3 mil km, 5 ou 6 pessoas sabiam onde era Portugal”, relata. E não tem ideia da Europa. Ilustra com um episódio: “Num jantar, ao terceiro dia, pedimos vinho. A empregada riu-se e disse: “não são de cá, pois não? É que conhecemos um país na Europa que vende vinho a copo, a Alemanha”, recorda.

Carlos Vieira sente-se com dever cumprido. “Passámos a mensagem na comunidade portuguesa, em especial em São Francisco e San Diego, onde “formos recebidos com ranchos folclóricos”.

O milagre do piloto de automóveis e o ciclista que tem o céu como limite

Esta não foi a primeira vez que Miguel Vilar e Carlos Vieira pedalaram juntos. Esta história de inspiração transformada em viagem de aspiração, surgiu quase um ano depois de estes dois homens, com histórias de superação, terem transportado uma mensagem do Papa do Vaticano até Fátima, tendo como mote o centenário das aparições e a visita de Francisco a Portugal.

Miguel Vilar, 61 anos, que sonhou “ser piloto de F1”, recupera o dia em esteve envolvido num grave acidente na A5 (Cascais-Lisboa) que o deixou em coma profundo, há 20 anos. “Dois meses e acordei. Assim”, recupera o momento. “Sou um caso de estudo para o neurologista António Damásio. Perdi parte dos miolos... há poucas explicações científicas para a minha recuperação”, assume.

A bicicleta foi o passo natural na mobilidade conquistada. Já atravessou a N2 “duas ou três vezes”, estradas que bem conhece por causa do rali, aos 55 anos fez "o Costa-a-Costa nos EUA” e pedalou de “Copenhaga à Costa Norte da Lapónia”, em 2012.

Miguel Vilar é comedido no que aí pode vir. “Próxima aventura? Já sou velho”, atira. “Não sei o dia da amanhã”, remata.

Carlos vieira, 66 anos, natural de Leiria, desde os 14 em cima de uma bicicleta, foi ciclista do Sporting no tempo de Joaquim Agostinho. Começou a pedalar “por causa da clássica Porto-Lisboa (N1)”, soma “três recordes do mundo”, entre os quais o do “Guinness, 191 horas, 8 dias e 8 noites, a andar à volta da zona desportiva do estádio Magalhães Pessoa, num perímetro de 3 km, em 1983”, e a ligação “Santa Monica-Nova Iorque em 15 dias”, fez três ligações Vaticano-Fátima, privando com dois Sumo Pontífices, em 1986 (Papa João Paulo II), 2014 e 2017 (Papa Francisco).

Soma 50 anos a pedalar e não sabe responder quantos quilómetros já fez. “Vou pedalar até que as pernas me doam. O céu é o limite”, garante. “Vou pedalar pela paz até morrer. Sou o peregrino da paz que vai de bicicleta. Ou, antes, ciclista da paz”, finaliza, deixando cair que a próxima viagem será até Toulouse (França), com passagem garantida por “Fátima e Lourdes”.

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