Duas candidaturas apresentaram-se perante o colégio eleitoral composto por delegados dos clubes nacionais, associações regionais e das classes dos treinadores, árbitros e jogadores, e que são responsáveis pela eleição dos órgãos sociais da FPR.
Abordaremos quem são os candidatos que se apresentam e procuraremos saber o que é que o próximo presidente irá herdar, o que pode trazer e quais os pontos a atacar no imediato.
Lourenço Thomaz e Carlos Amado da Silva: O passado como fora de atacar o futuro?
Carlos Amado da Silva e Lourenço Thomaz são dois candidatos conhecidos no mundo do rugby e ambos com créditos firmados.
Carlos Amado da Silva dirigiu a Federação Portuguesa de Rugby durante cinco anos, tendo ganho as eleições federativas a Dídio Aguiar em 2010. Antes de assumir o cargo de presidente da FPR, liderou os destinos da AEIS Agronomia durante mais de três décadas, sendo um dos construtores da atual dimensão nacional dos “agrónomos”, campeões nacionais em 2007 e 2008 e vencedores da Taça Ibérica (competição disputada entre os campeões de Portugal e de Espanha). Em 2015, perdeu as eleições para Cassiano Neves, num ato eleitoral marcado por alguns detalhes menos positivos em termos de apuramento dos votos finais.
A direção de Carlos Amado da Silva na FPR teve alguns momentos auspiciosos: a conquista de um Campeonato da Europa de sub-20 e dois da Europa de 7’s em séniores, para além das organizações de torneios da Rugby Europe (estrutura do rugby europeu) e da World Rugby (organização internacional) em território nacional.
Contudo, foi também durante o seu mandato que Portugal falhou por duas ocasiões o Mundial de Rugby (2011 e 2015) para além de alguns conflitos com técnicos e selecionadores nacionais, como foi o caso Erol Brain ou Tomaz Morais.
Lourenço Thomaz, por sua vez, foi um dos responsáveis por guiar o CDUL, clube a que presidiu até 2017, em direção a títulos nacionais e internacionais, conseguindo relançar o emblema dos universitários na senda da afirmação nas seleções nacionais. Nos últimos 10 anos, o CDUL apresentou-se como um dos clubes mais categóricos, projetado para o futuro e com a maior massa de jogadores em Portugal.
Carlos Amado da Silva oferece experiência, conhecimentos internos e externos (ligação à Rugby Europe, instituição cuja direção não tem portugueses) e uma “ponte” negocial com instituições públicas.
Lourenço Thomaz traz uma visão nova mas mais arriscada (no sentido positivo da palavra), para além de um sentido comunicativo mais moderno e ter ainda em “mão” alguns potenciais investidores na modalidade, mostrando-se um agente que consegue encontrar investimento em “locais” menos trabalhados.
Curiosamente, ambos candidatos só avançam para eleições com a maioria do apoio pré-eleições (os órgãos sociais são eleitos pelos delegados que representam os clubes, associações regionais e das classes dos treinadores, árbitros e jogadores). Ou seja, pode dar-se o caso dos delegados nacionais terem de escolher entre votar numa lista ou em branco.
A herança de uma federação dividida, errática e em conflito
Os últimos quatro anos, sob a égide de Luís Cassiano Neves, foram de dificuldades extremas para a instituição portuguesa que não conseguiu encetar um plano minimamente coerente e equilibrado para devolver à modalidade alguma “luz” e “glória” de outros tempos.
As descidas de divisão no 7’s (sevens) ou XV, os constantes chumbos dos orçamentos federativos, as greves (in)oportunas (mas justificadas) da arbitragem nacional, os ataques aos e dos clubes portugueses e a falta de um discurso organizado, foram consequências de uma gestão minimamente questionável da antiga direção.
A somar a estes problemas, o papel menos positivo da atual comissão provisória afetou seriamente o relacionamento dos clubes com a instituição. Desde logo, a começar pela retirada da organização e subsidiação de árbitros para a maioria dos jogos de sub-18 e sub-16, decisão que não foi votada pelos clubes em Assembleia-Geral e que pode, até, ser visto como uma usurpação de poderes.
Um calendário mal-organizado, o crescente desagrado, até interno, da Federação Portuguesa de Rugby com vários “casos” a acontecerem em jogos dos campeonatos nacionais tem lançado a modalidade para um patamar inferior.
A Federação Portuguesa de Rugby preenche as suas preocupações quase por completo com a seleção nacional sénior, olhando pouco para as seleções jovens e quase nada para os campeonatos nacionais.
A título de exemplo na final do CN1 sénior (campeonato nacional que corresponde a uma 2ª divisão), em 2018, se não fosse um doador anónimo não teria havido distribuição de medalhas ou outras benesses para os vencedores e vencidos. Poderá parecer um pequeno pormenor, mas não deixa de ser um momento negativo revelador da falência do rugby nacional.
Escasseiam-se os apoios financeiros, o marketing é nulo e por muito pouco não foi vendido o pouco património (a sede, em Lisboa) que resta da instituição, numa demonstração da crescente crise não só financeira, mas de ideias e planos.
Por fim, neste momento, a grande herança deixada pelos últimos 4 anos é de uma seleção sub-20 e sub-18 em grande crescimento (e com vários títulos conquistados na Europa e a nível mundial), do convite feito pela World Rugby a Portugal para estar presente nos Hong Kong 7’s (em Abril, podem ver em direto pela página oficial dos World 7’s Series) e de uma jovem seleção sénior que precisa de encontrar o seu lugar no “Mundo”.
Há pontapé para a frente ou o jogo já terminou para o rugby português?
Os dois atuais candidatos deixaram escapar uma das primeiras propostas a colocar em prática no imediato: passar a Divisão de Honra (principal competição) de 8 para 12 equipas. A ideia pareceria boa não fosse uma mudança extremamente radical nos campeonatos nacionais, ao ponto de estragar a pouca harmonia existente.
Não há dúvidas que a Divisão de Honra precisa de crescer em clubes, mas uma transformação de 8 para 12 pode, a meu ver, acarretar problemas a médio-prazo. Não esquecer que esta possível alteração dos modelos competitivos (a 5ª em 8 anos nos campeonatos séniores) será desenhada, proposta e potencialmente aprovada em maio, quando os campeonatos começam em Setembro.
Dependendo de como funcionará o modelo competitivo, a mexida para 10 poderia ser bem menos radical, promovendo já dois clubes do CN1 para a Divisão de Honra, ficando praticamente iguais, sem criar um fosso muito grande entre os vários emblemas.
Contudo, a preocupação dos votantes e candidatos não deveria estar na mexida nos campeonatos séniores (e é apetecível propor este alargamento das divisões para ter votos), mas sim virar a agulha para a uma putativa reorganização a nível juvenil.
Desde logo surge a dúvida. Será positivo mudar os campeonatos de sub-16 e sub-18 para ligas regionais em que saísse um grupo para disputar um campeonato nacional dividido em três ou quatro divisões, ou será que modelo atual tem produzido campeonatos equilibrados e que têm lançado jovens na ribalta do rugby português?
Outra questão a observar tem a ver com a elevada taxa de desistência a nível sénior, seja pela gestão das suas carreias (profissionais e estudantis), o conflito de horários ou pela não evolução da modalidade, razões que fazem com que hoje não existam referências na seleção Nacional como em tempos houve com Pedro Leal, Vasco Uva, Duarte Cardoso Pinto, Gonçalo Foro, Joaquim Ferreira, entre outros.
Para inverter esta situação, um dos caminhos a enveredar poderá passar pela criação de uma rede internacional de cedência de jogadores, em que os jovens atletas poderiam tentar uma saída para o estrangeiro, ali procurando aferir se conseguem ou não conciliar trabalho/estudos e desporto. Casos como José Conde, Francisco Domingues, Luís Cerquinho (a jogarem em Espanha) ou Manuel Cardoso Pinto (Holanda), entre outros, devem ser motivo de inspiração.
Refundar as academias jovens nacionais poderá ser mais um ponto importante das agendas de ambos candidatos. Não esquecer que vários dos atletas que agora singram nas seleções nacionais passaram por esses espaços então existentes. Um local onde, desde cedo, recebem os inputs daquilo que se procuram nos futuros Lobos (em ligação e comunicação com os clubes) seria fundamental para o futuro da modalidade.
Contudo, nada disto se faz sem fundos. E os fundos alocados pelo IPDJ e Comité Olímpico não são suficientes para toda a atividade nacional.
Acresce que a forma “arcaica” de promoção da modalidade e de venda dos produtos a potenciais investidores privados tem limitado a instituição federativa.
Do ponto de vista dos patrocinadores não basta ter somente a sua marca exposta nas camisolas de jogo ou calções. A “compra” dos espaços nas redes sociais é uma das vias com retorno para ambos os lados. E neste campo, a ausência de conteúdos da Federação Portuguesa de Rugby em algumas plataformas limita essa possível “venda” a que corresponderia alguns fundos interessantes.
E, finalmente, a revitalização da arbitragem portuguesa é um ponto que tem de ser tomado como fundamental por ambas as candidaturas. Durante o mandato de Luís Cassiano Neves assistiu-se a um constante corte no orçamento para a arbitragem. A consequência imediata foi menos árbitros oficiais, incluído juízes auxiliares nos jogos. E sem árbitros não há jogo (“No Refs, No Game… No Game, No Rugby) pelo que é essencial garantir fundos independentes para o juízes.
A captação de árbitros (fundação de uma escola real de arbitragem), instalação de observadores de jogos (possível se todos os jogos fossem filmados) e relevação dos relatórios de observadores são algumas das ideias que aqui deixamos.
Muitas outras soluções podem e devem ser expostas pelos candidatos a quem compete apresentar o melhor programa eleitoral sem “comprarem” votos em troca do aumento de número de vagas nos campeonatos nacionais, repetindo erros passados.
O rugby português tem sido feito refém de constantes abusos de poder, de más leituras ao estado-da-arte da modalidade, de arrogâncias diretivas e de um total desapoio às plataformas que mais atenção precisam.
Abril marca, por isso, o início de uma nova era da modalidade. Começa com as eleições, mas também com a ida da seleção nacional de 7’s a Hong Kong, quase três anos depois da última aparição…desta vez não teremos Pedro Leal, Adérito Esteves ou Diogo Miranda a comandar os Lobos de 7, mas a nova vaga de jovens irrequietos como Rodrigo e Manuel Marta, Vasco Ribeiro, Fábio Conceição, entre outros.
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