Antigamente, antes dos clubes de elite terem as grandes infraestruturas de scouting que agora fazem parte do jogo profissional, os outros clubes estavam ainda numa posição de desenvolver talento local através das suas academias. Nessa altura, refugiavam-se na noção de que tinham tempo para desenvolver um jogador até ao nível em que este se estrearia na primeira equipa e, na maior parte dos casos, o clube receberia algum tipo de verba de transferência se os ditos jogadores fossem comprados por um clube maior.
Nestes dias estonteantes em que há uma procura cada vez maior pelo próximo “Messi”, “Ronaldo” ou até “Mbappé” (o que parece estranho, visto que este tem apenas 20 anos), os clubes de elite estão a investir fortemente não apenas nas camadas jovens, mas também na identificação e scouting do melhor talento jovem de todo o mundo. Quando se junta a vasta quantidade de equipamentos de topo nas academias que os clubes de elite possuem agora, é possível compreender de onde vem a tentação para os jogadores jovens seguirem o seu rumo.
A subida de jovens jogadores pela pirâmide do futebol acima não é nada de novo. Em muitos casos, nos clubes das ligas menos prestigiadas da Europa, a venda de jovens e excitantes jogadores que se tenham desenvolvido é frequentemente parte da sua estratégia de negócio, com as vendas dos jogadores a representar uma forte fonte de lucro na ausência dos grandes números que vêm dos acordos televisivos nas ligas de topo.
Há um problema crescente, contudo, a surgir do facto de que os clubes de elites agora estão muitos mais dispostos a investir por potencial a uma idade muito mais nova. Isto significa que assim que se tenha identificado tal talento, um júnior pode chegar a ter nove anos de idade quando assina oficialmente para integrar uma academia de elite, apesar de muitos clubes de topo já terem escalões pré-academia que vão até aos sub-5.
O facto de um clube não poder dar um contrato profissional a um jovem jogador até este ter, pelo menos, 16 anos, significa que, antes deste ponto, é muito mais fácil para um clube de topo seduzi-los. Apesar dos emblemas mais pequenos poderem ser compensados em casos com estes, muitas figuras do jogo consideram que isto frequentemente não chega para compensar o verdadeiro valor dos jogadores, tendo em conta o dinheiro e tempo consideráveis que um clube desta natureza precisam de investir para desenvolver um jogador desde muito novo.
Um excelente exemplo disto foi o caso de Jadon Sancho, que terminou em segundo lugar no top 20 do nosso relatório. Quando Sancho decidiu rumar a novas paisagens na Alemanha em 2017, muitos deram total crédito ao Manchester City pelo desenvolvimento deste novo e excitante talento. No entanto, na verdade, os atuais campeões ingleses assinaram com o jogador quando este tinha 14 anos, depois de ter passado os oito anos anteriores na academia do Watford FC. O valor de transferência na altura, calculado com o Elite Player Performance Plan (EPPP) da Premier League, foi de umas meras 66 mil libras (hoje, aproximadamente 73 mil euros).
A EPPP é uma iniciativa de desenvolvimento jovem que foi introduzida na Premier League e depois aceite por todos os clubes da English Football League (organização que inclui as 2ª, 3ª e 4ª divisões inglesas) depois de ir a votos em 2011. O principal objetivo da EPPP era assegurar que o futebol profissional em Inglaterra tinha um sistema de academias de topo mundial. Contudo, a iniciativa tem sido colocada em causa, com algumas pessoas a sugerir que o sistema serve melhor os clubes de elite do que aqueles nas ligas inferiores.
Tem, de facto, havido uma mudança de papéis em Inglaterra em tempos recentes, com os clubes da Premier League dispostos a investir muito mais no desenvolvimento e a atrair talento jovem, enquanto que a EPPP fez com que os clubes de ligas inferiores tenham começado a considerar cada vez para as transferências como uma alternativa mais barata a investir nas suas academias.
Em conjunto com as regras definidas pela EPPP quanto a jogadores jovens, é frequente que quando os clubes de ligas inferiores são capazes de assegurar jovens jogadores com contratos profissionais, isto não significa que o clube em questão receba lucros inesperados. Sob as atuais regras, se um jogador jovem aliciado por outro clube antes do fim do seu contrato mas tiver menos de 24 anos, o primeiro clube tem direito a receber uma verba de “compensação pelo treino”, mas, novamente, esta pode ser bastante mais baixa do que aquela que o clube esperaria receber se houvesse um negócio de transferência.
Nisto tudo, como é que fica o desenvolvimento das academias dos clubes médios? Nos anos recentes, um número preocupante de clubes de ligas inferiores tem tomado o passo de trocar o seu sistema de academia por uma “equipa B”, com alguns clubes que chegam até ao Championship (2ª divisão inglesa) a deixarem de ver retorno em investir nos seus próprios jogadores jovens. De facto, a larga rede de jovens jogadores que os jogadores de elites estão agora a captar é tão vasta que há casos em que alguns clubes grandes parecem estar apenas a acumular talento, o que pode ser contraproducente ao desenvolvimento destes jogadores, tendo em conta as suas hipóteses limitadas em jogarem na primeira equipa.
Esta acumulação na verdade está a mostrar ser um fator determinante na decisão de alguns clubes médios de fecharem as suas academias, com a formação das “equipas B’s” a tornar-se possível com a capacidade de recrutar os jovens jogadores (num processo ao contrário) que os clubes de elite não consideram bons o suficiente para progredir mais e que são subsequentemente dispensados.
O problema a longo prazo que se pode desenvolver a partir desta tendência relativamente nova é que, com cada vez mais clubes de ligas inferiores a não verem razão para manter as suas academias, é possível que de futuro isto resulte em jovens talentos presentes em áreas mais remotas a ficarem por descobrir.
Apesar de terem redes extensas, não é um objetivo realista para os clubes de topo serem capazes de cobrir os quatro cantos do planeta e, assim, esta tática de caçar jovem talento pode resultar contra eles se isto levar a uma redução na descoberta de talentos jovens de elite em ambientes e ligas de qualidade inferior. Com uma oferta mais reduzida, isto pode significar um aumento do custo de compra de jovens jogadores.
Apesar do relatório deste ano indicar que o mercado de transferências de jovens ainda está nivelado, é possível que as implicações desta nova tendência se tenham começado a fazer sentir quando se considera a transferência de João Félix para o Atlético de Madrid. Apesar do clube ter investido fortemente na sua própria política de desenvolvimento de jovens, o Atlético ainda assim mostrou-se disponível para desembolsar uma verba considerável pelo jovem jogador português: 45 milhões de euros acima da nossa avaliação do jogador, baseando-se tudo isto num ingrediente chave: potencial.
Para resumir, é possível sugerir que enquanto não se fizer mais para garantir que os clubes abaixo da elite são compensados adequadamente quando perdem uma excitante promessa, é provável ver-se cada vez mais clubes de ligas inferiores a afastar-se do modelo tradicional de academia, dados o pesado fardo dos custos elevados para desenvolver talento local. Há ainda argumentos que sugerem que isto apenas fará alargar o fosso entre clubes de elite e fora dela.
Então, quais são as implicações mais vastas que isto terá e como poderá afetar o futebol europeu? Com o poder e o dinheiro que a Premier League agora possui, é compreensível perceber como isto atrai o jovem talento europeu, assim como o local. Não é difícil imaginar um futuro em que os clubes “menores” da Europa se fartem de ver os seus melhores jovens talentos a mudarem-se para uma elite seleta e sintam que já não conseguem atingir o retorno do investimento, necessário para manter as academias a funcionar. Apenas o tempo o dirá, mas vai ser interessante ver como isto se decorre nos próximos anos.
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