No dia 12 de novembro de 2016, no mítico Madison Square Garden, “Notorious” Conor McGregor alcançou a proeza de vencer o título de pesos-leves do Ultimate Fighting Championship (UFC), passando a ostentar consigo dois títulos da maior promotora de MMA do Mundo. Poucos dias depois, ainda nesse mês de novembro, a UFC retirou-lhe o título de peso-pena, conquistado em 2015 contra José Aldo, uma vez que o mesmo já não o iria defender. Desde então, Conor andou afastado do octógono da UFC. Ou melhor aproximou-se algumas vezes do mesmo, mas para se envolver em polémicas, mais especificamente com o árbitro Marc Goddard.
A experiência e a história dizem-nos que quando um campeão não defende o título (ou não tem luta marcada durante um ano) por razões que não se prendem com lesões, o mesmo deverá ser-lhe retirado e encontrado um novo campeão. No entanto, o atual campeão da divisão de pesos-leves goza de um estatuto diferente dos restantes lutadores, dado que mantém este título há um ano e um mês sem defendê-lo. E sem motivo aparente para tal.
Neste sentido, e respondendo ao apelo dos restantes lutadores, a UFC criou um título interino nessa mesma categoria – é um recurso excecional, usado em casos extremos, quando o campeão em título está, por qualquer motivo, inapto a defender o título (por exemplo, devido a lesão), mas esse motivo não é o suficiente para lhe retirarem o título –, que foi ganho por Tony Ferguson, no UFC 216 contra Kevin Lee.
Por outro lado, Conor não esteve parado este tempo todo. Recorde-se que em agosto realizou o “moneyfight” contra Floyd “Money” Mayweather, também conhecido como o combate do século e que, apesar de os números em termos de venda de PPV (Pay Per View, conteúdos que os espetadores pagam para assistir, na TV ou online) ter ficado abaixo do combate entre Manny Pacquiao e Mayweather, gerou para o lutador irlandês os honorários necessários para conseguir viver o resto da sua vida sem necessitar de entrar num ringue de boxe ou numa cage (nome dado ao espaço onde se realizam os combates de MMA) novamente.
Ora, chegados a este momento, depois de um combate milionário com Mayweather e mais de um ano fora do MMA com um título que continua sem ser defendido, a pergunta impõe-se: e agora, Conor? E agora, UFC?
Nas últimas semanas, contudo, tivemos vários desenvolvimentos. Mas nenhum deles foi conclusivo. Manny Pacquiao disse que estava em negociações com Conor McGregor para um combate no boxe, tudo para pouco tempo depois o próprio irlandês referir numa entrevista que o seu próximo combate seria no MMA.
Já no espectro do MMA, as últimas semanas foram palco de vários rumores: falou-se de uma possível terceira luta contra Nate Diaz, adversário com quem a rivalidade foi maior e que deu os maiores números financeiros à UFC; da unificação do título contra Tony Ferguson, atual campeão interino; de um combate contra Khabib Nurmagomedov, o russo que está invicto 23-0 mas que não é muito regular devido a lesões e outros problemas relacionados com o corte de peso; de uma luta que oporia o irlandês a Georges St-Pierre, um dos maiores campeões de sempre da UFC que regressou este ano; e, pasmem-se, de novo combate contra Floyd Mayweather. A verdade, no entanto, é que nenhuma destas hipóteses foi confirmada até hoje. E Dana White, presidente da UFC, proferiu declarações que podem fazer desesperar muitos fãs: devido ao dinheiro que ganhou na luta com Mayweather,Conor McGregor poderá não voltar combater MMA.
Uma questão de estatuto
Como referido anteriormente, o atual campeão da divisão de pesos leves goza de um estatuto diferente dos restantes lutadores, uma vez que a sua notoriedade é única no mundo do MMA. Na verdade, o seu nome é hoje em dia, maior que a própria modalidade, confundindo-se com o desporto e trazendo uma visibilidade nunca antes vista.
Olhem, então, para os números: os quatro PPV com o maior número de vendas da história da UFC tiveram todos “Notorious” como um dos participantes do seu combate principal. Os seus eventos, além de recordes de venda de PPV, também foram autênticos sucessos de bilheteira, merchadising e tudo o que envolve iniciativas deste género, o que o torna no maior nome de sempre da promotora em termos de geração de receitas.
Neste sentido, a UFC terá que aplicar uma fórmula diferente (ou adaptar o seu negócio a este novo paradigma), o que poderá alterar a forma de funcionamento da empresa e o modo como a mesma realiza os seus combates. Tudo isto porque, aparentemente, Conor não quer realizar combates contra os lutadores que mais merecem – ou seja, os que ocupam melhor lugar no ranking –, mas sim participar nas lutas que financeiramente são mais interessantes para si. Como tal, o título que tem ao ombro não vai representar a divisão pela qual está a lutar, mas sim um mero amuleto, dado que as lutas que são mais interessantes para si poderão não estar na divisão pela qual o irlandês é campeão.
Por outro lado, McGregor não quer ser “empregado” da UFC, mas sim passar ser parceiro na organização dos eventos em que participa, tendo para isso criado uma promotora chamada “McGregor Sports Entertainment” que, de resto, já esteve envolvida no combate contra Floyd Mayweather.
Dada esta realidade, a UFC encontra-se numa encruzilhada. Adquirida em 2016 por um valor recorde de 4 mil milhões de dólares (cerca de 3,4 mil milhões de euros) pela WME-IMG, os novos donos pretendem rentabilizar a empresa, tentando conseguir os melhores confrontos possíveis em termos financeiros. Só que, para isso, necessitam que a maior estrela do desporto queira fazer parte do mesmo.
Por outro lado, a organização quer também demonstrar aos restantes lutadores que os rankings e os títulos são importantes e têm de ser respeitados. No entanto, as várias exceções que foram acontecendo ao longo do tempo tiveram exatamente o efeito contrário e, hoje em dia, a maioria dos lutadores não querem enfrentar o melhor lutador da divisão, mas sim o que gera maior receita ou que tem maior notoriedade.
Mas os problemas da UFC não terminam aí. A quebra de regularidade das suas maiores estrelas é outro dos obstáculos que a organização tem enfrentado. Do regresso (?) de Georges St-Pierre, que venceu o título mas não se sabe quando voltará, passando pela mais que provável desistência de Ronda Rousey da sua carreira enquanto lutadora de MMA, para apostar noutras modalidades, ou ainda do regresso de Jon Jones, que saiu de uma suspensão por doping para cair noutra logo de seguida. No meio de tudo isto, Conor McGregor continua "de fora".
Por último, a UFC não está a conseguir gerar novas estrelas e os atuais campeões de cada divisão não conseguem atrair os espetadores ou os fãs como os anteriores. Parece faltar maior promoção, provocando o "choque" (o chamado trash talk) entre estes e os seus adversários em conferências de imprensa ou "colocando-os" nos maiores talkshows dos Estados Unidos da América para dar a conhecer as suas histórias e demonstrar que estes nomes são o futuro da companhia.
A UFC tem de aprender a lidar com o “monstro” que ela mesmo criou, para isso terá que escolher o caminho de futuro: alterar o paradigma da competição e o matchmaking – o processo de escolha de dois lutadores para combater – eliminando a importância dos rankings (e aí os lutadores já sabem que os mesmos são meramente indicativos, negociando combate a combate com os principais lutadores, correndo o risco que os restantes não queiram esperar e saiam da UFC para combater noutras promotoras, como tem acontecido em alguns casos), ou então, desvalorizar a ausência de McGregor retirar-lhe o título e continuar a funcionar como até hoje, promovendo os seus campeões como as novas estrelas da promotora, correndo o risco de perder a maior estrela do MMA atual e uma das maiores fontes de receita da empresa.
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