A notícia da morte trágica da irmã de Isaiah Thomas veio abalar o mundo da NBA e, em particular, os Boston Celtics. Mas, numa decisão surpreendente, o pequeno base anunciou que ia mesmo jogar na partida de estreia dos playoffs, frente aos Chicago Bulls, o que acabou por proporcionar algumas das imagens mais marcantes da memória recente da liga norte-americana. Ver Thomas em lágrimas durante o aquecimento e, logo depois, assinar uma exibição monstruosa é algo que não esqueceremos tão cedo. E todos nós – sim, mesmo vocês, fãs dos Bulls! – torcemos por uma vitória dos Celtics.

A história dos playoffs da NBA é fértil em momentos de superação, uns mais emocionais (como o de Isaiah Thomas), outros apenas relacionados com a performance de um ou mais jogadores em determinado jogo. Ainda se lembram disto?

A entrada triunfante de Willis Reed

Jogo 7 das Finais de 1970. Depois de ter falhado o jogo 6 devido a uma lesão muscular que sofreu durante o jogo 5, Willis Reed e os New York Knicks sentiam que o momento da série, apesar de empatada a três jogos, estava do lado dos Los Angeles Lakers, que viviam do talento de Wilt Chamberlain (45 pontos e 27 ressaltos no sexto jogo). Reed não fez o aquecimento com os colegas, mas apareceu em campo, a coxear, segundos antes da bola ao ar. Tinha pedido uma injeção para anestesiar a dor. O público do Madison Square Garden presenteou-o com uma das ovações mais arrepiantes de que há memória. “Eu queria jogar. Não queria ter que olhar para o espelho, daqui a vinte anos, e dizer que devia ter tentado jogar”, disse no final. Reed marcou os quatro primeiros pontos dos Knicks (os seus únicos pontos do jogo), mas inspirou os colegas, e sobretudo Walt Frazier (36 pontos e 19 assistências), para uma vitória por 113-99 que deu aos Knicks o primeiro título da sua história.

«Magic» foi base, extremo e poste no mesmo jogo

Jogo 6 das Finais de 1980. Kareem Abdul-Jabbar tinha torcido um tornozelo no jogo 5 e nem sequer viajou para Philadelphia, onde os Los Angeles Lakers iam defrontar os 76ers, de Julius Erving, embora tivessem uma vantagem de 3-2. A confiança crescia em Philadelphia, após a notícia da lesão do poste dominante da formação da Califórnia. À entrada para o avião, o rookie Earvin «Magic» Johnson sentou-se no lugar que habitualmente era ocupado por Abdul-Jabbar e, mais tarde, fez o mesmo dentro das quatro linhas. O base começou o jogo como poste – até disputou a bola ao ar! – e também passou pela posição de extremo. Quando soou o apito final, «Magic» tinha somado uns impressionantes 42 pontos, 15 ressaltos e 7 assistências. Quando soou esse apito final, os Lakers festejaram o título de campeões da NBA. O rookie procurou as câmaras de televisão e gritou: “Este é para ti, Big Fella!”

Os 63 pontos de Jordan no Garden

Jogo 2 da 1ª ronda da Conferência Este de 1986. No seu segundo ano na NBA, Michael Jordan sofreu uma lesão (fratura no osso de um pé) que apenas permitiu que jogasse em dezoito partidas. Ainda assim, MJ voltou a tempo de ajudar no apuramento dos Chicago Bulls para os playoffs, onde caiu às mãos dos Boston Celtics logo na primeira ronda e por claros 4-0. No segundo jogo dessa série, o número 23 dos Bulls registou 63 pontos (recorde da NBA), marcando de todas as maneiras e feitios, contra um, dois ou três adversários, naquela que é considerada a melhor exibição individual de sempre em playoffs. Os Bulls perderam após dois prolongamentos, por 131-135, mas Michael Jordan ganhou um lugar na história. E o melhor elogio veio de Larry Bird: “Não acredito que haja alguém capaz de fazer o que o Michael acabou de nos fazer. Penso que era Deus disfarçado de Michael Jordan”.

O duelo entre Larry Bird e Dominique Wilkins

Jogo 7 das meias-finais da Conferência Este de 1988. Por muito que não goste de usar clichés, este foi mesmo um jogo que ninguém merecia perder. De um lado, Dominique Wilkins assinou uma prestação assombrosa e especialmente eficiente, com 47 pontos e 19 lançamentos concretizados em 23 tentativas. Do outro, Larry Bird terminou a partida com a mão a ferver, marcando 20 (9/10 em lançamentos de campo) dos seus 34 pontos no quarto e último período. Foi um dos melhores duelos de todos os tempos. Contas feitas, os Boston Celtics bateram os Atlanta Hawks por 118-116.

Isiah Thomas ao pé-coxinho

Jogo 6 das Finais de 1988. Com os Detroit Pistons a perder por oito pontos (48-56) no início do terceiro período, Isiah Thomas pegou no jogo e marcou 14 pontos consecutivos. Os Pistons, que venciam as Finais por 3-2, já sentiam uma mão no troféu Larry O’Brien. Até que o base caiu em cima do pé de Michael Cooper, sofreu uma entorse grave e teve que ser ajudado pelos colegas para sair do campo. Menos de um minuto depois, Thomas estava de regresso e terminou esse período com 25 pontos marcados, oferecendo uma liderança de 81-79 à equipa treinada pelo mítico Chuck Daly. O esforço de Isiah Thomas acabou por ser insuficiente e os Detroit Pistons perderam esse jogo (102-103) e, dias depois, o jogo 7, mas essa exibição acabou por ficar na memória de todos como uma das melhores da história.

Reggie Miller, o sniper dos Knicks

Jogo 5 das Finais da Conferência Este de 1994. Os New York Knicks ganhavam por doze pontos, à entrada para o quarto período, mas quarto período era sinónimo de “Miller Time”. E assim foi. Reggie Miller marcou 25 pontos nos doze minutos finais, 39 no total do jogo (incluindo seis triplos), e os Pacers conseguiram um parcial de 35-16 para celebrar um triunfo na Big Apple. E ainda somou seis assistências à sua conta pessoal. E não perdeu uma única bola. E olhou para Spike Lee, o famoso adepto dos Knicks, e fez um gesto que simbolizava as dificuldades dos Knicks no quarto período. Ainda hoje, Reggie Miller é persona non grata em Nova Iorque. Percebe-se porquê.

O jogo da gripe

Jogo 5 das Finais de 1997, a.k.a. “The flu game”. A derradeira e mais icónica história de superação. Chicago Bulls e Utah Jazz com duas vitórias cada e o jogo 5 aproximava-se, quando a má notícia chegou à Cidade do Vento: Michael Jordan estava muito doente, com gripe, e colocava-se a hipótese de não jogar em Salt Lake City. O melhor jogador de sempre mal se conseguia manter de pé e estava a lutar contra a desidratação, mas fez questão de jogar. A cada pausa, a cada desconto de tempo, a cada intervalo parecia que ia cair para o lado, ao ponto de ter que ser amparado por Scottie Pippen. “Só” registou 38 pontos e 7 ressaltos, liderando os Bulls a um triunfo por 90-88. Dois dias depois, os Bulls venceram o quinto título em seis temporadas.

Fast forward de volta a 2017. Depois de Isaiah Thomas, que outras histórias de superação nos esperam este ano? Chris Paul ou James Harden conseguem liderar as respetivas equipas às Finais? Os San Antonio Spurs voltam a contrariar o rótulo de jogadores velhos? Os Bulls desafiam todas as probabilidades? O baú das recordações aguarda novas histórias. Nós também.

Ricardo Brito Reis é jornalista há uma década e meia, mas apaixonado por basquetebol desde que se lembra. É um dos comentadores de basquetebol da SportTV, faz parte do departamento de comunicação da Federação Portuguesa de Basquetebol e é treinador de formação no Sport Algés e Dafundo.

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