Quando o corpo e a mente já não deixam, nada mais restará ao homem se não tomar a decisão de parar. João Sousa anunciou hoje aquilo que se antecipava nos tempos mais recentes. Chegou ao fim o longo percurso de raquete na mão e o Estoril Open será a última dança nos courts.
Acompanhado dos pais, Armando e Adelaide Sousa, namorada, amigos e patrocinadores, o anúncio veio em forma de conferência de imprensa.
Numa tenda com vista para o Centralito do Jamor, em Oeiras, discursou ao longo de sete minutos (das 11h35 às 11h42), aguentou as lágrimas, mas não algumas espreitadelas da voz trémula, e lançou a frase dita de forma um tanto ou quanto seca: “decidi retirar-me do ténis profissional no Millennium Estoril Open (30 de março a 7 de abril)”, disse.
As razões são conhecidas de quem acompanhava a atividade mais recente da carreira de João Sousa. “Infelizmente, os últimos tempos têm sido difíceis, com uma série de lesões que me têm impedido de jogar ao mais alto nível e desfrutar dentro do court”, enfatizou o vimaranense de 34 anos.
“Tenho lutado contra isso, mas o meu corpo e mente têm demonstrado sinais extremos de cansaço e de dores diárias, pelo que, após um período de muita reflexão e de consideração, queria comunicar que decidi retirar-me do ténis profissional e que o Millennium Estoril Open será o último torneio da minha carreira”, disparou, de novo.
“Será o derradeiro desafio da minha carreira. Um torneio que venci em 2018. É especial para mim e assume-se como o cenário ideal para me despedir do ténis ao lado da minha família, amigos, patrocinadores, o meu público e todos os que partilharam os momentos de triunfos e desaires”, acrescentou o atual 280 do ranking ATP.
“Sei que para muitos esta decisão não é surpreendente”
“Sei que para muitos esta decisão não é surpreendente, mas, depois de toda uma vida dedicada à minha paixão, que é o ténis, esta decisão vem com sentimento muito profundo e emoções muito fortes. Sinto um orgulho enorme no que alcancei e no legado que deixo”, reforçou o tenista que venceu quatro torneios ATP, Kuala Lumpur (2013), Valência (2015), Estoril (2018) e Pune (2022), representou Portugal em dois Jogos Olímpicos (Rio de Janeiro 2016 e Tóquio 2020) e que passou oito anos ininterruptos no top 100 mundial (até março de 2021).
“Durante este percurso, tive oportunidade, o privilégio e a honra de representar Portugal nos torneios mais prestigiados, no circuito ATP, no Grand Slam e na Taça Davis. Sinto um enorme e profundo orgulho por aquilo que atingi e gostaria de acreditar que contribui para o desenvolvimento do ténis no nosso país”, apontou.
Profissional desde 2007, aos 34 anos regista para a eternidade “as memórias inesquecíveis, experiências inigualáveis e memórias marcantes no ténis e no coração”, na hora de colocar um ponto final na carreira de 17 anos.
As odes à família, treinador, agente, patrocinadores, público, federação e media
Um caminho só possível graças ao “apoio incondicional da família, o amor, o carinho e tudo aquilo que sacrificaram” para que ele, João Sousa, se dedicasse aquilo que ama, o ténis. Contribuíram para a “base do meu sucesso”, constatou.
Na distribuição de agradecimentos houve espaço e tempo para a Federação Portuguesa de Ténis (FPT) e seu presidente, Vasco Costa, patrocinadores, agência (Polaris), agente (Miguel Ramos) e comunicação social.
Não esqueceu o treinador Frederico Marques. “Esteve sempre ao meu lado em todos os momentos. A sua sabedoria, motivação, ambição, dedicação e orientação foram fundamentais e desempenharam um papel super importante para me mudar como jogador e como pessoa”, reconheceu.
“Agradeço a todos aqueles que fizeram parte desta viagem única e extraordinária e aguardo com expetativa o próximo capítulo da minha vida, ansioso por continuar a fazer a diferença, seja dentro do campo ou fora dele”, prometeu.
Sobre o que aí vem pouco revelou. “Os próximos tempos serão passados e dedicados a pensar no futuro e a escolher os meus próximos desafios, aos quais dedicarei todo o entusiasmo, resiliência e espírito de conquista tal como fiz em toda a minha carreira”, finalizou sentado numa mesa ao lado de Vasco Costa, presidente da FPT e Miguel Ramos, agente da Polaris.
“O João Pequeno era muito inconsciente e nunca pensaria alcançar o que alcançou”
Uma carreira de 17 anos não se resume a um monólogo de sete minutos e, apesar do aviso de que compromissos impediam as habituais conversas à margem com jornalistas ainda deu tempo para a habitual conferência de imprensa.
“Estava à espera que fosse a Célia (Lourenço) a fazer a primeira pergunta. A Célia é da velha guarda”, começou por dizer antes de responder às perguntas.
Recuou ao tempo das primeiras escolhas e admitiu. “O João Pequeno era muito inconsciente e nunca pensaria alcançar o que alcançou”, constatou o tenista que considerou a “capacidade de trabalho” como a “maior virtude”, anotou.
“Nunca pensei fazer história e a história veio por acréscimo à minha ambição de jogar ténis e alcançar grande feitos, mas nunca pensando na história”, prosseguiu.
“Ligo muito poucos aos recordes. A experiência e todos os momentos inesquecíveis pelo quais passei são parte do caminho e em todo o meu caminho dei o meu melhor. Na minha essência, estou feliz por ter deixado tudo em campo”, relatou.
A seriedade e solenidade que momento pedia foi, por breves instantes, interrompido com uma pequena incursão à história da primeira vez que bebeu álcool e “apanhei uma borracheira com um shot de canela”, relembrou. “Aconteceu com o Frederico e vínhamos de um momento triste duas semanas a perder com match points e decidimos beber um copo”, recordou.
Legado é a palavra que se usa para rotular quem, através da sua ação, deixa uma peugada de influência para quem vem a seguir. João Sousa encaixa-se nessa categoria.
Considera-se realizado e “feliz de ter servido de inspiração para muitos jovens poderem prosseguir o sonho de ser profissionais de ténis” e de ter contribuído “para que o ténis seja um desporto melhor”, assegurou.
“Chamam-me conquistador não só por ser de Guimarães”
Questionado sobre a palavra que melhor descreve a carreira não teve dúvidas. “Conquista. Chamam-me conquistador não só por ser de Guimarães, mas sim por ter conquistado muita coisa e ter um espírito de trabalho, resiliência e conquista que tenho e sempre tive”, atirou.
Admitiu que, com naturalidade, o Millennium Estoril Open, será o cenário ideal para a despedida, mas não esquece outro momento onde o poderia ter feito. “Ser jogador da Taça Davis e representar Portugal é maior orgulho que tive no ténis, era um desejo enorme estar no grupo do mundial”, recordou, lamentando o afastamento ditado pela seleção finlandesa.
João Sousa partilhou o campo com os melhores de todos os tempos e viveu, profissionalmente, na era de uma geração, quiçá, irrepetível de Rafael Nadal, Roger Federer e Novak Djokovic “Partilhei o campo com todos. Foi uma geração marcante no desporto e não só no ténis (sem esquecer o Andy Murray). Acredito que tudo passa no futuro. As pessoas vão recordar o que fui, eles foram e fizemos. É um orgulho poder dizer que joguei com Rafa, Novak e Federer. Fica na minha memória”.
Desses momentos para recordar para sempre guarda “pela envolvência” dois encontros em que gostava de rebobinar a fita da vida e que, se pudesse, voltaria atrás para seguir em frente com outro desfecho. “Um com o Roger (Federer) em que estive quase a ganhar (sorrisos) e contra o Rafa (Nadal), no central de Wimbledon, jogar no estádio mais emblemático e poder vencer o Rafa seria incrível”, confessou.
A um mês de se despedir no Estoril, Sousa recordou aquela que foi e será, provavelmente o adeus mais comovente do desporto mundial. “A despedida do Roger com o Rafa ali lado foi o momento marcante no desporto. Tenho fotos minhas a chorar ao lado do Frederico (treinador)”, disse, a sorrir.
“Não existe nenhuma ambição a não ser estar envolvido no mundo do ténis”
A conversa caminhava para um final, mas ainda a tempo de dedicar dois parágrafos ao futuro. “Não pensei no futuro. É parar um bocadinho e desfrutar com a família, amigos, existem muitas opções em cima da mesa e farei o que o meu coração disser o que é correto que é por aí a minha essência”, reiterou.
“Não existe nenhuma ambição a não ser estar envolvido no mundo do ténis. O ténis deu-me praticamente tudo o que tenho e sou hoje. Acredito que vou estar sempre ligado ao ténis independentemente do papel”, antecipou. “Tive o privilégio de fazer o que gosto e vou estar ligado ao ténis de alguma maneira, dentro ou fora de campo”, finalizou.
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