Este Uruguai não é a típica seleção sul-americana, os ‘rodriguinhos’ não são para eles. Trocam a finta bonita pela velocidade assente num futebol vertical com destino denunciado. Têm o melhor de dois mundos e armas suficientes para parar o melhor do mundo. Eles conhecem Portugal e Portugal conhece o plano deles, é demasiado óbvio, é demasiado evidente. Suárez e Cavani não se escondem, exibem-se

E quando tudo parece demasiado evidente, sobra o coração, o acelaramento cardíaco típico de um jogo de ‘mata-mata’. E este Uruguai tem alma que sobra.

Escreveu o autor uruguaio Eduardo Galeano, em 1995, no seu livro “Sol y sombra”, que “no meu país as maternidades fazem um barulho infernal porque todos os bebés olham para o mundo de entre das pernas das mães a gritar golo”.

Os uruguaios amam futebol. Foi aliás, no Uruguai, que aconteceu o primeiro Campeonato do Mundo de futebol, em 1930 e foi, aliás, o Uruguai a primeira seleção a levantar a douradinha que há 88 anos era batizada de Taça Jules Rimet. Duas décadas depois a seleção sul-americana voltava a coroar-se como a melhor do mundo no ano em que o Mundial regressava à América do Sul e se realizava no Brasil (derrotando a equipa da casa na final, no Estádio Maracanã, no jogo que ficou conhecido como "Maracanazo").

Eles conhecem o caminho para o troféu: desde 2006 que Óscar Tábarez, selecionador nacional, o anda a trilhar. Esteve próximo em 2010, no primeiro Campeonato do Mundo realizado em África, quando os uruguaios alcançaram as meias-finais, onde caíram aos pés da Holanda, depois de terem deixado para trás México, África do Sul, França, Coreia do Sul e Gana.

Agora a ameaça começou já na fase de grupos. O adversário de Portugal nos oitavos-de-final, passou a primeira fase com três vitórias e nenhum golo sofrido.

Não há como não ter medo deste Uruguai.

Comecemos pelo início. Na baliza, Fernando Muslera, guarda-redes do Galatasaray e jogador da Celeste com mais jogos disputados em Mundiais, tem sido, no mínimo, eficaz, mantendo a baliza inviolável durante três jogos. À sua frente José Giménez e Diego Godin, defesas centrais do Atlético Madrid, prometem complicar a vida a Cristiano Ronaldo, habituados a enfrentá-lo no Real Madrid ao longo da época. Para o eixo da defesa também há Sebastian Coates, conhecedor da realidade portuguesa, tal como Maxi Pereira, nas laterais.

No meio-campo há a turbulência, criatividade e velocidade de Federico Valverde, Rodrigo Bentancur, Nahitan Nández e Matías Vecino para levar a bola até onde interessa, até ao último terço, ao pedaço de terreno que Portugal mais tem que temer, porque para poder chegar às redes de Muslera há que tirar a bola à dupla da frente, há que contê-los. Não basta ter um Pepe em boa forma, será preciso mais do que isso. Falamos, claro está, de Luis Suárez e Edinson Cavani, uma das melhores duplas de avançados - se não a melhor - deste Mundial na Rússia.

Falamos de uma arma letal - duas, na verdade - que estará constantemente apontada à baliza de Rui Patrício. Uma máquina que, ao serviço dos respetivos clubes, significaram nada mais, nada menos do que 71 golos. 31 para Suárez, no FC Barcelona, e 40 para Cavani, no Paris Saint-Germain. Neste Mundial, o primeiro já fez abanar as redes por duas ocasiões e o segundo uma única vez. A curiosidade é que o fizeram sempre da mesma maneira, tal como todos os outros uruguaios que festejaram um golo na Rússia desde o dia 14 de junho: de bola parada.

E a estratégia parece ser para continuar, visto que na quinta-feira, o último treino da Celeste em Nizhny Novgorod, antes da partida para Sóchi, terminou com uma sessão de treino dedicada às bolas paradas.

Tábarez, o Maestro

Antes do regresso de Tábarez o futebol uruguaio era um lugar triste. No passado, o homem apelidado de Maestro já tinha guiado o Uruguai até à final de uma Copa América, de onde saiu derrotado pelo Brasil, mas que deixou pelo caminho a Argentina de Maradona. A glória, essa, chegaria em 2011, com a conquista do troféu.

créditos: AFP

Conhecedor do futebol uruguaio como poucos, o homem a quem foi diagnosticado o síndrome de Guillain-Barré, uma doença que enfraquece os músculos, vive os seus últimos tempos no futebol. Recusa a doença e faz de si próprio um exemplo de resiliência e superação. E isso passa para os seus homens.

Tábarez guia a seleção há 12 anos, trocou um Uruguai físico e de choque por outro mais rápido e criativo no meio-campo, sólido e duro na defesa. “Ressuscitou” Diego Fórlan em 2010, transformando o antigo avançado do Manchester United e Atlético Madrid num construtor de jogo e fazendo dele uma alavanca tática e emocional para levar o Uruguai às meias-finais. Trouxe a juventude e fez com que nenhum dos seus jogadores que atuam na Europa se esquecesse de como é, acima de tudo, o futebol o uruguaio: resiliente e apaixonado.

O Uruguai é porque Tábarez foi, foi um estudioso um "ladrão de ideias" como o próprio assume. Mas que criou um estilo novo, um futebol novo em que a mística sul-americana não perde identidade, pelo contrário, eleva-se.