Caro Julian Nagelsmann,

É um prazer tê-lo em Portugal. E, garanto-lhe, não falo apenas por mim. Uma breve incursão pelos fóruns online de discussão clubística permite detetar, aqui e ali, os mais variadíssimos elogios ao estilo de jogo que impôs à sua equipa, facto que se torna ainda mais extraordinário quando nos apercebemos da idade que consta do seu bilhete de identidade. 33 anos apenas? O mais jovem de sempre a vencer uma eliminatória nas provas da UEFA? É um cartão de visita poderoso, que augura grandes futuros.

... O estilo de jogo. Mencionemo-lo momentaneamente. Ataques rápidos, pressão sem bola, uma versatilidade tática que lhe permite poder escolher entre três ou quatro defesas, mediante o adversário que tenha pela frente. A posse não é meio e fim, como o é (ou costumava ser) no Barcelona. Mas, mesmo assim, a superioridade que costuma demonstrar é por demais evidente – e foi por isso que ocupou, durante algum tempo, a primeira posição na Bundesliga. A quebra de rendimento ao longo da temporada poderá ser explicada de muitas formas, mas um terceiro lugar, para uma equipa tão jovem quanto o Leipzig, não é algo que se possa considerar vergonhoso. Bem pelo contrário.

De onde vêm e o que andaram para aqui chegar:

Clube: RasenBallsport Leipzig e.V. (RB Leipzig)

Cidade / País: Leipzig, Alemanha

Palmarés na Liga dos Campeões: 2ª presença na Liga dos Campeões (Fase de grupos em 2017/18)

Percurso: 

Fase de grupos: 1º lugar, Grupo G:

  • RB Leipzig vs. Benfica: 2-2, 2-1
    RB Leipzig vs. Lyon: 0-2, 2-2
    RB Leipzig vs. Zenit: 2-1,2-0

1/8 de Final:

  • RB Leipzig vs. Tottenham: 3-0, 1-0

“Juventude” é a palavra certa aqui: uma média etária no plantel de 24 anos a isso obriga. A aposta nos mais jovens não é apenas birra, é o caminho que o Leipzig traçou como o seu, indo buscar jogadores não só à sua própria academia como também aos clubes-satélite que a marca tem pelo mundo, da Áustria ao Brasil. Dir-se-ia que a função desses clubes será, até, a de fornecer talento à casa-mãe alemã. Mesmo que, no território vizinho, o Salzburgo tenha andado estes últimos anos a amealhar títulos. E mesmo que o Leipzig tenha sido a quinta equipa a trazer as “asas” da bebida energética que lhe dá nome às costas.

Estamos assim perante uma espécie de Ajax, ou de uma La Masia construída com o poder do dinheiro. O mesmo dinheiro que permitiu à Red Bull fazer uma batota que muitos adeptos de futebol não perdoam: comprar um clube da quinta divisão, financiar estádios, academias, contratar jogadores com potencial e ir subindo, escalão e escalão, até à Bundesliga. Isto tudo no espaço de dez anos, e numa cidade que há muito não via um clube seu no escalão principal do futebol germânico.

Caro Nagelsmann, é precisamente esse o problema do Leipzig, um problema tal que me recuso a referir-me ao clube pela marca que lhe dá o patrocínio (porque o nome a Liga Alemã não deixou): o futebol é uma cultura, com os seus próprios códigos, regras, símbolos. O futebol não é um jogo de computador. O dinheiro não compra o respeito, o estatuto, a história. Um clube pertence ao povo, aos que o ergueram, aos que o apoiaram ao longo do tempo, nos bons e nos maus momentos, e não a uma multinacional que tem como co-fundador e diretor-geral um austríaco anti-imigrantes, populista e racista (já vimos este filme feito por austríacos antes, e não correu nada bem). O Leipzig não é um clube, é um negócio. E, mesmo num desporto onde os negócios começaram a tomar conta de praticamente tudo o resto, o que torna toda esta diatribe algo hipócrita, não é possível sentir qualquer apreço pelo Leipzig. Até porque nem todos seguimos economia na faculdade.

Que o diretor-geral em questão tenha punido os seus próprios fãs – que os há, valha a verdade, porque ainda não os conseguiram converter a todos em acionistas –, por mostrarem tarjas no estádio contra as políticas do primeiro, não ajuda em absolutamente nada à causa. Clube algum se deverá alguma vez erguer contra os seus. Vai contra tudo aquilo que nos faz identificarmo-nos com ele, com o futebol. Retira a ideia de unidade. Os golos salvam? Os golos só salvam quando são marcados num nome que é nosso, e não num nome que é Dow Jones. Para um fã de futebol – um fã de futebol a sério, mesmo que tenha um clube no seu coração acima de qualquer outro – o Leipzig é uma mera sopa de tomate: enche, mas ninguém pode pensar em comer aquilo todos os dias. Pelo que o que lhe desejo, caro Nagelsmann, é que possa dar muitas alegrias a um povo cuja identidade esteja sedenta de um bom jogo. Aos que só quiserem saber da sua conta bancária, que sofram todas as goleadas do mundo.