Se cá nevasse, fazia-se cá esqui. Quem não conhece a frase que salta de geração em geração que atire o primeiro cubo de gelo ao ar, ainda que este, como o calor que se faz sentir, possa descongelar rapidamente.

O popular ditado referente ao ato de esquiar já não cai que nem uma luva na realidade da Federação de Desportos de Inverno de Portugal (FDI).

Federação de Desportos de Inverno de Portugal
Federação de Desportos de Inverno de Portugal créditos: Federação de Desportos de Inverno de Portugal

Neva, embora sem abundância, e faz-se cá esqui. E há mais mundo para além dos dois pés gigantes e batons. Há praticantes em Portugal e uma diáspora espalhada no globo, de curling e hóquei no gelo, bobsleigh, parcerias com a federação de atletismo e patinagem, sendo que esta última tem a particularidade de colocar a ilha da Madeira no mapa de uma modalidade de gelo: a patinagem em velocidade.

É esta a fotografia da FDI. Nasceu monotemática em 1992. “Começou como Federação Portuguesa de Esqui. Só tinha esqui, depois apareceu o snowboard e, durante vários anos foram estas as modalidades”, referiu Pedro Flávio, responsável máximo federativo. “Mais tarde”, rebatizada de Federação de Desportos de Inverno de Portugal (FDI), “as modalidades de gelo ganharam dimensão, apareceram outras e é nesse caminho que estamos”, disse em conversa com o SAPO24.

Federação de Desportos de Inverno de Portugal
Federação de Desportos de Inverno de Portugal Federação de Desportos de Inverno de Portugal créditos: Federação de Desportos de Inverno de Portugal

“É das poucas federações sediadas na província. Não fazia sentido não estar na Covilhã, porque, no fundo, é o único sítio onde há neve e podemos ter condições para fazer alguma coisa, embora a federação não seja só neve”, ressalvou.

 “O milhar de federados”, explica-se, em parte, pelo “crescimento exponencial desde que apareceram as modalidades de gelo”, explicou. E acolhe “11 modalidades (50 clubes em Portugal e fora do território nacional)” que podem passar a uma dúzia.

“Estamos em processo de filiação na Federação Internacional de Biatlo. Temos alguns atletas identificados no esqui de fundo com tiro que vivem na Europa, com alguns resultados interessantes e achámos que fazia algum sentido”, esclareceu. 

A diáspora portuguesa e o “não” ao contrato para ser português

Sem descurar o que é feito em Portugal, onde desponta, a título de exemplo, o esquiador olímpico Ricardo Brancalmade in Academias da federação, a diáspora portuguesa pode fazer crescer a Federação a nível de “modalidades” e “resultados”, antecipou Pedro Flávio.

“Continuamos a fazer esse trabalho junto das comunidades portuguesas, o scouting, (prospeção) em França, Canadá, onde há uma comunidade portuguesa que pratica hóquei no gelo e curling, e na Suíça, nos Alpes”, explicitou.

Fixa-se no curling, uma espécie de jogo da mata ou xadrez no gelo, conforme o ângulo que se olhe. Há praticantes portugueses e outros nascidos no Canadá.

“Temos uma treinadora escocesa, a Fiona (Grace Simpson) que vive em Coimbra e é casada com Daniel Rafael, luso-canadiano, considerado o Mourinho do curling”, comparou. O casamento da modalidade em Portugal foi concretizado graças a uma “página de Facebook do João Cardoso”.

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Federação de Desportos de Inverno de Portugal créditos: Federação de Desportos de Inverno de Portugal

Deixa o jogo das pedras e das varredelas no gelo e toma as rédeas de um tema quente a nível mundial. Para Pedro Flávio a naturalização de atletas obedece a critérios. Não é quem quer, é para quem pode e o presidente da FDI é claro em relação ao tema.

“Tem de ter pai, mãe ou avós portugueses, uma ligação a país. Não pomos ninguém sem qualquer relação só porque dá jeito nos resultados, tem de ser por sangue nacional ou nascimento em Portugal”, sintetizou. Abre, no entanto, uma porta de exceção ao “atleta que viva cá há muitos anos e esteja aculturado”, realçou. “O que não faz sentido é a vertente contrato”, disparou.

Uma casa para o hóquei no gelo

O hóquei em patins é um desporto popular em Portugal. Agora, a tradição poderá começar a dar passos na variante de hóquei no gelo, cuja seleção nacional teve e tem num casal luso-canadiano, Jim Aldert e Cristina Lopes como grandes impulsionadores.

A equipa caminha ao lado de outras nações em desenvolvimento e a nível de clubes, um já ultrapassou fronteiras. “O Hockey Clube do Porto, criado no ano passado, é, por via de uma parceria com a Real Federação Espanhola de Desportos de Gelo e apoio da Federação Internacional de Hóquei no Gelo (IIHF), a primeira equipa portuguesa na Liga espanhola, onde joga o Barcelona”, revelou. Junta jogadores que treinam em Portugal e outros que o fazem à distância, no Canadá, Estados Unidos da América, Letónia e República Checa. Para o futuro, o sonho que vestir-se de “uma Liga Ibérica”, aberta a “Portugal, Espanha e eventualmente Andorra”, para “ganharmos dimensão”, explicitou.

Para chegar até aqui, a peugada mostra um rasto de treinos e jogos “em praças de touros e pistas de gelo temporárias”, recordou. “Há três anos, a federação construiu na Serra da Estrela uma pista de gelo com metade do tamanho de uma pista olímpica. É aí que temos feito, com o apoio do Jim, um trabalho de desenvolvimento. Temos a versão Hockey 3x3, hóquei no gelo para pistas mais curtas”, acrescentou.

Paralelamente, a FDI tem a intenção “de construir um pavilhão na região da Grande Lisboa. O local tem de ter uma área muito específica e há alguns municípios com interesse em que isso venha a acontecer”, avançou.

“A esta pista no Sul do país e outra no Norte, estamos a falar de pistas de 60x30, de dimensão olímpica onde se pode praticar hóquei no gelo, patinagem artística e de velocidade na versão short track”, detalhou.

Estas infraestruturas permitem que “muitos dos atletas da patinagem de velocidade se possam virar para o short track porque vão conseguir praticar à porta de casa”, em vez de o fazerem nos Países Baixos e Alemanha, sob orientação de Fausto Marreiros, treinador luso-holandês, “único e o primeiro participante em Jogos Olímpicos de Inverno, em Nagano (1998), em patinagem de velocidade”, relembrou.

A velocidade em patins no gelo que vem do meio do oceano Atlântico

“A patinagem de velocidade em rodas tem uma tradição grande no nosso país, é representada por outra federação, mas há ligação entre as duas modalidades e há muitos atletas a transitar e a fazer as duas, no verão e no inverno”, informou.

Portugal esteve representado nos Jogos Olímpicos da Juventude, no início do ano, na Coreia do Sul, por quatro patinadores: um da Marinha Grande (Manuel Piteira) e três da ilha da Madeira, Francisca Henriques, Jéssica Silva e Martim Vieira.

“Conseguimos pela primeira vez um diploma olímpico nos desportos de inverno. A Jéssica Rodrigues terminou a prova em 6.º lugar, resultado já muito satisfatório para um país que tem três anos de desenvolvimento desta modalidade, e que nos abre aqui algumas perspetivas para o futuro”, antevê Pedro Flávio.

“Tem sido um caso muito falado internacionalmente. Conseguimos, em pouco tempo, fazer resultados e ter atletas com mínimos para participarem nestas competições às quais alguns países (que têm gelo) demoraram mais tempo a chegar”, salientou.

“(Na Coreia do Sul) reuni com o presidente da ISU (União Internacional de Patinagem) que quis conhecer os nossos atletas e quando percebeu que viviam numa ilha, no meio do Atlântico, num clima quase tropical, ficou espantadíssimo e com muita vontade de acompanhar este percurso”, confessou Pedro Flávio, presidente da FDI.

Os Jogos Olímpicos de Milão 2026 estão na mente de quem lidera os destinos da Federação de Desportos de Inverno de Portugal. “A próxima meta é pelo menos um atleta na patinagem de velocidade, seria interessante”, referiu.

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Federação de Desportos de Inverno de Portugal créditos: Federação de Desportos de Inverno de Portugal

Um bobsleigh feito em casa e ajuda vinda de um velocista do Sporting

O bobsleigh, a Fórmula 1 do gelo, é outra modalidade que promete sair da cartola. “Temos a noção que não é um caminho fácil, tivemos há 35 anos uma participação Olímpica no Canadá (Calgary 1988), em bob 4, uma aventura de portugueses (João Poupada, António Reis, Jorge Magalhães, João Pires e Rogério Bernardes) que viviam no Canadá”, recordou o presidente da FDI.

“Agora temos dois atletas identificados, um atleta-piloto que vive em França, o Rafael Ribeiro, engenheiro mecânico, que, para além da parte competitiva, tem um projeto de construir um Bobsleigh, trabalho que conta com o apoio de uma universidade e de uma empresa portuguesa”, anunciou.

A formação da equipa obrigou a nova parceria. “Não tínhamos ninguém identificado e, por isso, contactámos o presidente Jorge Vieira, Federação Portuguesa de Atletismo”, recordou, tendo em vista a procura de um atleta com “características físicas de velocista e força para empurrar um carro que pesa 160 kg”, transmitiu.

Abdel (Larrinaga), atleta do Sporting, 60 metros barreiras, nascido em Cuba” foi o eleito e, juntos, já participaram em três competições da Taça da Europa na Noruega, com resultados interessantes”, sinalizou Pedro Flávio. 

Façam as vossas apostas

Num final de manhã solarengo, à beira Tejo, numa longa, fluída e variada conversa com vista para a ponte, as apostas entraram no momento de pagar a conta do café e da água.

“Às vezes parece que é um assunto um bocado tabu, mas não é”, assegurou. “Durante anos a Federação de Desportos de Inverno viveu dependente só dos contratos de programa que tinha com o IPDJ, contratos que, para a nossa dimensão, são pequenos”, assinalou. “Era difícil gerir uma verba que praticamente manteve-se igual quando eram duas modalidades e agora são 11 modalidades”, explicou.

“A partir do momento em que as nossas modalidades entraram nas apostas, em Portugal e no resto do mundo, ganhámos uma dinâmica e conseguimos ter algum dinheiro para investir nas modalidades e é isso que faz a diferença”, frisou.

“Só na patinagem de velocidade em 2023 gastamos cento e tal mil euros que foi mais do que o valor que tínhamos do IPDJ no Contrato Programa, que era entre os 75 e 100 mil euros”, comparou. “Estamos a falar de um investimento muito grande, não só em viagens, como em estadias, equipamento”, identificou.

“Este dinheiro é utilizado para o desenvolvimento em Portugal no apoio aos clubes, nas bases, desenvolverem a formação, realização de estágios, apoio ao pagamento de treinadores, compra de material para os escalões de formação e isso, com o tempo, está a começar a revelar-se como um investimento bem-sucedido porque estão a aparecer atletas e os clubes a nível regional nas 11 modalidades”, finalizou Pedro Flávio, presidente da FDI.