Antes da 53ª edição do Super Bowl estimava-se que a final do Futebol Americano iria prender 100 milhões de americanos aos ecrãs nacionais. Em casa, em restaurantes, bares e espaços públicos.
A esses adeptos do sofá deveriam somar-se, em Atlanta, mais de 70 mil espetadores no Mercedes-Benz Stadium, um local state of the art que acrescenta um ecrã 360º a um teto amovível, em que tudo custou a módica quantia de 1,5 mil milhões de euros.
Na noite mais longa da América, já se sabe é para gastar dinheiro. Muito dinheiro. Desde logo para quem vê ao vivo: 6250 euros de preço médio pelo retângulo de todos os sonhos. Depois, em todas as esquinas e tetos da América a beber, muito, e a comer, ainda mais.
Por alto, cada americano tira do bolso, em média, 82,19 dólares para aguentar as longas horas de um jogo dividido em quatro períodos de 15 minutos, que com as paragens e festa final levam o evento desportivo e social a entrar madrugada adentro.
O custo médio de uma festa ronda os 324 dólares (282 euros). Na escolha gastronómica a balança acusa, estimam-se 1,3 mil milhões de chicken wings, 14 mil milhões de hambúrgueres, 9 milhões de fatias de pizza da Cadeia Domino’s, 3,6 milhões de quilos de guacamole e 14 toneladas de batatas fritas. Tudo regado com 51,700 milhões de canecas de cerveja, naquele que é o segundo dia com mais comida consumida nos EUA, atrás do Dia de Ação de Graças, a tradução de Thanks Giving Day.
A partida que enlouquece os Estados Unidos da América e leva 1,5 milhões de americanos a faltarem ao trabalho no dia seguinte não deixou Lisboa indiferente. O The Couch Sports Bar, bem perto do Cais do Sodré, virou um estádio, num evento desportivo que se prolongou até madrugada devido à diferença horária em relação aos EUA, especificamente, mais quatro horas face a Atlanta.
Um estádio em Lisboa para 100 lugares sentados, bilhete a 25 euros com direito a cerveja, sandwiches ou asas de frango
As portas abriram às 23h00, mas 45 minutos antes já se fazia fila na escadaria que desce da Rua do Alecrim. “Vendemos 100 bilhetes pré-pagos a um preço único de 25 euros”, informou Tomás Crespo, um dos sócios deste estádio em ponto pequeno. Um ingresso que deu direito, como não poderia deixar de ser, aos “comes e bebes”, aqui traduzido em “4 cerveja ou 2 cocktails” acompanhado por “uma sandwich ou 16 chicken wings”.
Cada mesa, um nome reservado. Uns portugueses, a maioria, outros que apontavam a outras nacionalidades. “Diria que são 75% portugueses, 10% brasileiros e o resto americanos ou anglo-saxónicos”, antecipou.
Pulseira obtida à porta, os grupos, mais ou menos organizados, procuravam as mesas com a tal inscrição “reservado” e os seus nomes bem visíveis. Do Mauro Marques ao Jorge Frade, como se estivéssemos num casamento ou batizado, ou numa qualquer outra festa com pompa e circunstância.
Poucos prestavam atenção aos minutos que antecederam a grande final. Os sons do Joint Service Military Guard de Washington passaram despercebidos, assim como o hino nacional ecoado pela voz de Gladys Knight, ícone da Soul e R&B norte-americanas, vencedora de sete grammys, natural de Atlanta, onde se disputou o Super Bowl. E nem uma palavra sobre a história que estava prestes a acontecer com a presença de Quinton Peron e Napoleon Jinnies, bailarinos profissionais que se juntaram às cheerleaders do Rams pela primeira vez, pelo menos na história recente da NFL, que homens apareceram de pompom na mão.
23h30, hora portuguesa, a bola arrancava. Espreitando a transmissão da Eleven Sports, que detém em exclusivo os direitos da NFL para Portugal e do jogo mais esperado do ano, aqueles que fixavam agora os olhos nas dezenas de plasmas que decoram as paredes do espaço perscrutavam uma luta geracional preste a explodir no campo.
De um lado, os New England Patriots, uma equipa "geriátrica" liderada pela dupla treinador, Belichick, 66 anos, e o quarterback, Tom Brady, 41. Do outro, os Los Angeles Rams, com o treinador mais novo (33 anos) a ter possibilidade de conquistar o “anel” e um quarterback, Jared Goff, com apenas 24 primaveras.
E se o jogo foi uma espécie de “Let’s make America geriatic again" (vamos fazer a América geriátrica outra vez), os adeptos no estádio montado em Lisboa mostravam que Lisboa é menina e moça. E que os Rams podiam provar que a juventude poderia estar preparada para se tornar um posto... Valeram as intenções.
Os Patriots são uma equipa em que o sucesso obtido não é proporcional ao amor que os adeptos do jogo jogado por 11 jogadores de cada lado, que se apresentam todos de capacete, chumaços, calças justas, luvas e alguns com toalha a tira colo e pinturas faciais “à Rambo”. E que se joga procurando conquistar jardas.
Isso mesmo tinha antecipado Duarte Carreira e André Amorim, à margem da entrevista dada ao SAPO24 sobre o estado do Futebol Americano em Portugal. “Em todos os EUA diria que só dois Estados os apoiam”, assumiram, então.
Para contrariar essa tendência anti-Patriots, entre os primeiros adeptos a entrar bar adentro estava um casal de namorados que assumiu, às claras, a paixão pelo clube de Boston. “Há os que gostam, há os que odeiam”, assumiu Miguel Pedro. “O ódio é explicado porque temos ganho mais que os outros”, remata.
A razão da paixão pela modalidade é explicada de forma simples. “Vi pela primeira vez os Patriots em 2001 e, a partir daí, interessei-me pela equipa. Comecei por ver na internet, depois na televisão, até assinar o canal da NFL (NFL Game Pass)”, recordou o antigo treinador de basquetebol do Barreirense, que aprecia neste desporto “a tática”.
Sofia Guerreiro não caiu de amores logo pelo namorado, mas foi “amor à primeira vista” no que toca à escolha da equipa: os Patriots - embora Miguel ainda tivesse tentado que a escolha recaísse noutro emblema. “Para animar a discussão”, sorriu.
Sofia, assume, ainda está a dar os primeiros passos no entendimento do jogo em si. Mas não devido ao namorado. “Por causa de Julian Edelmand”, adiantou.
A noite foi longa para o casal, que preparou já o dia que se segue: Sofia Guerreiro "tirou o dia” e Miguel Pedro arregaça as mangas “a partir de casa”.
Quem chegará um pouco mais tarde ao oficio é Pedro Madeira Rodrigues. O antigo candidato à presidência do Sporting Clube de Portugal deixou Alvalade, onde assistiu a um jogo de futebol como o conhecemos, ao vivo, e rumou com mais sete amigos para ver na caixa que mudou o mundo aquilo a que os americanos chamam de futebol.
Despida a camisola dos leões, Madeira Rodrigues apresentou-se como adepto dos Chicago Bears. A culpa é do pai, que quando ele tinha 14 anos lhe ofereceu uma camisola deste franchise. “A partir daí, eu os meus dois irmãos, cada qual começou a torcer por uma equipa (Minnesota e New York Jets)”, frisou.
“São mais de 30 anos a ver” o desporto que considera ser melhor acompanhado via “televisão”, ele que já assistiu por “quatro vezes” no estádio, uma das quais “em Wembley” e outra “uma final do Super Bowl”.
Madeira Rodrigues permaneceu até ao último minuto. Assim com os seus companheiros de maratona televisiva. “Vou trabalhar um pouco mais tarde”, confidenciou.
Anna e amigas são americanas, dos Rams. Assumiram não entendem o jogo e saíram à francesa
O intervalo chegou com a vantagem de 3-0 para os New England Patriots. Trinta minutos para respirar. E para alimentar o corpo na pausa com muita música à mistura. Houve quem cantarolasse os hits dos Maroon 5, Travis Scott e Big Bo. Tempo para mais dois dedos de conversa.
Carlos Villalobos tem nome aportuguesado, mas é natural de El Salvador. Está de férias em Portugal e trabalha na Irlanda. Com 25 anos e uma passagem por uma universidade em Boston, ficou-lhe a queda para o jogo (até lá só via o Super Bowl) e por uma equipa, os New England Patriots. Uma ligação que a camisola de Tom Brady, conhecido também por ser o marido da modelo brasileira Gisele Bündchen, denuncia. Ele que preferiu não ser denunciado pela fotografia em pleno Super Bowl televisivo.
Gianni, tem nome italiano, mas é francês. Gosta de futebol e do Lyon. Do soccer, como se diz na terra de Donald Trump, futebol esse que passava na casa de banho reservada aos homens e que se fazia presente, timidamente, nos metros quadrados de uma das salas através de um par de camisolas do Benfica, e uma do Sporting, de adeptos vindo de outros futebóis.
Francês de berço, está em Portugal graças ao “programa Erasmus”, explicou. É um cristão-novo na modalidade em que a bola que se joga com a mão e para a frente. Interessou-se “há três anos”, mas não segue muito na fase regular. “A partir dos playoffs, sim, vejo”, assume.
Se à partida se antevia uma forte presença portuguesa no bar, essa foi a realidade à mesa. Já em pé, espalhados pelos balcões e na zona reservada aos dardos era a língua inglesa que mais ordenava. E acrescentava mais uma centena de adeptos que não pregaram olho até as televisões se apagarem (sendo que houve quem não resistisse e saísse “à francesa”).
Anna, como se apresenta, sem acrescentar o apelido, assume que não “sabe nada de nada do jogo”. Vê os jogos na televisão, apesar da ignorância assumida. Americana de Nova Iorque, estuda “Artes em Londres” e está em Lisboa “de férias”. Está com duas amigas. As três torcem pelos Los Angeles Rams. Uma equipa sem direito a uma camisola na assistência, mas que arrancava gritos da mesma, ainda que fosse mais uma manifestação “anti-Patriots”.
Dupla Brady/ Belichick ganha outra vez. A idade é um posto
Os Rams, a tal equipa campeã em três cidades e que disputou um Super Bowl em 2001 com a equipa de Boston — encontro que daria origem à dinastia da dupla Belichick/Brady, presente pela nona vez na noite mágica — empatou pouco antes do final do 3º período. Anna e amigas não viram. Não resistiram.
Tempo de Gisele, a modelo brasileira, aparecer nos ecrãs. Arrancou, de imediato, aplausos. Que subiram no tom, em ato contínuo, com o touchdown da equipa onde sobressai o seu marido, Brady.
10-3 para os Patriots e sete minutos para jogar. A um minuto, a vantagem sobe para 13-3.
03h05 da madrugada de 2ª feira, 4 de fevereiro. 22h05 em Atlanta, Estados Unidos da América. “Field goal” (um pontapé aos postes) falhado dos Rams e fim de jogo. A América voltou a ser geriátrica outra vez. Com Brady e Belichick, assim como os New England Patriots, a conseguirem o sexto anel, igualando o feito dos Steelers com seis finais de Super Bowls vencidos.
Belichick tornou-se não só o treinador com mais títulos, num total de seis, como é agora o mais velho treinador a alcançar a vitória, com 66 anos e 293 dias. Sim, a idade é um posto.
A sala esvaziou e poucos ouviram Robert Kraft, dono da equipa vencedora, terminar o discurso com “Somos todos Patriots”.
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