A história de Adel Taarabt era, até à temporada passada, a de um talento intermitente a passar ao lado de uma grande carreira. Mais um “se”, num desporto que vive muito de suposições sobre talento e a sua confirmação dentro de campo.
Mas, e se, no passado, Taarabt tivesse tido um treinador capaz de gerir melhor o seu rendimento, tanto fisicamente como psicologicamente? E se Taarabt, no início da carreira, tivesse escolhido o Arsenal em vez do Tottenham? E se Taarabt tivesse assinado pelo AC Milan depois do empréstimo? E se todos os talentos erráticos do futebol se tivessem tornado profissionais de grande craveira, como se diz em bom futebolês? E se Bruno Lage nunca tivesse treinado Adel Taarabt?
Tottenham, um tiro ao lado
Nascido em Marrocos, Adel Taarabt foi para França muito jovem. Na equipa B do Lens começou a dar nas vistas e com apenas um jogo disputado pela equipa principal muda-se para Inglaterra aos 17 anos. Segundo o próprio jogador, o plano original era uma transferência para o Arsenal de Arséne Wenger, mas Damien Comolli, que na altura fazia parte da equipa de olheiros dos Gunners, mudou-se para White Hart Lane, onde assumiu o cargo de diretor de futebol do Tottenham e convenceu-o, à última da hora, a mudar-se para os Spurs.
A história - e o próprio - diz-nos que a mudança de decisão foi um erro. Taarabt chega e faz apenas dois jogos. Ainda assim, o Tottenham decide avançar para a contratação definitiva do jovem que chegara a Londres por empréstimo.
Na primeira época completa ao serviço dos Spurs, o marroquino não fez mais do que 195 minutos, todos eles como suplente, distribuídos por 10 jogos. O médio queixa-se que Juande Ramos não o conhecia de todo e que lhe sentenciou o destino depois de uma má exibição na derrota diante do Newscastle por 1-4. Nesse encontro, Taarabt perdeu a bola que deu origem ao último golo do encontro, o quarto dos visitantes, e, desde então, o técnico nunca mais contou com ele. O caso rebentou na temporada 2008/09, época em que a vida do atleta com o emblema do Tottenham ficaria vaticinada. O timoneiro recusou atribuir um número ao jovem de 21 anos que só se estreou nos relvados em janeiro de 2009, depois de Harry Redknapp ter assumido o comando dos londrinos e de ter dado ao marroquino uma oportunidade.
Mas, apesar do gesto de Redknapp, era claro que o jogador não entrava nas suas escolhas. Assim, Taarabt seguiu por empréstimo para o Queens Park Rangers (QPR, na altura a militar no Championship, o segundo escalão do futebol inglês), deixando White Hart Lane com um registo de 15 jogos e zero golos.
No QPR, o médio ofensivo conseguiu apresentar algum do seu melhor futebol e estreou-se a marcar em terras de sua majestade (na vitória por 2-1 frente ao Bristol City). No entanto, uma lesão no joelho antecipou o fim do empréstimo. Apesar disso, no início da temporada 2009/10, Taarabt estava novamente no Championship com a camisola listada a azul e branco, cedido pelos Spurs.
No segundo escalão do futebol inglês, o marroquino mostrou aquilo que era capaz de fazer, com sete golos marcados em 44 jogos a serem um resumo tímido da grande contribuição que deu à equipa. Descrito como um “génio”, pela qualidade de drible e de passe, esperava-se que esse verão marcasse, definitivamente, a saída de Taarabt de Londres, quer fosse do Tottenham, clube ao qual ainda se encontrava ligado, quer fosse do QPR, equipa que, ao momento, parecia que tinha servido de degrau para revitalizar a carreira da antiga promessa do Lens.
Mas sem nenhum negócio concretizado para fora de Inglaterra, o QPR conseguiu que os Spurs baixassem o valor do médio para conseguirem assim uma mudança definitiva de Taarabt para Loftus Road.
Queens Park Rangers, do sonho ao pesadelo
Até hoje, 2010/11 continua a ser melhor época da carreira de Adel Taarabt. Com 19 golos em 44 jogos, assumindo a posição de número dez, foi peça chave no título do Championship e consequente subida à Premier League do QPR.
A promoção ao principal escalão do futebol inglês dava a Taarabt a oportunidade que nunca teve verdadeiramente em White Hart Lane. Mas a nova temporada trouxe também um reforço para a equipa: Joey Barton. Neil Warnock, treinador do QPR, atribuiu, de imediato, a braçadeira de capitão de equipa a Barton deixando o marroquino insatisfeito, o que resultou numa série de exibições inconsistentes e culminou na saída de Taarabt do 11 inicial. O médio só voltaria a conquistar o estatuto das últimas temporadas com a chegada ao banco de Mark Hughes (após a saída de Warnock) no início de 2012. Aí, Taarabt mostrou o futebol perfumado com que tinha conquistado os adeptos na época de subida de divisão à Premier League o que lhe valeu a renovação de contrato.
Na temporada seguinte, 2012/13, Taarabt reencontra-se com Redknapp e, apesar de um recomeço promissor entre os dois, a época do fantasista africano haveria de ficar marcada pela mediocridade, pelo que na temporada seguinte partiu para o Fulham, por empréstimo. Lá reencontra-se com Martin Jol, o seu primeiro treinador no QPR, que gostava de chamar o marroquino de “feiticeiro”. Mas o reencontro não foi o esperado e, depois de algumas pequenas lesões e fracas exibições (de Taarabt e da equipa, que originaram uma série de seis derrotas consecutivas), Jol foi despedido. E Adel também não continuou por Londres, saindo a meio da temporada para um destino surpreendente: o gigante italiano AC Milan.
A saída de Taarabt para o clube milanês nesse mercado de inverno depois Redknapp o acusar de não dar tudo em campo. “Taarabt não está lesionado. Ele não está em forma. Ele não está em forma para jogar futebol, infelizmente. Ele jogou um jogo nas reservas, no outro dia, e eu podia ter corrido mais do que ele”, disse o técnico inglês, que referiu ainda ainda que o marroquino estava com peso a mais.
AC Milan? "Essa experiência destruiu-me psicologicamente"
É dia oito de fevereiro de 2014. É a estreia de Taarabt com a camisola Rossoneri. O marroquino é titular e aos oito minutos de jogo inaugura o marcador com um golo que ilustra todo o seu talento: recupera uma bola no meio-campo defensivo do Milan, parte para a transição ofensiva com a bola no pé, domina um adversário e dribla pelo meio-campo napolitano como se não houvesse mais nenhum adversário à sua volta, quando chega à entrada da área, rodeado por quatro jogadores, e com Robinho completamente desmarcado à sua esquerda, remata junto ao canto inferior direito da baliza.
A passagem por Milão não foi um conto de fadas, mas com quatro golos em 16 jogos, Taarabt parecia pronto a renascer. Com tudo praticamente acertado para uma mudança definitiva para Itália, a chegada de Pippo Inzaghi para o lugar de treinador do AC Mlian trouxe outros planos para o clube e o marroquino voltou para Inglaterra.
“Essa experiência destruiu-me psicologicamente. Tinha estado bem pelos Rossoneri e estávamos na iminência de assinar contrato, mas Pippo Inzaghi chegou e fez outras escolhas. Voltar ao QPR depois de ter jogado na Liga dos Campeões ao lado de estrelas como Kaka magoou-me muito”, afirmou na altura o jogador.
A temporada seguinte é praticamente inexistente na carreira do marroquino. Fez sete jogos pelo QPR numa época turbulenta em que o clube muda quatro vezes de treinador e desce de divisão. No final da temporada, Taarabt era um jogador livre. Assina pelo SL Benfica a custo zero um contrato de cinco anos e muda-se para Lisboa para tentar relançar a carreira.
A vida pós Bruno Lage
Na capital portuguesa, a vida de Taarabt pode dividir-se em duas partes: a.b.l. e d.b.l. Ou melhor dizendo, fazendo alusão à referência bíblica, há um jogador antes de Bruno Lage e um jogador depois de Bruno Lage.
Na chegada ao Benfica, Taarabt não conseguiu convencer Rui Vitória e na primeira temporada fez apenas sete jogos pela equipa B das águias. No ano seguinte, a relação do marroquino com o clube da Luz crispava-se sem aparente resolução depois de uma entrevista do médio à France Football.
"Tivemos uma reunião e o presidente explicou a Rui Vitória que eu tinha o terceiro contrato mais elevado do plantel. Aí houve um diferendo e o treinador disse que quem orientava a equipa era ele e que não contava comigo. Vitória disse que era ele ou eu. No Benfica, o que os lixa é terem de pagar um salário como o meu", disse.
A reação não se fez esperar e dias depois, Luís Filipe Vieira, em entrevista à TVI, afirma que “Taarabt não vestirá a camisola do Benfica”.
"É bom jogador. Quem não decide é que sabe tudo na vida. Eu não percebo nada de futebol, mas tenho um gajo ao meu lado que percebe muito, que é o Rui Costa. Vimos e revimos jogos dele. Mas há coisas que lhe falham. Chegou com seis quilos a mais, mas hoje está dentro do peso. Depois da entrevista que deu, não vestirá a camisola do Benfica de certeza. Mas vamos ter a habilidade suficiente para o emprestar", afirmou o dirigente dos encarnados.
Seguiu-se um empréstimo ao Génova nas temporadas 2016/17 e 2017/18. Em Itália, ao fim da primeira temporada, com um ar desleixado e com exibições pouco convincentes, pede ao presidente do clube italiano uma última oportunidade. "Deixa-me feliz vê-lo jogar. Eu gosto daqueles que amam futebol. Ele perdeu 10 quilos, pediu-me outra oportunidade e eu pensei nisso durante uma semana até dizer que sim. Estou confiante que ele aprendeu com os erros", disse Ivan Juric.
Na época seguinte, regressado a Portugal, Taarabt é integrado na equipa B, sob as ordens de Bruno Lage.
Com a saída de Rui Vitória, após uma sequência de maus resultados que deixou os encarnados a sete pontos do primeiro lugar e com a pior prestação da história de uma equipa portuguesa na Liga dos Campeões, Lage assumiu os comandos da equipa principal. Um mês e meio depois, para surpresa de todos, Adel Taarabt surge no treino do plantel principal das águias, em vésperas do jogo com o Galatasaray, referente aos 16 avos de final da Liga Europa.
"O Taarabt começou a época na equipa B comigo. Eu não o conhecia, ouvia algumas histórias sobre o passado dele, mas o que eu vi foi um indivíduo que treinou sempre muito bem, com uma intensidade de que eu gosto, desde o primeiro dia. Temos de olhar para ele, ver e perceber se merece uma segunda ou terceira oportunidade: se treina há sete meses com a mesma intensidade é porque alguma coisa mudou. Vamos ver se a oportunidade é criada e se a agarra de vez para fazer carreira de acordo com o seu potencial", afirmou Bruno Lage na conferência de imprensa que antecedeu o jogo com os turcos.
Praticamente um mês depois, novamente em conferência de imprensa, Lage traçava o prefácio da estreia de Taarabt na equipa principal das águias.
"Vendo a forma como ele trabalhou, sentimos que tínhamos de dar uma oportunidade. A partir daqui, depende dele. Tem tido algum tempo de jogo na equipa B e as oportunidades dependem dos jogadores. Jogar na equipa A do Benfica é muito fácil, é preciso ter duas coisas: treinar a mil, com uma intensidade muito alta, e ter rendimento quando as oportunidades surgem. As oportunidades só dependem dos jogadores", referiu Lage antes do encontro.
No dia seguinte, ao minuto 71, na receção dos encarnados ao Tondela, que as águias venceram por 1-0, com um golo de Seferovic aos 84 minutos, o marroquino entrou para o lugar de Pizzi. A partir daí, o médio agarrou a oportunidade e uma semana depois foi titular, no lado esquerdo do meio-campo. A época terminaria com o primeiro título conquistado pelas águias, o campeonato nacional.
Durante o verão, vários rumores apontavam que a promoção à equipa principal se poderia dever a uma necessária valorização do jogador, uma vez que terminava contrato em 2020, ou seja, no final da presente época, e que o clube queria tentar fazer algum encaixe com a transferência do jogador, agora com 30 anos. No entanto, o Benfica mostrou que a oportunidade dada a Taarabt não fora com o objetivo de o colocar numa "montra", com o médio a renovar com o clube da Luz até 2022.
"Obviamente estou muito feliz e muito ansioso por este novo capítulo da minha vida. Penso que esta renovação é um voto de confiança. Estou muito orgulhoso por o clube acreditar em mim e estou muito feliz por termos chegado a um acordo para estender o contrato. Vou dar o meu melhor sempre que o treinador me colocar em campo e, como é óbvio, agradecer aos adeptos, porque me apoiaram. Vou dar o meu melhor pelo clube”, salientou o marroquino.
Na presente temporada, o jogador tem conquistado o seu espaço e mostrado que pode assumir a batuta do meio-campo encarnado. A sequência de boas exibições começou no desaire caseiro diante do FC Porto, em que Taarabt é chamado do banco aos 45 minutos e consegue destacar-se no meio de uma equipa inconsequente.
Talvez tenha sido aí que agarrou o lugar e que, aproveitando o lugar vago deixado pela lesão contraída por Gabriel no jogo da Supertaça Cândido de Oliveira diante do Sporting, assume um lugar no onze titular na deslocação ao Sporting de Braga. No final do jogo, uma vitória por 0 - 4 dos encarnados valeu ao marroquino o prémio de melhor em campo.
No final do mês passado, Taarabt voltou também a ser chamado à seleção, cinco anos e meio depois da última internacionalização, recebendo a braçadeira de capitão e sendo ovacionado pelos adeptos nos encontros diante do Burquina Faso e do Níger. Durante a pausa internacional, o jogador confessou mesmo ter passado por um "inferno insuportável", sublinhando que se esforçou para poder estar agora na equipa principal do Benfica e recordando que teve de fazer "grandes sacrifícios para recuperar o nível" que o fez destacar-se aos 17 anos no Tottenham. Sobre as primeiras épocas de águia ao peito, classifica-as como "uma lição".
Após a pausa internacional, manteve o lugar no onze titular no jogo diante do Gil Vicente na Luz e é novamente premiado como o melhor em campo.
As estatísticas não enganam: Taarabt preenche o meio-campo como poucos. Basta olhar para os números apresentados no último jogo e perceber o papel fundamental e a visão de jogo que oferece à equipa no momento de saída para o ataque.
O primeiro golo diante dos barcelenses é sintomático do que o marroquino pode fazer: um passe a rasgar toda a defesa do Gil Vicente para André Almeida, numa zona despovoada que deixou o adversário em desequilíbrio.
Este é a nova vida de Adel Taarabt, reerguido das histórias das noitadas em Lisboa e do peso a mais, dos desentendimentos com treinadores no passado. Agora, o marroquino mostra o amor ao futebol que sempre apregoou e que o fez rejeitar ofertas da China numa altura mais difícil na Luz. A história do génio intermitente com que se escreveu a carreira de Taarabt não desapareceu. Ainda há um longo caminho pela frente. Mas o renascimento do marroquino é uma lição para o futebol, para a importância de um treinador e da crença.
As palavras de Lage, depois do jogo com o Gil Vicente, são sintomáticas: "A vida e o Benfica deram uma oportunidade ao Taarabt. Ele está a agarrá-la. Vejo um homem forte, determinado, feliz... Foi à seleção e regressou como capitão da equipa, e acho que ainda vai a tempo de deixar a sua marca."
Lage diz que a oportunidade de Taarabt só dependeu do jogador. Por isso, voltamos às intermitência do futebol: e se Taarabt ainda vier a ser o jogador que mostrou estar predestinado a ser?
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