Um defeso complicado, um início de época em falso, uma estratégia arriscada. Estava preparada a tempestade perfeita para o Futebol Clube do Porto neste início de época, coroada com esta chocante eliminação perante o Krasnodar em casa. Ora veja-se então, começando pelo período de transferências.
Depois de terminar a época passada no segundo lugar e de perder uma parte nuclear da sua equipa — de Éder Militão a Hector Herrera, passando por Felipe e Yacine Brahimi — o emblema portista sabia que tinha de se reforçar e de fazê-lo rapidamente, pois a tirania do calendário ditava que a equipa estivesse a postos já em agosto para disputar a terceira eliminatória de acesso à Liga dos Campeões.
Sérgio Conceição teve então de (re)montar uma equipa com peças das quais ainda tinha pouco conhecimento. O primeiro ensaio não foi particularmente entusiasmante, mas serviu. O Porto jogou a primeira-mão em Krasnodar e, sem ser uma força dominante, foi a melhor equipa e garantiu a vitória ao cair do pano. Só que, lá está, a vantagem na eliminatória era curta. Citando a lei de Murphy: “Tudo o que pode correr mal, vai correr mal”.
Seguiu-se então o arranque da primeira liga em Barcelos. Os sinais preocupantes vistos na pré-época e no jogo na Rússia tornaram-se mais agudos com a derrota perante um Gil Vicente saído do Campeonato de Porto e refeito de raiz. Dificuldade na definição, falta de entrosamento entre a equipa, insegurança nas laterais, aposta excessiva no jogo vertical. Perante o desaire surpreendente, a turma portista preparava-se para esta segunda mão da terceira eliminatória de acesso à Liga dos Campeões com uma responsabilidade acrescida, uma espada de Dâmocles pairando sobre si.
Ao organizar a equipa para esta partida, Sérgio Conceição pôs em curso uma estratégia arriscada, fazendo entrar três estreantes no onze. Se, por um lado, o retorno de Danilo Pereira — que falhou o encontro de Barcelos e esteve para ficar de fora deste também — trouxe alguma segurança, por outro, o técnico fez Saravia substituir Manafá na lateral direita, Luis Díaz foi lançado na ala esquerda e o mais dispendioso reforço deste defeso, Shoji Nakajima, finalmente pisou o relvado com as cores do Porto, sendo posicionado atrás de Marega, com o maliano a jogar isolado num 4-5-1. As modificações até podiam trazer algum ânimo, mas, com este desenho tático pouco usual para a equipa e com jogadores a serem testados num jogo desta importância, havia sempre o risco de, sim, adivinhou, correr mal. E citando novamente a lei de Murphy: “Tudo o que pode correr mal, vai correr mal.”
Qualquer que fosse a estratégia de Sérgio Conceição para esta partida — desde segurar o resultado até construir uma vantagem mais alargada com calma —, ela desabou logo aos três minutos. No primeiro canto do jogo, Tonny Vilhena viu-se esquecido por Saravia ao segundo poste e fez o 1-0 para o Krasnodar. A vantagem que tanto tinha custado ao Porto ao fim de 90 minutos na Rússia, esfumou-se assim tão facilmente, naquele que foi o golo mais rápido de sempre a ser consentido no Dragão em competições europeias.
A partir daí as coisas apenas pioraram. O Porto mostrou-se em casa muito mais aguerrido a atacar do que na Rússia, mas fê-lo com pés de barro, mostrando uma organização defensiva débil e facilmente desmontada pelas unidades atacantes do Krasnodar. Foi assim que, ao fim de 34 minutos, os russos já estavam a ganhar 3-0, com dois golos em contra-ataque de Suleymanov, ambos fruto de desposicionamento dos laterais — demasiado subidos — e fraca compensação dos centrais — com um Marcano especialmente mal. Tal foi o desnorte que Renzo Saravia acabou mesmo por ser substituído aos 38 minutos, entrando Zé Luís para jogo (a equipa passaria a jogar em 4-4-2 com dois pontas de lança) e baixando Jesus Corona para a lateral.
No outro lado do campo, o Porto atacava muito, mas de uma forma atabalhoada. Por um lado, as conhecidas arrancadas de Marega nunca foram bem aproveitadas, por outro, a tentativa de jogo apoiado junto à área russa redundava em bolas bombeadas em sucessivos cruzamentos para a grande área ou em remates de meia distância.
Foi só assim que o Porto conseguiu incomodar na primeira parte, com remates frouxos de Nakajima (a principal vítima deste modelo de jogo desconjuntado), cabeceamentos de Pepe como resposta a cantos, um lance individual de Luis Díaz que deixou a bola nas mãos de Safonov e um tiro de meia distância de Sérgio Oliveira, em que a bola ia para a esquerda mas a perna de um jogador russo desviou para a direita, rasando o poste.
Ao fim de 45 minutos, ouviu-se o apito. A primeira parte tinha passado e os pupilos de Sérgio Conceição eram recebidos por um coro de assobios que anunciava uma exigência da nação portista: o vexame já estava garantido, mas a equipa tinha de lavar a face, puxar da sua fibra e marcar (pelo menos) três golos para assegurar a Champions enquanto destino, procurando operar uma recuperação que não era atingida há 89 anos.
Tal não veio a acontecer, embora a equipa tenha ficado perto. Recorde-se, porém, da máxima que deu título a este texto: “tudo o que pode correr mal, vai correr mal”. Não excluindo as suas (óbvias) responsabilidades na posição de desvantagem em que se encontrava, o Porto entrou logo na segunda parte a ter de fazer uma substituição forçada. Caindo mal depois de disputar uma bola, Sérgio Oliveira foi obrigado a sair de maca, ocorrendo outra estreia, a do colombiano Mateus Uribe.
No segundo tempo, o Porto nem por isso jogou muito melhor — não só o volume ofensivo continuou a ser pontuado por lances individuais, remates de longe e cruzamentos para a área, como também houve dois lances em que Marchesín livrou a equipa de ficar a perder por 4-0. Contudo, à medida que o Krasnodar foi perdendo folgo nas suas investidas, os dragões foram acumulando vontade de voltar a disputar a eliminatória. Foi por isso que, aos 57, houve finalmente um cruzamento a ser bem correspondido. Depois de uma boa jogada entre Corona e Nakajima, a bola sobrou para flanco esquerdo, de onde, com precisão milimétrica, Alex Telles atirou para a cabeça de Zé Luís, cabeceando o cabo-verdiano de forma imparável.
O 3-2 podia ter acontecido pouco depois, sendo que numa das poucas jogadas em que Zé Luís e Marega combinaram bem, o maliano rematou com potência dentro da grande área, para grande defesa de Safonov. Esse resultado apenas seria atingido aos 76 minutos, construído por dois dos poucos jogadores do Porto que mereceram nota positiva. Ao fim de uma arrancada de Corona da direita para o centro, o mexicano deixou para Díaz, sendo que o colombiano desferiu um potente remate que foi com selo de golo.
A precisar de apenas um golo para empatar o jogo e ficar à frente na eliminatória — recorde-se que ficou 3-3 no agregado, mas os russos obtiveram a vantagem dos golos fora —, Aboubakar ainda foi lançado em campo, mas poucas jogadas lograram ter perigo e o resultado fixou-se mesmo numa derrota para o Porto, naquilo que apenas pode ser encarado com um ato de auto-sabotagem. Os dragões, que no ano passado mostraram a sua fibra ao dominar o seu grupo na Liga dos Campeões, falham agora esta competição, algo que não acontecia desde 2010/11, quando se apuraram através de playoff para a Liga Europa (edição que, recorde-se, ganharam).
Na antevisão deste jogo, Sérgio Conceição, perante o mau futebol apresentado, tinha dito que não se encontrava no “fio da navalha”, mas agora a época tornou-se muito mais difícil. Sem os milhões da Liga dos Campeões, o técnico arrisca-se a perder o crédito que obteve com a vitória do campeonato em 2017/18. Há pouco espaço para erros e Conceição saberá disso.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meus?
Faça-se a metáfora: se o Estádio do Dragão fosse um palco, os primeiros 45 minutos teriam mostrado a um público insuspeito uma verdadeira peça de terror, protagonizada pelo quarteto defensivo do FC Porto. De um lado, Saravia mostrou ser um mestre do calafrio, sendo (ainda) mais limitado que Wilson Manafá, tanto que até Corona teve uma prestação bem melhor quando foi ocupar o seu lugar. Do outro, Alex Telles parecia um fantasma do que já foi, tanto na forma com no estado de espírito, sendo o auge dessa falência mental o momento em que ficou no chão quando a sua equipa sofria o contra-ataque que valeu o terceiro golo. No centro, Marcano também provocou inúmeros sustos, valendo-lhe Pepe para evitar os males maiores que a sua prestação temível provocou.
Krasnodar, a vantagem de ter oito pernas
Wanderson, Suleymanov, Cabella e Vilhena. Apesar do Krasnodar contar com um ponta de lança francamente inoperante — Marcus Berg fez pouco para esquecer o lesionado Ari —, os russos tiveram poder de fogo mais do que suficiente para contrapor essa baixa. Numa primeira parte letal, a equipa de Murad Musaev teve nestes quatro homens um esquadrão de precisão cirúrgica, mostrando os dois médios e os dois extremos um entrosamento assinalável nos contra-ataques mortíferos que efetuaram. Apesar da pólvora ter secado no segundo tempo, o trabalho já estava feito.
Fica na retina o cheiro de bom futebol
Não excluindo o óbvio demérito do FC Porto na forma como deixou o seu flanco esquerdo completamente desguarnecido, o terceiro golo do Krasnodar é um magnífico exemplo de como se comportar num contra-ataque. Como um tubarão a sentir o aroma a sangue, Magomed-Shapi Suleymanov procurou o espaço deixado à sua direita por Alex Telles e Tonny Vilhena serviu-o na perfeição. O jovem extremo de 19 anos passou então sem dificuldade por um Luis Díaz aos papéis, fletiu para dentro “à Robben” e colocou a bola no canto inferior esquerdo, sem hipótese para Marchesín.
Nem com dois pulmões chegava a essa bola
Uma coisa é ter um pulmão, outra é saber usá-lo. Renzo Saravia demonstrou que para ser lateral direito numa equipa como o FC Porto é preciso bem mais do que garra e vontade física. Foi atroz a sua prestação de estreia em jogos oficiais, ainda por cima em casa. O cepticismo que alguns adeptos azuis e brancos já cultivavam desde a prestação do ex-Racing Club pela Argentina na Copa América deste ano só se veio a confirmar. Incapaz de atacar com critério, de marcar com tino e de controlar a profundidade, o lateral foi substituído ainda na primeira parte por Zé Luís, descendo Corona para o seu lugar.
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