Em 16 de abril de 2010, o Banco de Portugal informou que retirou ao Banco Privado Português (BPP) a autorização para o exercício da atividade bancária, decisão que a entidade então liderada por Vítor Constâncio (secretário-geral do PS entre 1986 e 1989, vice-presidente do Banco Central Europeu entre 2010 e 2018) justificou com a "inviabilidade dos esforços de recapitalização e recuperação" do banco.
A decisão já esperada originou o processo de dissolução e liquidação do banco, 14 anos após ter sido criado por João Rendeiro (em 1996) vocacionado para gestão de fortunas.
O ano de 2008, no auge da crise financeira, expôs a grave situação de dois bancos em Portugal: o BPN, que foi nacionalizado, e o BPP.
No caso do BPP, com graves problemas de liquidez, estava ditado o seu fim em novembro de 2008, quando as autoridades negaram o pedido de auxílio de 750 milhões de euros, solicitado por João Rendeiro, o homem que liderou a instituição durante 12 anos e que renunciou ao cargo em 28 de novembro.
Nos 17 meses seguintes, entre novembro de 2008 e abril de 2010, decorreu a intervenção do Banco de Portugal na instituição.
Houve então uma operação de crédito ao BPP por parte de seis bancos (Caixa Geral de Depósitos, BCP, BES, Santander Totta, BPI e Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo), no montante de 450 milhões de euros, com garantia do Estado.
A operação foi então justificada pelo Ministério das Finanças (liderado por Teixeira dos Santos, do governo PS de José Sócrates) como servindo para salvaguardar depósitos e não as aplicações da área de gestão de fortunas.
Durante a intervenção no BPP, uma das principais preocupações das autoridades (Banco de Portugal, mas também Governo e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários - CMVM) foram os clientes de retorno absoluto, que através do BPP investiam dinheiro em sociedades, prometendo o banco capital garantido e remuneração (como se fossem depósitos).
Esses clientes viriam a ser indemnizados pelo Fundo de Garantia de Depósitos (do Banco de Portugal, máximo de 100 mil euros) e pelo Sistema de Indemnização aos Investidores (da CMVM, máximo de 25 mil euros), mas os valores não cobriam a totalidade do dinheiro investido, pelo que se uniram e criaram um ‘megafundo’, de modo a gerir os ativos financeiros em que tinham investido até estes se valorizarem e recuperarem o dinheiro.
O fundo de investimento mobiliário foi liquidado há cerca de dois anos e, segundo disse à Lusa o presidente da associação Privado Clientes, Jaime Antunes, permitiu que "a generalidade dos clientes recuperassem o capital”.
Os que perderam parte do capital foram aqueles com aplicações mais elevadas, acima de dois ou três milhões de euros, acrescentou.
Segundo o presidente da associação de clientes do BPP, já no grupo de clientes que investiu em ‘private equity’ (investimento em empresas) as perdas são variáveis, em que uns recuperaram parte do investimento e outros não conseguiram nada.
Havia ainda clientes que tinham depósitos normais no BPP, que receberam a indemnização do Fundo de Garantia Depósitos. Contudo, cerca de 30 clientes tinham dinheiro acima do valor máximo que o fundo paga (100 mil euros).
“O BPP é o único caso na União Europeias em que depositantes perderam dinheiro”, afirmou Jaime Antunes, referindo que em causa estão 60 ou 70 milhões de euros referentes a clientes com mais de 100 mil euros no banco. Desses, cerca de 53 milhões de euros são depósitos da Liminorke (empresa criada para gestão de participações pelo BPP, o qual foi afastado da gestão pelos outros acionistas em 2009), de que Jaime Antunes é atualmente presidente.
No total, o Fundo de Garantia Depósitos reembolsou 102,2 milhões de euros a depositantes do BPP (há 1,8 milhões que o fundo não conseguiu pagar por razões que lhe são alheias), segundo a informação disponível no ‘site’ do fundo.
Já os acionistas perderam todo o capital investido.
Apesar da sua pequena dimensão e do pouco peso no setor bancário, em 2008, o caso BPP teve importantes repercussões devido a potenciais efeitos de contágio ao restante sistema quando se vivia uma crise financeira, emergindo como um caso de supervisão, pondo em causa a ação do Banco de Portugal, e judicial, com suspeitas de crimes financeiros.
Em 2018, João Rendeiro foi condenado a cinco anos de prisão por falsidade informática e falsificação de documentos, pena que fica suspensa se pagar 400 mil euros à associação Crescer.
O ex-administrador Paulo Guichard foi, por sua vez, condenado a quatro anos e três meses, pena suspensa na sua execução, se pagar 25 mil euros à associação Os anjos.
Já em outro processo, relacionado com a Privado Financeiras, João Rendeiro e os antigos administradores Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital foram absolvidos da acusação de burla.
Do lado dos supervisores, tanto Banco de Portugal como CMVM aplicaram multas ao BPP e seus gestores.
Após os julgamentos de recurso, no caso do processo do Banco de Portugal, João Rendeiro foi condenado ao pagamento de 1,5 milhões de euros (a multa inicial era de 1.995.191,58 euros). Já no processo da CMVM foi-lhe confirmada a multa de um milhão de euros. Rendeiro ficou ainda proibido de exercer funções no setor financeiro.
Já quanto ao processo da Privado Clientes contra o Estado, que entrou em 2013, não há novidades, disse Jaime Antunes.
Neste processo, a associação de clientes do BPP pede ao Estado uma indemnização, por considerar que a garantia de 450 milhões de euros foi usada para pagar a empresas estrangeiras e a caixas do Crédito Agrícola, num privilégio de credores que considera ilegal.
Dez anos depois da retirada da autorização para a atividade bancária, pelo Banco de Portugal, o BPP continua ainda hoje em liquidação, sendo a comissão liquidatária presidida por Manuel Mendes Paulo (quadro do Banco de Portugal), que substituiu Luís Máximo dos Santos (atual vice-governador do Banco de Portugal).
Já o Estado português espera reaver este ano a quase totalidade dos 450 milhões de euros da garantia prestada ao BPP (usada para garantir o empréstimo dos bancos ao BPP em 2008 e que aqueles acionaram em 2010), já que o seu estatuto de credor privilegiado lhe dá prioridade no dinheiro da massa insolvente face a outros credores.
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