Por: Jorge Sá Eusébio da agência Lusa
"O confinamento foi o Estado que expropriou as empresas. Não eram as empresas que tinham uma má estratégia. Foi o Estado que criou uma barreira à atividade económica. O que as empresas têm neste momento, ou o que deveriam ter, é uma indemnização compensatória", disse à Lusa o professor da Universidade Católica, numa entrevista acerca do Orçamento do Estado para 2022.
O economista frisou que algumas empresas "teriam morrido da doença [covid-19], e mereciam apoio por causa da doença, mas há outras que desapareceram por causa das políticas públicas".
"É a política pública do confinamento, que é uma decisão pública, legítima, mas é uma decisão pública, é essa política que leva muitas empresas ao tapete", considerou o académico.
Falando à Lusa na Universidade Católica, em Lisboa, João Borges de Assunção disse também que, na sequência da crise, não se está a assistir a um fenómeno de destruição criativa na economia.
"Para mim, aqui o argumento da eficiência e da destruição criativa não é verdade. O argumento da destruição criativa é que as empresas que aparecem são mais produtivas que as que desaparecem, e é bom que as novas empresas substituam as empresas antigas. Isso é a destruição criativa positiva. Isso é bom, isso é inovação", começou por explanar.
Porém, atualmente não há "nenhuma destruição criativa", mas sim uma "expropriação por travagem à normal atividade económica por parte de decisões públicas", daí defender que "o conceito adequado é o da indemnização compensatória".
"Se depois não for suficiente para elas sobreviverem, então muito bem, iam ao tapete", vincou.
O professor da Universidade Católica considera que atualmente nas falências "estão as empresas que já não eram viáveis antes e que agora têm uma espécie de bolha de salvação com estes programas de apoio públicos, e as empresas que não eram viáveis e que mereciam ser indemnizadas e que vão receber um apoio insuficiente para aquilo que mereciam".
"Muitas delas vão estar a pagar dívida o resto da vida para pagar um confinamento que não decidiram, não é? E separar conceptualmente as duas e na prática é muito difícil", acrescentou, frisando que "as entidades públicas que tiverem esse trabalho, se forem sérias, que é um grande se, vão ter uma grande dificuldade em fazer essa separação de uma maneira inequívoca".
João Borges de Assunção considerou ainda, relativamente às chamadas empresas 'zombie', que se mantêm em atividade apenas com apoio externo e têm dificuldade em assumir os seus compromissos, que "durante uns anos não há grandes alternativas a uma espécie de perpetuar, porque ninguém quer neste momento falências aceleradas na economia".
"Isto durará apenas até 2022 e 2023. Portanto, a partir de 2023 eu acho que o próprio sistema financeiro já mais ou menos conseguiu empurrar a resolução contabilística das moratórias até ao final do ano pelas mesmas razões", sustentou.
O economista disse ainda acreditar que "quanto mais rápidos forem os processos de insolvência, maior é a eficiência da economia", pelo que para as "empresas que fiquem 'zombie' o ideal era que fossem resolvidas rapidamente e que houvesse uma alteração de propriedade".
João Borges de Assunção prevê que vá haver "uma cicatriz enorme desta crise devido à maneira como a política foi conduzida e, nesse sentido, bem, vai aparecer na forma de uma dívida".
"A distribuição dessa dívida vai estar em toda a sociedade. Uma parte ficará no Estado, outra foi as empresas. [...] Essa dívida vai estar distribuída, mas só daqui a dois ou três anos é que teremos uma ideia precisa do aumento enorme de dívida e da redução das poupanças que esta crise criou", prevê o economista.
Défice? "Ninguém está muito preocupado"
“Eu acho que neste momento, genuinamente, ninguém está muito preocupado, e eu certamente também não estou, com a questão do défice em si mesmo, quer em 2020, mesmo em 2021 e mesmo em 2022”, disse, em entrevista à Lusa, o professor da Universidade Católica de Lisboa.
O académico considerou ainda que “a elaboração do orçamento de 2022 não pode ser tão relaxada como o Governo gostaria ou como as regras europeias o permitem, porque depois é preciso apresentar uma estratégia de médio prazo para reduzir o défice e a dívida”.
“Se terminamos 2022 numa situação muito má, depois é impossível elaborar um orçamento em 2023”, alertou João Borges de Assunção.
Considerando 2022 “um ano de transição”, o professor da Universidade Católica antecipou que “para 2023 vai começar a ser perguntado ao Governo português qual é a estratégia para reduzir o défice, visto essencialmente em termos do saldo primário, e em função do patamar da dívida”.
Por isso, o economista revelou preocupação acerca de aumentos de despesa permanentes, “por exemplo recrutamento de funcionários públicos, maior capacidade no Sistema Nacional de Saúde, aumentos injustificados dos salários na função pública”.
Por outro lado, “aumentos de despesa extraordinários, temporários, com o apoio ao emprego, o apoio à manutenção das empresas, com eventualmente, até, redução temporária de impostos, em alguns casos subsídios diretos, até, isso é completamente razoável e parece-me normalíssimo”.
Questionado acerca de uma eventual alteração das regras orçamentais da União Europeia, que obrigam a um défice das contas públicas inferior a 3% e a uma dívida pública abaixo dos 60% do Produto Interno Bruto (PIB), Borges de Assunção rejeitou que o problema esteja nesses tratados.
“Eu acho que não é um problema de regras. As regras que existem na União Europeia são regras que fazem sentido na perspetiva da sustentabilidade das finanças públicas e da equidade entre países”, opinou, considerando-as “regras de boa governação”, de “sustentabilidade e de viabilidade financeira da economia portuguesa e do Estado português”.
“Não vejo que haja um argumento racional para alterar as regras por causa das dificuldades de 2022 ou 2023. Não me parece que haja uma grande vantagem em Portugal apostar em regras mais flexíveis, porque a questão não é essa”, concluiu.
No dia 23 de setembro, o Instituto Nacional de Estatística divulgou que o défice orçamental fixou-se em 5,3% do PIB no segundo trimestre do ano, e no primeiro semestre do ano, o défice orçamental fixou-se em 5,5% do PIB.
O Governo prevê um défice de 4,5% do PIB para o conjunto do ano, mas divulgará uma atualização da sua previsão no dia 11 de outubro, quando for apresentada a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2022.
Haverá um "choque" devido aos preços na indústria
O professor da Universidade Católica antevê um "choque" no crescimento económico devido ao aumento dos preços das matérias-primas, energia e escassez de componentes, mas a recuperação da pandemia compensará.
"Eu acho que sim, que pode haver um choque do crescimento desses efeitos todos. O que eu acho é que esses choques serão minúsculos comparados com os choques dos confinamentos. Ou seja, nos dados que nós vamos observar, até vai ser difícil detetar esses choques, a nível agregado", disse à Lusa o economista.
João Borges de Assunção afirmou que "algumas indústrias que dependem de componentes não estão a conseguir produzir porque não recebem os componentes", e as "indústrias de importação estão a ter muitos custos com os fretes e há muitas importações que deixam de ser viáveis", o mesmo sucedendo com as exportações.
No entanto, estes choques conjugados dos aumentos "serão eclipsados pelos ressaltos enormes da economia decorrentes desta questão do 'confina - desconfina -confina - desconfina'".
Assim, a dinâmica de análise ainda influenciada pelos confinamentos "é que domina o crescimento observado em cada trimestre".
"Quando isto desaparecer, esses efeitos começam a tornar-se visíveis, portanto esses efeitos poderão, por exemplo, travar bastante o crescimento potencial da economia portuguesa", alertou.
O professor universitário estimou com "as cicatrizes da pandemia, e mais esses" efeitos, "podemos chegar ao fim da pandemia a crescer menos, em média, do que estávamos a crescer em 2017, 2018 e 2019".
"Não está ainda no radar das minhas principais preocupações em termos agregados, mas em termos setoriais sim, acho que é uma preocupação grande", referiu.
Falando acerca das previsões económicas do Governo, que serão atualizadas em 11 de outubro, aquando da apresentação do Orçamento do Estado, João Borges de Assunção admitiu a "grande dificuldade de neste momento fazer previsões".
"Nós, quando como temos apresentado as nossas previsões, temos internalizado uma certa probabilidade de confinamento", disse, referindo-se às previsões económicas do NECEP - Católica Lisbon Forecasting Lab.
"Explicitamente dizemos que estamos mais pessimistas que os outros porque estamos a integrar isso. E isso inclui não apenas a economia portuguesa, mas inclui também, em particular, a economia europeia", sustentou ainda.
Para João Borges de Assunção, "o futuro é sempre muito incerto, mas neste momento é uma incerteza ainda mais elevada que decorre também das incertezas sobre a evolução da doença e das políticas usadas pelos governos".
"Se na Europa os principais países que nos orientam começarem a ter políticas restritivas, eu não vejo como é que o nosso Governo, mesmo que não queira, vá resistir a isso", exemplificou.
O economista admitiu que "é uma altura muito difícil" para fazer previsões.
"Não tenho vontade nenhuma de descredibilizar as previsões do Governo, parecem-me, de todo o lado, otimistas, parecem-me possíveis... [...] eu talvez fosse um bocadinho mais prudente", referiu.
O economista relevou que "normalmente", quando o Governo elabora o Orçamento do Estado, "já sabe mais ou menos o que aconteceu" durante o ano, algo que poderá ser mais difícil desta vez.
O Governo vai rever em alta as perspetivas de crescimento económico para este ano e para o próximo, apontando que este fique acima dos 4,5% em 2021, disse o ministro das Finanças, João Leão, à Lusa, no dia 17 de setembro.
A Universidade Católica estima que o crescimento da economia portuguesa esteja entre os 2% (cenário pessimista) e os 5% (otimista), apontando para os 3,5% no cenário central.
Comentários