“A pandemia, infelizmente, ainda não acabou de vez, e depois, mesmo do ponto de vista das nossas empresas e das nossas famílias, houve uma perda brutal de rendimentos, sobretudo determinados setores passaram por privações tremendas. Estamos longe de estar fora de perigo e fora de situação frágil”, disse, em entrevista à Lusa, a economista.

Francisca Guedes de Oliveira, falando à Lusa a propósito do Orçamento do Estado para 2022, estimou ainda que 2022 seja o ano da retirada gradual (‘phasing out’) das medidas de apoio relacionadas com a pandemia.

“Eu acho que há medidas que vão ter de ser mantidas, acho que há coisas que vão ter de ser olhadas com muito cuidado, mas é expectável que seja um ‘phasing out'”, assinalou a professora universitária.

Caso se confirmem fatores como o controlo da pandemia, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) “e que o desemprego se continua a manter nos níveis, apesar de tudo, controlados que se tem mantido”, a docente na Universidade Católica do Porto considera “natural que, no fundo, se comece a deixar o doente sair do coma e tentar respirar por si só”.

A economista antecipou que as empresas que eram “viáveis, que tinham um projeto, um plano de negócios” e que perderam liquidez com a crise pandémica “vão conseguir respirar sozinhas”.

“Existem outras que vão ter que ser deixadas cair. Eu não acho que haja muita hipótese de se segurar tudo. Mas eu acho que aquelas que irão cair são aquelas que não tinham o tal projeto saudável e viável. São aquelas que se iam aguentando”, referiu, por outro lado, a académica.

Francisca Guedes de Oliveira vincou que “a preocupação são sempre os trabalhadores e as pessoas, e as pessoas que vivem do negócio, do restaurante, do café, da padaria e que de repente não têm meios de subsistência”.

“As pessoas têm de ser o foco daquilo que se olha, mas há empresas que vão cair e que vão ter de cair, e eu não tenho grandes dúvidas sobre isso”, reiterou.

Questionada acerca de quando se terá uma imagem clara do que se passou em termos económicos durante a crise pandémica, a professora da Católica apontou para o “segundo semestre de 2022”.

A economista estimou que só se vai “conseguir olhar para trás e conseguir perceber exatamente o que se passou e o estado” em que se ficou “quando isto acabar”.

“Acho que qualquer coisa que se tente fazer agora vai-nos dando uma noção, vamos conseguindo pintar um quadro, mas ainda com muitas zonas desfocadas, porque há muita coisa que ainda não está a funcionar normal”, reforçou.

Francisca Guedes de Oliveira antecipou ainda que as questões como o aumento dos custos na indústria, por exemplo de energia e transportes, “junto com uma certa desglobalização e até algum protecionismo por parte de alguns países, pode trazer problemas de inflação”.

“Já se está a assistir a uma aceleração que muita política monetária expansionista não conseguiu provocar, e pode haver aqui alguma tentação de começar a fazer alguma política monetária mais contracionista para tentar segurar a inflação, o que pode complicar a recuperação”, referiu ainda.

Francisca Oliveira apela para que não se esqueçam problemas antigos

A economista Francisca Guedes de Oliveira apelou, na entrevista à Lusa, para que não se perca "o foco naquilo que já eram os problemas estruturais" no país antes da pandemia, mencionando especialmente a saúde e educação.

"Não se pode perder o foco naquilo que já eram os problemas estruturais que vinham de trás", disse à Lusa, numa entrevista sobre o Orçamento do Estado para 2022, a professora na Universidade Católica do Porto, referindo-se depois aos temas da saúde e da educação.

Quando questionada se havia o risco de a sociedade portuguesa, num clima pós-pandemia de covid-19, esquecer que o país continua com problemas estruturais nessas áreas, a académica respondeu que sim, "definitivamente".

"Não podemos correr o risco de agora ficar sentados. 'OK, respondeu-se bem, agora passou, está feito, arrumado'. De maneira nenhuma", vincou.

Elogiando a "resposta absolutamente inacreditável" do Serviço Nacional de Saúde durante a pandemia e vincando que esta "expôs uma diferença entre o ensino público e o ensino privado brutal", a economista pediu mais atenção a essas áreas.

"A escola pública funciona e é eficiente e funciona como igualizador e mobilizador social se toda a gente estiver na escola pública. Porque se só estiverem determinadas faixas da população, isso não acontece", reforçou.

Apesar de reconhecer que "as maiores fatias do orçamento são a Segurança Social, saúde e educação", Francisca Guedes de Oliveira deixou um alerta: "Se compararmos com alguns países, nomeadamente nórdicos, vemos que há aqui ainda algum caminho para se fazer".

"No Orçamento do Estado temos que, de facto, conseguir apostar na educação. E quando falo na educação, falo na qualificação. É educação ao longo da vida, não é só o ensino obrigatório, não é só o ensino superior, é tudo ao longo da vida", disse.

Mesmo com a entrada em ação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a economista continua a defender que o Orçamento do Estado "por exemplo, no que diz respeito a investimento público em áreas absolutamente capitais, continua a ser o instrumento que tem que ser privilegiado".

Francisca Guedes de Oliveira considerou ainda que "quase tão mais importante do que aumentar a rubrica do investimento público, é executar o investimento público que está orçamentado".

Para a professora universitária, "o PRR vai trazer outro tipo de possibilidade, vai ser um complemento em muitas coisas, mas em outras coisas vai ser mesmo olhar para áreas privilegiadas como a transição digital, como a transição climática, a parte obviamente de resiliência".

"Mas são complementares. De maneira nenhuma podemos usar o PRR para dizer que agora não precisamos de fazer determinadas coisas em sede de Orçamento do Estado", defendeu.

Francisca Oliveira pede que se calculem efeitos do englobamento

A economista Francisca Guedes de Oliveira, que elaborou um estudo sobre benefícios fiscais para o anterior governo, apelou para que se calculem os efeitos do eventual englobamento obrigatório dos rendimentos, caso seja proposto no Orçamento do Estado de 2022.

"Tem que se ter medida. Primeiro, ter uma estimativa do que é que isto pode significar de perda de receita, de poupança para as famílias, e depois, ao contrário, o englobamento o que é que significa de ganho de receita, que famílias é que vão ser afetadas, de que forma vão ser afetadas, para se poder tomar uma decisão informada", disse a professora universitária, em entrevista à Lusa.

Francisca Guedes de Oliveira alertou para que muitas vezes as medidas são avulsas", e "não se olha aquilo que é a globalidade do desenho dos impostos, dos vários impostos e tentar perceber que cada vez que se mexe num escalão, numa taxa, o que é que isso significa do ponto de vista global e do ponto de vista da igualdade".

Questionada sobre se o Ministério das Finanças não tem os instrumentos para fazer estes cálculos, a professora da Universidade Católica do Porto respondeu que "tem".

"Definitivamente acho que sim", acrescentou.

A economista disse ainda ser "tendencialmente favorável" ao englobamento obrigatório de rendimentos capitais e prediais no IRS. "Porque quando nós pensamos que estamos a falar de uma taxa liberatória de 28%, significa que só não compensa para quem paga mais de 28% de IRS", afirmou.

"Ou seja, isto iria eventualmente prejudicar uma classe mais favorecida. Mais ainda, uma coisa muito interessante é que a maior parte das pessoas que tem acesso aos capitais e às rendas e aos rendimentos prediais e por aí fora, também tem rendimento do trabalho, portanto não faz muito sentido que se separe", sustentou.

A economista defendeu também que não se pode "fazer políticas públicas sem olhar para o eixo da igualdade e para o eixo do equilíbrio do ponto de vista da distribuição dos rendimentos".

Quanto ao trabalho que realizou acerca dos benefícios fiscais que há em Portugal, em 2019, a economista afirmou que ainda não foram adotadas algumas recomendações que deixou.

"Aquilo que eu achava desejável era que depois do estudo feito e devidamente avaliado e publicado, no Orçamento do Estado a seguir, ou pelo menos dois a seguir, já se estivessem a utilizar algumas daquelas regras e recomendações. Isso, de facto, não aconteceu", referiu.

Reconhecendo que em alguns serviços públicos "as coisas demoram muito tempo", a economista também garantiu que as autoridades "estão a fazer coisas" e o assunto "está a mexer".

"Por exemplo, há um grupo profissional – e profissional no sentido em que foi contratado e tem economistas do FMI [...] – e com o qual já reuni duas vezes este ano, que está precisamente a estudar algumas das propostas feitas para conseguir desenhar a melhor forma disto ser feito", elencou.

"Eu acho que aquilo não vai ficar perdido e não vai ser esquecido. Tenho claramente essa perceção", concluiu.

(Artigo atualizado às 06:21)