“Uma diminuição estrutural de receitas de impostos pode ser difícil de acomodar num ano muito particular como é o ano de 2021”, disse Cláudia Joaquim em entrevista à Lusa, quando questionada acerca da proposta do PCP para o aumento de um escalão do IRS, que teria consequências de diminuição de receita.
Uma das propostas de alteração do PCP ao Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) consiste na “atualização dos escalões do IRS, o aumento de mais um escalão (8.º), aumentando a sua progressividade”.
“Todas as medidas que sejam permanentes ou estruturais podem neste momento não ser as melhores, porque isso faz com que estejamos a vincular para mais anos medidas que ou do lado da receita, e no exemplo que deu [a proposta do PCP], de diminuição da receita, ou do lado da despesa, que seja um aumento de despesa estrutural, é importante serem muito bem pensadas neste momento”, defendeu a governante.
A também antiga secretária de Estado da Segurança Social (2015-2019) disse ainda que num “cenário de incerteza”, é necessário “pensar em medidas que sejam extraordinárias e alocar os recursos a essas medidas extraordinárias, para poder ser reavaliado durante o próximo ano, no Orçamento do Estado para 2022”, e em ocasiões futuras.
Para Cláudia Joaquim, o debate do OE2021 na especialidade deve ser feito “a pensar no contexto que vivemos”, relacionado com a pandemia de covid-19, pois “foi também nessa perspetiva que o Orçamento do Estado foi pensado [e] que foi negociado com os partidos à esquerda”.
A governante salientou ainda a importância da “assunção de compromissos” também na continuação da negociação com os partidos à esquerda do PS no parlamento.
“Não me quero estar a antecipar àquilo que é a negociação na especialidade, mas esta tónica é também ela muito importante. Existem sempre margens, mas também limites”, defendeu, acrescentando que “o PCP tem compreendido” e “feito um caminho”.
“E fez esse caminho. Esse caminho foi o reflexo da votação na generalidade”, concluiu, lembrando a abstenção comunista na votação de 26 de outubro, ao lado do PEV, PAN e das duas deputadas não inscritas (Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira), que com o voto favorável do PS viabilizaram a proposta de lei do Governo, com votos contra de BE, PSD, CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega.
Neste momento, a secretaria de Estado do Orçamento tem estado a fazer "um trabalho de análise das propostas" de alteração à proposta de lei do Governo, "na preparação daquilo que é o processo de especialidade".
“Caberá bastante mais ao BE” ultrapassar diferendo na Saúde
A secretária de Estado do Orçamento considerou que caberá mais ao Bloco de Esquerda (BE) ultrapassar o diferendo com o Governo relativamente aos diferentes números apresentados na discussão orçamental sobre a Saúde.
“A demonstração destes dados poderá, de alguma forma – mas isso até caberá bastante mais ao Bloco de Esquerda – ser um motivo para ultrapassar a questão e para nos focarmos naquilo que me parece essencial”, disse Cláudia Joaquim à Lusa, respondendo acerca do diferendo que o Governo e o BE mantiveram na discussão orçamental acerca do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Segundo a governante, da parte do Governo, e além do SNS, “a abertura manteve-se sempre” à negociação durante a discussão na generalidade, sendo importante “que haja uma intenção de convergência e de negociação, e da parte do Governo ela existe”, assegurou Cláudia Joaquim.
No dia 23 de outubro, a deputada do BE Mariana Mortágua questionou o Governo acerca dos números do Serviço Nacional de Saúde, afirmando que as tabelas presentes no relatório do OE2021 “estavam pura e simplesmente erradas”, tendo o ministro das Finanças, João Leão, justificado a diferença com questões metodológicas.
A deputada do BE disse então que o OE2021 "concede, em valores orçamentados, para o Serviço Nacional de Saúde, menos 143,6 milhões do que estava previsto no Orçamento Suplementar", tendo o ministro respondido que o orçamento total do SNS aumenta mais de 1.000 milhões de euros, e comparando com o suplementar há um aumento superior a 500 milhões de euros.
No dia 28, o ministro disse que o BE se enganou nas contas, argumentando que o reforço aprovado no Orçamento Suplementar de 2020 não veio exclusivamente de transferências do OE, algo que o BE, segundo João Leão, não teve em conta, acrescentando que no OE2021 "o BE também não quer reconhecer" que haverá verbas para a saúde vindas "dos novos fundos europeus, nomeadamente do programa REACT".
À Lusa, a secretária de Estado do Orçamento disse que a tabela em discussão no plenário, geradora da discórdia, “não inclui os fundos comunitários”.
Em números posteriormente dados a conhecer pelo Ministério das Finanças, e que não constam do Orçamento do Estado, foi divulgado que, com a inclusão dos fundos comunitários no orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o valor previsto no OE2021 para o SNS ascende aos 12.106 milhões de euros, superiores aos 11.300 milhões com que o SNS ficou depois da aprovação do orçamento suplementar de 2020, e aos 10.055 milhões de 2019.
Em anos anteriores, “os dados não vinham a ser apresentados de uma forma integrada, [com o] Serviço Nacional de Saúde com todas as fontes de financiamento”, reconheceu à Lusa a secretária de Estado, justificando que “por isso não consta, no mapa, no relatório, essa informação dessa forma”.
“Foi muito importante trazer esses dados, neste contexto, para se poder explicar e demonstrar que houve um aumento significativo do orçamento no Serviço Nacional de Saúde ao longo dos últimos anos”, disse a governante à Lusa.
Cláudia Joaquim referiu ainda que “o Orçamento do Estado e o Relatório do Orçamento do Estado Suplementar não tinha esta informação” porque “não foi um relatório extenso” e teve, “de facto, menos informação do que os relatórios que acompanham o Orçamento do Estado todos os anos”.
“Se me pergunta, no próximo Orçamento do Estado, no próximo relatório, é importante que possa vir um quadro adicional onde possa ter a informação com todas as fontes de financiamento, que é o que temos vindo a falar? Não tenho dúvidas que sim. E esse quadro deverá constar exatamente para não surgirem as mesmas questões”, manifestou Cláudia Joaquim.
Outro dos diferendos entre Governo e BE na saúde foi relativo à comparação da despesa prevista no OE2021 com a estimativa de execução para 2020, e a governante, questionada se tal comparação é razoável de ser feita, respondeu que “tudo é possível e deve ser comparado desde que tenhamos em mente o que estamos a comparar”.
No entender de Cláudia Joaquim, “orçamentos iniciais, que é a dotação disponível para cada ano que se está a iniciar, ou no caso do suplementar, a partir do mês que entra em vigor até ao final desse ano, são comparáveis”, de forma a “permitir fazer a leitura se há um aumento da dotação disponível, [ou] se há um decréscimo”.
“Depois temos o conceito de execução, que é o que é efetivamente pago. E nesse caso, e não é só no Serviço Nacional de Saúde, é em todos os ministérios, o orçamento inicial tem de acomodar todos os pagamentos e também os compromissos que são assumidos”, disse.
Porém, “não existe nenhum ministério onde o orçamento inicial seja utilizado, em despesa, a 100%”, existindo sim “algumas medidas que são utilizadas a 100%, que a execução é 100%, mas no total não acontece porque é preciso ter uma margem para os cabimentos, para lançar procedimentos concursais”, sendo este procedimento “o normal”.
Já o tema das contratações de pessoal para o SNS, que também gerou discórdia, foi “um dos temas de negociação com os partidos à esquerda” na negociação do OE2021 e “será naturalmente um dos aspetos a continuar a negociar” na especialidade, antecipa Cláudia Joaquim.
A proposta de Orçamento de Estado para 2021 foi aprovada na generalidade, com os votos favoráveis do PS e as abstenções do PCP, Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) e das deputadas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.
O PSD, BE, CDS-PP e os deputados únicos do Chega, André Ventura, e da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, votaram contra o diploma do executivo.
A votação final global está marcada para 26 de novembro.
Comentários