“Não era surpresa para nós, trabalhávamos num ambiente de confiança. Se Ricardo Salgado dizia que as negociações estavam em curso, fazíamos. Não era de estranhar. Efetivamente, a prática normal dos negócios não é essa e, sim, ter o contrato assinado primeiro, mas com Ricardo Salgado, e o clima de confiança em que o grupo funcionava, isso não era uma coisa extraordinária”, afirmou hoje o antigo funcionário do GES, onde trabalhou entre 1989 e 2015.

Em causa estava uma transferência em outubro de 2011 da sociedade ES Enterprises (mais tarde designada Enterprises Management Services) de quase 10 milhões de francos suíços (cerca de oito milhões de euros) para Henrique Granadeiro sem um contrato associado (apenas elaborado em janeiro de 2012), numa operação ligada - segundo o antigo líder da PT numa anterior sessão - à venda de 30% da sociedade agrícola Margar por 14 milhões de euros.

No depoimento por videoconferência como testemunha no julgamento de Ricardo Salgado, em processo conexo e separado da Operação Marquês, Jean-Luc Schneider confirmou que a “Enterprises funcionava como uma sociedade ‘offshore’ do Grupo”, que “fazia pagamentos de bónus” e que era “uma responsabilidade no domínio de Ricardo Salgado”, sendo detida por outra sociedade, a ESBVI, que, por sua vez, pertencia à ES International, do Luxemburgo.

Antigo vice-presidente sénior e ‘chief accounting officer’ da ESFG, presidente do conselho de administração da ESFIL e ‘manager’ da Enterprises Management Services, o alto quadro suíço assumiu que se ocupava das transferências bancárias e dos registos de contabilidade desta última sociedade. Sobre esse negócio relativo à Margar, afirmou não saber “os detalhes específicos sobre o objetivo” deste contrato.

“Foi uma operação decidida por Ricardo Salgado, não tive nenhuma intervenção na preparação do mesmo”, explicou, em resposta às questões da defesa do arguido, salientando que o antigo banqueiro apenas lhe disse que era para a “aquisição de uma vinha. “Ricardo Salgado contactou-me e disse-me que havia uma operação que estava em curso, com um contrato que estava a ser elaborado, mas que fizesse um pagamento prévio”, declarou.

Questionado sobre a movimentação da conta da Enterprises e se era comum fazer pagamentos desta ordem de valores - nos quais se incluíam ainda, por exemplo, 15 milhões de euros pagos a Helder Bataglia ou o empréstimo de quatro milhões de euros ao antigo presidente do GES, Jean-Luc Schneider notou que esses “valores não estavam fora do habitual” funcionamento daquela sociedade.

Em relação a essa transferência em outubro de 2011 de quatro milhões de euros da Enterprises para a sociedade ‘offshore’ Savoices, controlada por Ricardo Salgado, numa operação sobre a qual recai um dos três crimes de abuso de confiança imputados ao antigo banqueiro neste julgamento, Jean-Luc Schneider referiu que se tratou de “um empréstimo” e que assinou essa transferência “com base nas instruções que Ricardo Salgado deu”.

Contudo, explicou que o ex-presidente do GES apenas devolveu em 2012 dois milhões de euros dos quatro que havia recebido, portanto, sem reembolsar por completo, contrariamente ao que tinha acontecido em anteriores empréstimos da Enterprises a Ricardo Salgado.

Já na reta final da audição, o juiz presidente tentou perceber melhor a atividade da Enterprises, nomeadamente de onde vinham os seus fundos e o objeto das suas operações financeiras. Jean-Luc Schneider limitou-se a falar em “contratos de opções” e que eventuais lucros e perdas faziam “parte da operação” da sociedade, com Francisco Henriques a desabafar ao fim de alguns minutos: “É uma pescadinha de rabo na boca”.

De seguida, o procurador do Ministério Público (MP), Vítor Pinto, apresentou um primeiro requerimento com vista à leitura das declarações da testemunha José Castella ao MP em julho de 2016, uma vez que o antigo ‘controller’ financeiro do GES e secretário do Conselho Superior faleceu em 2020 e foi referido por mais do que uma vez na sessão de hoje. Apesar da oposição da defesa, o coletivo de juízes deliberou e acabou por ler um resumo dessas declarações.

Por fim, o MP comunicou algumas alterações não substanciais da pronúncia, como a correção de determinadas datas e certos valores em alguns artigos, com o tribunal a conceder agora 10 dias aos advogados de defesa de Ricardo Salgado para se pronunciarem sobre essa matéria.

Com o fim da produção de prova na oitava sessão do julgamento no Juízo Criminal de Lisboa, os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce disseram à saída do tribunal não existir “nenhuma preocupação”, asseverando aos jornalistas que “a defesa está totalmente confortável com a prova que foi produzida em audiência”.

As alegações finais do julgamento do antigo banqueiro no processo conexo e separado da Operação Marquês estão agora marcadas para 08 de fevereiro, às 09:30, no Campus da Justiça. Ricardo Salgado responde neste julgamento por três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros no âmbito da Operação Marquês, do qual este processo foi separado.