Na segunda maior ilha do arquipélago, a conserveira Cofaco abriu a sua fábrica em 1963 e "pôs dinheiro na mão das pessoas numa altura em que não havia dinheiro - veio semanalmente pôr dinheiro nas pessoas", lembra o presidente do município da Madalena do Pico.
"Eu próprio nasci à conta da Cofaco. O meu pai veio de São Miguel para aqui por causa da Cofaco e eu nasci aqui", prossegue José António Soares (PSD), em declarações à agência Lusa.
A Cofaco, dona, por exemplo, da marca de conservas Bom Petisco, uma referência do atum a nível nacional, pretende construir uma nova unidade fabril na Madalena, mas anunciou que vai despedir cerca de 180 trabalhadores da atual fábrica, durante o período em que a infraestrutura estiver a ser edificada.
A administração, que não tem falado à imprensa, comprometeu-se junto dos trabalhadores – sobretudo mulheres - a reintegrar, dentro de aproximadamente dois anos, a maioria dos funcionários que agora vão para o desemprego.
Quem por estes dias passar junto à Cofaco, verá não mais do que meia dúzia de funcionários, um segurança e um grande edifício abandonado. A conserveira está sem laborar desde o dia 14 de dezembro de 2017, altura em que a maioria dos trabalhadores foi para férias do Natal sem qualquer informação acerca de qual seria a solução para a sua situação.
Em casa de Sérgio Gonçalves são dois a depender da Cofaco. Sérgio tem 41 anos, a mulher 42. Ambos foram despedidos e passam agora os dias na "incerteza do futuro", procurando pensar que este seja positivo, mas "com algumas reticências" e receio de que "a coisa dê para o lado não".
"Temos uma criança com 11 anos. Tudo pesa neste momento. Temos compromissos financeiros, como qualquer pessoa normal, baseados nos nossos trabalhos", diz Sérgio, que antes de entrar na Cofaco (em 2006) trabalhava na pesca do atum.
"Vou ficar sempre ligado ao mar", resume. E à Cofaco? "É juntar o útil ao agradável", responde.
Na semana passada, mais de 50 trabalhadoras fizeram de barco os cerca de oito quilómetros que separam a ilha do Pico da ilha do Faial e foram manifestar-se junto ao parlamento açoriano na defesa dos seus postos de trabalho.
A agência Lusa seguiu a viagem e acompanhou, entre outras, a boa disposição de Patrícia, feliz por estar com as colegas, mas dona de um sorriso enganador: "Apesar de sorrir por dentro, isto está muito mau", confidencia.
Diz que "não gosta de aparecer, de estar na frente" dos combates, mas tinha de ir com as colegas à cidade da Horta, no Faial: "São 29 anos de trabalho", indica.
Ana está por perto e entra na conversa: "Mas eu quero continuar no meu trabalho". E a administração, que nada tem dito? "Não sei. Temos esperança, queremos acreditar que tudo vai correr bem".
Números oficiais apontam para que os empregos diretos garantidos pela Cofaco no Pico representem 3% da população ativa desta ilha, fora os indiretos, referentes a fornecedores de materiais, por exemplo. A Cofaco detém outra fábrica nos Açores, na ilha de São Miguel, e é um dos maiores empregadores industriais no arquipélago, com um peso muito importante no Produto Interno Bruto (PIB) da região.
O Governo Regional - que diz não se poder substituir à empresa, privada - já afirmou que existe uma candidatura da Cofaco a apoios comunitários para a construção de uma nova unidade fabril no Pico. A candidatura deu entrada em 20 de dezembro de 2017.
A ilha tem aproximadamente 15 mil habitantes e serão despedidos na Cofaco entre 160 e 180 trabalhadores.
Todos aqueles com quem a Lusa falou, desde a rececionista de um hotel a um guia turístico, tinham algo a dizer sobre a Cofaco.
"É um símbolo", "conheço-as de vista, passam muitas vezes em frente ao hotel" ou "tenho uma irmã de um amigo meu a trabalhar lá" foram algumas das frases escutadas na Madalena e nas zonas em redor.
E algures na viagem de barco entre a Madalena e a Horta, alguém traz Sérgio Godinho para a discussão sobre a conserveira: "Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, com certeza, que eu dava conta do recado", canta o músico. E assim pedem os homens e as mulheres da Cofaco.
Cofaco, um símbolo açoriano, palco de despedimentos e esperança numa promessa verbal
A conserveira Cofaco, dona de marcas como a Bom Petisco, anunciou no começo de janeiro o despedimento da totalidade dos trabalhadores na fábrica do Pico, prometendo a readmissão no futuro da maioria dos quadros.
Foi através do Sindicato de Alimentação, Bebidas e Similares, Comércio, Escritórios e Serviços dos Açores que se soube, em 09 de janeiro, que a administração da conserveira se havia reunido com os trabalhadores da empresa no Pico – que andarão entre os 160 e os 180 – para os informar de que todos seriam despedidos – com direito a indemnização e fundo de desemprego –, deixando a Cofaco de laborar naquela ilha à até construção de uma nova fábrica.
Com efeito, testemunhou a agência Lusa no local, atualmente apenas meia dúzia de pessoas operam na fábrica, nomeadamente na área da manutenção, disse uma das trabalhadoras entretanto despedidas e que não está a trabalhar.
Logo em 09 de janeiro ficou junto dos trabalhadores uma “promessa verbal” de que quando a nova fábrica estiver concluída, o que poderá acontecer “entre 18 meses e dois anos”, a maioria dos quadros seria readmitidos.
“Palavras, leva-as o vento”, reagiu então um dirigente sindical, embora demonstrando esperança na administração da Cofaco.
Economicamente, a empresa é vital para a ilha do Pico, afetando até 500 pessoas entre postos direto de trabalho e indiretos, e politicamente foram também amplas as reações ao anúncio do despedimento em massa.
O Governo Regional dos Açores, disse o seu presidente, Vasco Cordeiro, está a acompanhar a situação e preocupado com o cenário de despedimentos, mas "não se pode substituir" à empresa privada.
Tal posição mereceu críticas do principal partido da oposição, o PSD: “Não podem os poderes públicos lavar as mãos desta situação. Não se pode dizer que isso tem a ver só com a empresa Cofaco porque, se assim fosse, não se tinham feito as intervenções que se fizeram noutras empresas”, declarou o líder do PSD/Açores, Duarte Freitas.
A questão dos apoios públicos à Cofaco, nomeadamente por via de fundos comunitários, mereceu também reparos de vários partidos, que pedem a defesa absoluta dos postos de trabalho e advogam que tal deve ser uma condição indispensável para futuros apoios à conserveira.
O parlamento açoriano, entretanto, aprovou por unanimidade quatro propostas, apresentadas por CDS e PPM (proposta conjunta), PS, BE e PCP, para que sejam salvaguardados os postos de trabalho dos funcionários da conserveira.
Foi precisamente junto ao parlamento dos Açores, na ilha do Faial, a 30 minutos de barco do Pico, que dezenas de trabalhadoras da Cofaco se deslocaram na passada quarta-feira. À chegada, tinham à espera o líder da CGTP, com quem se manifestaram na defesa dos postos de trabalho.
Arménio Carlos definiu na altura à agência Lusa como "nebuloso" o processo de despedimentos em curso, dizendo que a administração da empresa tem de dar a cara e que é preciso "responsabilidade" nas ações.
A fábrica Cofaco, no concelho da Madalena, vai manter os trabalhadores até abril, altura em que arrancam as obras para a construção da nova unidade industrial.
Os trabalhadores da fábrica da empresa na ilha de São Miguel, em Rabo de Peixe, admitiram já partir para a greve em solidariedade com os colegas do Pico.
A administração da conserveira tem mantido o silêncio sobre o tema.
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