"Tinha sido marcado para ontem [sexta-feira], com base na legislação. Por causa de questões logísticas não podemos, só esta manhã estamos a fazer a destruição de material eleitoral (...) boletins de voto válidos, reclamados, protestadas sobrantes e outros materiais", explicou à Lusa, no local da incineração, Andrade TImane, diretor do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) na cidade da Matola.
Na Escola Industrial e Comercial da Matola, a cerca de 15 quilómetros do centro de Maputo, caixas com boletins de voto e outro material das eleições gerais de 09 de outubro foram descarregadas durante toda a manhã, para ali serem incineradas, todas respeitantes às 1.239 mesas de voto daquela cidade, a mais populosa do país.
"Cada uma [mesa de voto] levava uma caixa maior e uma pequena, então, são estes materiais que foram manuseados e que agora estão a ser incinerados (...) Vamos trabalhar até ao fim da queima, acredito que por aí até às 20:00 vamos ter isto terminado", disse o diretor, enquanto o fumo da queima tomava conta do recinto da escola, visível à distância.
"É o fim do processo do eleitoral", acrescentou.
Mais de 300 pessoas morreram e acima de 600 foram baleadas nas manifestações pós-eleitorais desde 21 de outubro em Moçambique, convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane -- que não reconhece os resultados, alegando "fraude eleitoral" -, os quais degeneraram em violência, saques, pilhagens e destruição de infraestruturas públicas e privadas.
O Tribunal Administrativo Central moçambicano entendeu não ter competência para decidir sobre uma providência cautelar interposta pela sociedade civil, permitindo assim a destruição dos boletins de voto das eleições, disse na sexta-feira à Lusa fonte dos autores da petição.
"O tribunal entende que a matéria em causa é de cariz eleitoral, pelo que não é da sua competência fazer a apreciação", explicou o advogado Ivan Maússe, do Centro de Integridade Pública (CIP), que lidera este processo em representação do consórcio de observação eleitoral Mais Integridade.
"Já estamos a preparar a peça para recorrer junto do plenário do Tribunal Administrativo", acrescentou o advogado, sobre a decisão recebida na tarde de sexta-feira.
Em causa, explicou, estava um recurso para a suspensão da eficácia do ato administrativo da Comissão Nacional de Eleições (CNE), na parte que fixou o dia de 17 de janeiro para a destruição, em todo o país, dos boletins de voto das eleições gerais de 09 de outubro.
Para o advogado do CIP, o entendimento é de que a resolução da CNE é "um ato administrativo" e que estes, "incluindo dos órgãos de gestão eleitoral", quer seja "em matéria de contencioso eleitoral ou outros procedimentos que a lei eleitoral expressamente aponte que cabem aos tribunais judiciais ou ao Conselho Constitucional (CC)", são "da competência do Tribunal Administrativo".
Explicou ainda que a ação, equivalente a uma providência cautelar, não visava o processo eleitoral, que está encerrado desde a proclamação dos resultados pelo CC, em 23 de dezembro, última instância com competência eleitoral, e sim preservar o material para futura responsabilização.
"O CC fez uma recontagem da votação e esse trabalho devia ser, em termos legais, da CNE (...) Devia ter sido aberto ao público, mas não se abriu. Quem nos garante que as atas utilizadas foram as originais? É preciso preservar o material para responsabilização", afirmou anteriormente Maússe, aludindo aos ilícitos eleitorais detetados durante o processo, que pretendiam levar às instâncias africanas.
"É material que servirá de prova. É mesmo em relação à responsabilidade pela falsificação dos resultados", insistiu, sobre a pretensão, agora gorada.
Estavam recenseados para estas eleições mais de 17,1 milhões de eleitores, tendo votado cerca de metade.
O CC proclamou em 23 de dezembro Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, tendo sido empossado no cargo esta quarta-feira, em Maputo.
*** Paulo Julião (texto), Estêvao Chavisso (vídeo) e Luísa Nhantumbo (foto), da agência Lusa ***
PVJ // JPS
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