Apesar dos desmentidos de Lukashenko, os testemunhos coincidentes dos migrantes não deixam dúvidas: está em curso uma instrumentalização destes homens, mulheres e crianças que são aliciados por redes que têm agentes na Síria, no Iraque, no Líbano e em outros países em crise. Esta reportagem da televisão pública francesa documenta como as coisas se passam: a Bielorrússia é o país que nas portas da União Europeia está a dar vistos a quem pretende entrar no continente. A companhia aérea bielorrussa assegura o transporte para Minsk, o alojamento nos arredores da capital é assegurado mas, desde o começo deste mês de novembro, esses migrantes, muitos a contar com o estatuto de refugiado, são encaminhados sob escolta policial-militar bielorrussa para uma zona de floresta onde está a fronteira com a Polónia. Sendo Polónia já é União Europeia.

Mas a Polónia fechou a fronteira com a Bielorrússia com intransponíveis redes de arame farpado. A barreira é reforçada por cerca de 15 mil soldados polacos que impedem qualquer entrada ao longo dos 418 quilómetros de fronteira.

Os migrantes ficam assim reféns deste jogo cruel entre a Bielorrússia e a Polónia que neste caso tem o apoio da União Europeia. Há os militares bielorrussos que armados e com cães não deixam os migrantes recuar. Há os militares polacos que não os deixam passar. A pressão da tragédia daquelas vidas humanas é insuportável.

É uma vergonha para todos nós o que está a acontecer àqueles milhares de pessoas. Estão na floresta gelada reféns de jogos políticos. Usam troncos das abundantes bétulas para improvisarem tendas e fazerem fogueiras que os poupe ao tanto frio. Vale a generosidade de pessoas de lugares na vizinhança que lhes levam mantas, roupas e alimentos, sobretudo ovos, batatas e leite.

Estão a escassos passos da liberdade que o direito da União Europeia garante, mas o caminho está barrado.

Os polacos sabem que se abrissem uma fresta que fosse numa das portas de entrada, imediatamente seriam inundados pela onda de migrantes que a Bielorrússia está a acumular para encher a vaga. Por isso não abrem portas ao dever de solidariedade.

É assim que Lukashenko, o ditador de Minsk, está a levar a que a Polónia e por tabela a União Europeia caiam para um patamar tão rasteiro no sentimento de solidariedade humana quanto o dele. Todos na União Europeia ficamos cúmplices no delito de não assistência a pessoas em perigo – aqueles migrantes que estão reféns de dois exércitos na floresta gelada estão em sério perigo.

É assim que um tirano, Lukashenko, está a conseguir meter a União Europeia na armadilha das contradições internas: há quem se disponha a receber migrantes, há quem os recuse.

Sinto peso na consciência por não saber, por não sabermos, aliviar aqueles migrantes da tragédia que estão a viver. Esse peso na consciência passa a vergonha quando se instala a perceção de que estão bloqueados por uma questão de fé, por serem muçulmanos.

Também é uma lástima que a União Europeia não consiga mostrar ao gangster (é assim que um porta-voz europeu o designou) Lukashenko que os jogos e a tirania dele não podem continuar.

Ele está a conseguir armadilhar-nos com este tráfico humano.

É assim que estamos numa zona cinzenta que caracteriza os conflitos do século XXI. Não é paz e ainda não se pode em rigor dizer que seja guerra. Com o ditador Lukashenko a instrumentalizar seres humanos, a usá-los como arma para desestabilizar e a explorar a questão migratória que é uma ferida que segue aberta nas sociedades ocidentais.

Falta verificar qual é em toda esta manobra o papel de Putin, aliado e cada vez mais padrinho de Lukashenko. O histórico destes últimos anos avisa-nos que esta não será a última crise nas fronteiras no leste da União Europeia.

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