Dentro de duas semanas a Internet vai parar porque estreia uma nova série de ficção que mostra, de forma simples e directa, a vida dos jovens de vinte anos. Se são todos como as personagens (inspiradas na vida real) da Casa do Cais? Provavelmente não, mas estão presentes boa parte dos arquétipos da sociedade contemporânea que os velhos do Restelo teimam em ignorar, escondendo-se atrás do cliché do choque de gerações. A Casa do Cais é um rasgo criativo dos próprios intérpretes e um risco para a RTP, que não faz mais do que o seu papel, criando espaço e condições para o desenvolvimento de novos formatos e conteúdos mediáticos. Tirando isso, o coro conservador já está a afinar as vozes. Porquê?
O preconceito faz parte da nossa vida. Mais do que nunca é preciso denunciá-lo, especialmente o preconceito pequeno, aquele que nos afecta no dia-a-dia, impedindo-nos de crescer enquanto indivíduos, mas também todas as formas de preconceito que nos fazem olhar de lado para as outras pessoas. Todos diferentes, todos iguais, soa muito bem mas demora a acontecer.
Acho sempre que nunca fui vítima de preconceito, porque não pertenço aos grupos que a sociedade mais detesta: os pretos, os ciganos, os homossexuais. Não há homofobia em Portugal mas a conversa azeda se forem trans qualquer coisa ou aqueles paneleiros que se vestem de mulher. Drag Queen, meus senhores, com tanto direito a vestirem o que quiserem como qualquer um de nós.
Consta que é em trinta segundos que avaliamos a outra pessoa. E a ciência já comprovou que as pessoas altas e bonitas têm uma remuneração mais elevada, e que as gordas são a última opção porque, muitas vezes, se depreende que são pouco empenhadas. Continuamos a olhar o outro de cima a baixo procurando referências com as quais nos possamos identificar. O gajo é larilas e aquela tem mesmo ar de fufa. Lá vem o betinho. Este gajo é cá um drogado… Aquele é um puto irresponsável... São apenas algumas conotações associadas ao nosso aspecto exterior. Se eu, que nunca fui vítima de preconceito, senti, muitas vezes, aquele preconceito pequenino, nos olhares ou comentários dos outros, imagino as personagens da Casa do Cais e a sua sensação de desencaixe, que nada tem a ver com os sistemas sociais modernos de que falam os sociólogos. Na vida real, e nas personagens que criaram para contar esta história. A sua história, de certa forma, igual à de todos nós.
Choca. Não há pruridos porque na vida real arrotamos, beijamos e dizemos palavrões. Contudo, o filtro mediático sempre empurrou este tipo de produção para um circuito alternativo que é, em boa verdade, o gueto preconceituoso da produção audiovisual sofisticamente polida nas palavras e nos gestos, nos sorrisos bonitos e na aparência perfeita dos seus protagonistas. O mundo tem mais cores do que aquelas que a comunicação social nos mostra. Foi preciso aparecer o YouTube para criar novas narrativas e protagonistas que começam, finalmente, a expandir-se para o mainstream dos media tradicionais.
Não há preconceito melhor ou pior. É sempre mau. E sim, o preconceito associado ao conservadorismo da RTP também é para aqui chamado, como se o operador público não tivesse, como obrigação, a inovação e a representação da sociedade tal como ela é. Este é um projecto RTP Lab, o laboratório criativo e experimental do operador público, que procura encontrar novas fórmulas que desenvolvam temas pouco explorados e formas inovadoras para contar uma história, cruzando géneros para criar uma nova narrativa: a digital.
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