Uma grande rainha (apesar de ter um metro e sessenta) dirão, inevitavelmente, todos os comentadores e figuras públicas de todos os continentes – menos os suspeitos do costume, como o "rei" da Coreia do Norte, certamente, mas esses ninguém quer ouvir. E grande rainha ela foi, pela compostura real (perdoem o pleonasmo) com que atravessou a transição do Império Onde o Sol Nunca Se Põe para uma ilha isolada a norte da União Europeia. Sempre soube como desempenhar o seu papel, apesar desse papel ter variado substancialmente desde que foi coroada, em 1953, até esta quinta-feira.

70 anos e 132 dias de reinado, mais exactamente. Mais tempo do que ela, só Luis XIV - esse mesmo, o Rei Sol, que foi entronizado aos quatro anos e reinou 72 anos e 110 dias, entre 1643 e 1715. (Na verdade só exerceu o cargo a partir de 1661.)

Por acaso, ainda esta segunda-feira, dia 5, Isabel ultrapassou em longevidade reinante Bhumibol Adulyadej, da Tailândia, que morreu em 2016.

Mais datas: em setembro de 2015 tornou-se a monarca com o mais longo reinado da História do Reino Unido, ultrapassando a sua trisavó, Vitória, que reinou 63 anos, sete meses e dois dias, até 1901. Em 6 de fevereiro deste ano comemorou 70 anos no trono, o que levou a quatro dias de festas nas ilhas e comemorações em toda a Commonwealth – grupo que inclui 15 ex-colónias que se consideram ainda ligadas ao colonizador.

Nascida a 21 de abril de 1926, casou aos 21 anos com Filipe, príncipe da Grécia e da Dinamarca, e foi coroada aos 25, em 1953. Teve quatro filhos, Carlos, Ana, André e Eduardo.

Só para ter uma ideia das dimensões relativas, Victória foi imperatriz de um quarto do globo, com cerca de 400 milhões de súbditos, enquanto Isabel, contando com o Reino Unido e as tais ex-colónias, só tinha 139 milhões de súbditos.

Outros dados curiosos: Isabel visitou oficialmente 116 países (Portugal duas vezes), conheceu 13 presidentes dos Estados Unidos e empossou 15 primeiros-ministros ingleses – o último, Liz Truss, dois dias antes de falecer. Recebeu em casa 63 chefes de estado (dois portugueses).

Estes são os números. Agora vamos aos factos:

Isabel não era para ser rainha, ora vejam lá as voltas que a História dá! O pai, Jorge, teve duas filhas, Isabel (Lilybeth para os íntimos) e Margarida. O irmão mais velho do pai foi coroado como Eduardo VIII em janeiro de 1936, mas abdicou logo em dezembro, para se casar com uma americana divorciada de carreira duvidosa. Foi assim que Jorge VI, que era gago (vide o filme magnífico “O discurso do Rei”) se viu no trono e Isabel tornou-se automaticamente herdeira.

Jorge fumava muito e era bastante nervoso. Morreu de cancro aos 56 anos, em 1952.

Quando se tornou rainha, o primeiro problema que Isabel teve de enfrentar foi manter a família dentro da postura que se esperava dos “royals” (abalada pelo casamento do tio) e assim atormentou a vida da irmã mais nova, Margarida, que queria casar com um militar honorável, porém divorciado. Por fim anuiu a que ela casasse com um fotógrafo plebeu, rapidamente nobilitado, mas acabaram por se separar e a princesa foi infeliz até à morte, em 2002. Tudo isto seguido de perto pelos famosamente infames jornais tablóides ingleses, que surgiram mais ou menos por esta época.

Em 1981, Isabel permitiu que o filho e príncipe herdeiro, Carlos, se casasse com um membro da pequena nobreza, Diana. Contudo, em 1992, no chamado “annus horribilis” da casa real, tudo implodiu: Carlos e Diana separaram-se, assim como André e a outra plebeia com quem tinha casado, Sara Fergusson.

Subsequentemente as duas ex tiveram umas vidas atribuladas e escandalosas – Diana namorando um egípcio duvidoso e Sara vendendo o acesso à casa real– e a rainha, à falta de melhor atitude, manteve uma postura esfíngica que não caiu muito bem entre os súbditos.

Por fim, desistiu, ou adaptou-se, aceitando a amante de Carlos como futura rainha e o casamento do neto Harry com uma actriz norte-americana de “sangue misto”.

No campo externo – isto é, fora da família – a vida de Isabel foi mais fácil, uma vez que a política do país é decidida pelo Governo e ela não tinha de fazer mais do que o Governo mandasse –, receber o ditador comunista Ceaucescu aqui, visitar o ditador português Salazar ali, inaugurar isto e aquilo, festejar aqueloutro, aparecer em tal acontecimento, e mais todas as obrigações de representatividade que se requerem à real figura.

Mas não foi, com certeza, uma vida descansada. Ao contrário das outras monarquias europeias, a inglesa ainda mantém o aparato e a pompa dos tempos do Império, com desfiles da guarda, palácios de 300 divisões, cerimónias longas, uma coroa que pesa um quilo, ceptros e arminhos.

Outro problema (que não sei, francamente, se terá sido um problema para Isabel) é o facto de que não se pode pronunciar politicamente sobre nada. Quer dizer, nem sequer sabemos se era a favor ou contra o Brexit, uma situação de vida ou de morte para o país.

Que irá acontecer agora? Bem, as cerimónias associadas ao funeral da rainha há muito que estavam preparadas pelo aparelho do Estado. Até tinham nomes de código: “London Bridge” se ela falecesse em Londres, “Unicórnio” se fosse em Balmoral.

Esperem ver multidões de ingleses a chorar compulsivamente e a colocar milhões de flores nos portões de Buckingham. E esperem ver Carlos, que teve de esperar até aos 73 anos para ocupar o lugar, todo impante com a sua Camila. Não é uma figura simpática e deveria (na minha modesta opinião e de mais uns quantos ingleses) ter passado a pasta ao filho Guilherme, o que decerto prolongaria a simpatia dos súbditos pela coroa.

Há quem diga que, depois de Isabel, a casa de Windsor cairá por si, mas não me parece. Há alguns republicanos no Reino Unido (tantos quanto monárquicos em Portugal, talvez), mas não chegam para uma mudança de regime. Nem é necessário para o país. Afinal, o Rei é o único vestígio material que os ingleses têm do tempo em que mandavam no mundo.

Quanto a Lilybeth, os palácios podem ser confortáveis, mas o escrutínio constante dos súbditos não deve ter sido fácil. Que descanse em paz.

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