Portugal e Espanha estão no mesmo barco das sanções europeias. Com números diferentes, é certo, mas sujeitos ao mesmo procedimento e à mesma pressão de Bruxelas para que tomem mais medidas para garantir a descida do défice do Estado.
Mas o alarido em Espanha tem sido incomparavelmente menor do que aquele que o tema tem suscitado em Portugal. Basta ver o tratamento e destaque que os principais órgãos de comunicação social espanhós têm dedicado ao assunto para perceber isso.
Neste caso, a diferença entre os dois países é simples: ao contrário do que aconteceu por cá, em Espanha não houve mudança de governo e o primeiro-ministro que falhou as metas nos últimos anos é o mesmo que agora está a lidar com as consequências (embora agora em governo de gestão).
A partidarização da discussão política em Portugal atinge a náusea por diversas vezes e este caso é um bom exemplo disso, com infantis trocas de acusações sobre quem é o culpado ou quem fez ou não fez o que devia para evitar as sanções.
Muito provavelmente, as eventuais penalizações de Bruxelas serão mais simbólicas do que financeiramente efectivas. Nesse sentido, elas terão mais importância para o ordenamento europeu do que para as contas de cada país. A Comissão Europeia está a tentar dar o sinal de que acabou a violação impune de regras, prática seguida em década e meia de limites ultrapassados sem penalizações aos faltosos. A partir daqui, só faltará que todos os países em situações semelhantes mereçam o mesmo tratamento.
A reprimenda oficial de Bruxelas pode, de facto, ser mais um prego no caixão da credibilidade do país junto dos mercados, dos analistas, das agências de rating e dos investidores. No fundo, junto de todos aqueles de que dependemos para financiar os défices e o cumprimento das obrigações da dívida.
Isto e as associadas condições de competitividade que o país tem ou não tem deviam preocupar-nos bem mais do que as brigas entre o PSD e o PS, que são apenas para consumo interno da opinião pública e mercado eletoral, ou entre o Governo e a Comissão Europeia sobre a necessidade de se avançar com mais medidas este ano que garantam o cumprimento das metas.
Neste caso, estamos perante o clássico braço-de-ferro mediático que terá sempre um desfecho, cedo ou tarde. Foi assim com a Grécia mas também com o esboço do orçamento português deste ano, que Bruxelas recusou e obrigou a rever. Com mais ou menos ilusão na execução orçamental, esse momento da verdade chegará sempre. Se não for agora será com a apresentação do orçamento de 2017, daqui a três meses.
Entretidos nestas discussões rascas e estéreis entre blocos partidários e com merecidos intervalos lúdicos pelo meio, já perdemos o fio ao essencial (admitindo bondosamente que alguma vez o tivemos): como saímos desta enrrascada que se vai arrastando, uma vezes melhor e outras pior, mas sem que haja uma estratégia entendível que garanta o mínimo dos padrões europeus aos nossos filhos e netos?
O mercado caseiro é curto e sempre o será, por mais rendimentos que se reponham mesmo sem que se faça a pergunta sobre como se pagam essas reposições.
O investimento, sobretudo estrangeiro e criador de novos projectos e empregos, não aparece. Não é a mesma coisa vender empresas instaladas a chineses ou angolanos ou atrair esses ou outros para construirem de raíz a fábrica, o centro de investigação e desenvolvimento ou o entreposto comercial e logístico para a Europa.
A Segurança Social é uma bomba relógio com que continuamos a brincar sem que haja um entendimento mínimo sobre o que fazer. Alegram-nos os 30 ou 40 cêntimos de aumento das pensões mínimas quando o debate devia ser sobre como vão ser pagas todas as pensões na próxima década e nas seguintes.
Da racionalização do Estado e da despesa pública deixou de se falar porque se acha que essa é uma conversa dos loucos ortodoxos de Bruxelas ou de alegados neo-liberais. É um erro. A racionalização do Estado não é um fim, é um meio. A margem de manobra fiscal que pode ser dada para atrair investimento virá dessa racionalização. Ninguém consegue pensar e executar uma estratégia se passa os dias focado no desenrascanço e na urgência do pagamento das contas que vão chegar amanhã.
É deprimente ir percebendo que não aprendemos com os erros nem nos inspiramos com exemplos que podemos ir buscar a muitos outros países. O mais clássico, salvaguardando as devidas diferenças estruturais, é a Irlanda. Foi resgatada como nós. Cresceu 26% no ano passado quando contabilizado o fluxo de investimento estrangeiro. Mas mesmo descontando esse efeito atípico, o crescimento foi de 7,8% em 2015. Porque tem um IRC muito baixo e boas condições de competitividade? Claro. Mas são eles que estão errados ou seremos nós?
Outras leituras
- Um exemplo do desleixo reinante. O mandato de Carlos Tavares na presidência da CMVM terminou há dez meses. Mas os governos não quiseram, não conseguiram ou não acharam prioritário até agora escolher e nomear um sucessor. Além do desrespeito pessoal, o que fica é o absoluto desprezo pelas instituições e pelo seu regular funcionamento, pelas condições dadas para definir e executar estratégias. Uma vergonha.
- António Guterres na ONU seria, provavelmente, a pessoa certa no lugar certo. Menos bem remunerado, certamente, mas muito mais prestigiante do que um lugar no Goldman Sachs.
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