Este não é mais um artigo de opinião sobre o acordão do Tribunal da Relação do Porto. O que está escrito na página deste Acórdão em circulação nas redes faz sentido? Não faz. Se pode representar um retrocesso à Idade Média? Pode. Até os Bispos portugueses já lamentaram publicamente as referências incorretas ou incompletas à Bíblia.

A Internet é uma ferramenta que precisamos aprender a usar para comunicar. Caso contrário, é apenas uma torre de Babel, um imenso palco para julgamentos sumários e linchamentos coletivos. O mundo está cheio de ruído e, no contexto online, o ruído é ensurdecedor.  O Information Overload Day serve para nos recordar que demasiada informação não informa e que o acesso não produz, necessariamente, conhecimento. Se pensarmos na forma como as redes sociais, as notificações, o correio electrónico, telefonemas e mensagens tomaram conta do nosso dia-a-dia, numa presença ubíqua, facilmente concluímos que precisamos reconsiderar a importância destas pseudo-conversações no Facebook.

O assédio e a violência estão envoltos numa grande vergonha, auto-comiseração, culpabilização e depreciação. Alyssa Milano pediu às mulheres para partilharem a hashtag #metoo se tivessem sentido na pele algum tipo de assédio sexual para que, desta forma, existisse alguma noção da magnitude do problema. A hashtag foi partilhada mais de 17 mil vezes no Twitter nas 24 horas que se seguiram à publicação da mensagem, mais rapidamente do que alguma vez aconteceu.

O caso Weinstein e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto são temas mais complexos do que a mera luta dos sexos quer fazer parecer, representando um contexto de juízos de valor inconsequentes, enormes desigualdades ilegais suportadas por uma conivência com um machismo latente. Weinstein usou e abusou do poder que tinha. Por cá, um triângulo amoroso acabou muito mal, com o corno e o outro a darem cabo dela. Parece uma cena de Hollywood. O verdadeiro filme é, no entanto, o film noir da violência em Portugal, deixando agressores em pena suspensa, com reincidências de final infeliz. Importa, portanto, questionar tudo o que falha na sociedade para que isto aconteça.

São as mulheres mais instruídas as que menos sofrem atos de violência porque são também estas as que têm maior independência financeira. Voltamos à informação e ao conhecimento, bem como  à forma como podem ser fatores diferenciadores na nossa vida, quer para interpretar e pensar criticamente as mensagens em circulação, mas, sobretudo, para nos colocar num patamar de independência que nos protege de potenciais assédios e agressões.

O nível educacional também está relacionado com a violência porque a força é um argumento na ausência de outros argumentos. Dentro de dias Portugal recebe um mega evento de tecnologia, no qual as mulheres não estão sub-representadas, e que tem uma política concreta anti-assédio, definindo-o de acordo com princípios simples: comentários que reforcem as estruturas dominantes relativas à identidade de género, orientação sexual, deficiência, aparência física, raça, idade, religião, intimidação, stalking, registo de imagem ou som não consentido, contacto físico desapropriado ou contacto de cariz sexual indesejado, não são toleráveis no evento Web Summit [https://websummit.com/anti-harassment-policy].

Do ponto de vista do equilíbrio do programa, se olharmos para os oradores principais do evento Web Summit, verificamos que há poucas mulheres mas, se observarmos o programa no seu todo, as mulheres estão presentes em inúmeras sessões e domínios. No que respeita a participantes, verifica-se uma diferença de 10% a mais para os homens. A este nível, a organização desenvolve, há dois anos, uma iniciativa para a promoção da igualdade de género, com a oferta de 14 mil bilhetes para mulheres, com o apoio da booking.com. A iniciativa já deu resultados e a percentagem de mulheres a participar no evento cresceu 42% nestes dois anos, transformando-o no evento global de tecnologia mais equilibrado em termos da relação entre homens e mulheres.

A área da tecnologia tem sido dominada por homens ao longo dos tempos e há uma tentativa genuína da maior parte das grandes empresas para atrair profissionais do sexo feminino. Este processo resulta, também, de uma maior literacia tecnológica por parte das mulheres, do seu investimento na educação e desenvolvimento de conhecimentos de carácter tecnológico que, seguramente, contribuem para evitar que, acórdãos como aquele de que tanto se fala, sejam escritos.

A adjectivação da sentença, em torno das ações dela, sem adjectivar as deles, explica muita coisa. De acordo com a Lei, nada deveria ser justificação para morrer à paulada. Ou será? Talvez acharmos que sim (ainda) explique os números da violência contra as mulheres em Portugal, independentemente do que a tecnologia possa fazer por nós.

Paula Cordeiro é Professora Universitária de rádio e meios digitais, e autora do Urbanista, um magazine digital dedicado a dois temas: preconceito social e amor-próprio.  É também o primeiro embaixador em língua Portuguesa do Body Image Movement, um movimento de valorização da mulher e da relação com o seu corpo.