Gucci, Prada, Apple, Adidas, Nike, Boss, Zara, Chanel, Dior, Mango, Samsung, Amazon. Os privilegiados que na Rússia se habituaram a consumir os produtos e serviços destas e outras marcas perderam agora o acesso, mesmo que online.
Também deixaram de poder ver filmes ou séries na Netflix, ou nos canais da Disney, tal como deixaram de aceder ao Facebook e ao Twitter. Igualmente deixaram de poder pôr os filhos em universidades prestigiadas no Reino Unido ou nos EUA. Passaram a estar excluídos do mercado automóvel, da Ferrari à Mercedes, da Volkswagen à Toyota: vetados por todas as marcas ocidentais e japonesas.
Os que se fizeram ricos na Rússia deixaram de poder viajar para as estâncias de luxo, ficaram sem os sumptuosos iates e sem as esplendorosas quintas (tanto vinhedo de champanhe e cognac) e mansões na Europa.
Os super-ricos da Rússia, eles e família, ficaram sem cartões de crédito e sem acesso aos cofres-fortes que tinham no Ocidente.
Essas fortunas começaram a crescer nos primeiros anos da década de 1990. Gorbachev tinha dissolvido a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e logo a seguir perdeu o poder para o impulsivo Boris Ieltsin. Este decidiu entregar o controlo das empresas antes estatais do gás, petróleo, minérios e banca a amigos que se tornaram os oligarcas da Rússia. São fortunas de milhares de milhões de dólares nas mãos de gente que julgou passar a ter poder desmedido.
No começo deste século XXI, Vladimir Putin entrou no Kremlin decidido a tomar poder absoluto e a exercê-lo por décadas. As regras do jogo mudaram: os oligarcas passaram a ter de estar de fora da política exceto para servirem Putin. Muitos aceitaram este pacto e continuaram a enriquecer em lealdade a Putin: Roman Abramovich, os irmãos Arkadi e Boris Rotenberg, Alisher Usmanov, Alexei Mordashov — ao todo, uns 120 oligarcas que são donos de cerca de 30% da riqueza da Rússia.
Julgavam-se todo-poderosos mas a caça ao tesouro deles está a ser uma das primeiras consequências da ignóbil guerra que Putin desencadeou na Ucrânia. Os governos ocidentais e do Japão estão a dar um violento golpe nas ambições dessa gente. Pagam o preço máximo por esses capitais contaminados que servem para alimentar a guerra de Putin, que o chefe russo está a conduzir sem respeito por regras que a guerra tem, como a de proibição de assassinato indiscriminado da população civil.
A fortuna dos oligarcas está a ficar cativa e pode vir a ser confiscada. A lista organizada pela Comissão Europeia em articulação com a Casa Branca tem, pelo menos, 680 nomes.
Estes oligarcas em desespero para salvar alguma coisa do muito que perderam são uma força de pressão que Putin não pode ignorar. Há entre eles muitos que já estarão a antecipar o pesadelo ainda maior que o futuro próximo pode trazer.
Putin pode vir a conquistar o território da Ucrânia, pode vir a assaltar Kiev, pode vir a capturar ou assassinar Zelensky, mas essa conquista anuncia uma tragédia para a Rússia.
Se vier a acontecer, a ocupação russa da Ucrânia vai ser confrontada com forte resistência armada em formato de guerrilha capaz de suscitar a insurreição popular.
Se Putin ocupar a Ucrânia, ficará para sempre excluído da comunidade internacional, exceto por vassalos como os que mandam na Bielorrússia e na Síria. A China, que tão pacientemente trabalhou para conquistar o reconhecimento internacional, não vai querer deitar tudo a perder por causa das alucinações do presidente russo.
Se Putin assaltar a Ucrânia, as sanções internacionais contra o regime do Kremlin implicarão a queda a pique da economia russa. A Rússia vai tornar-se um estado leproso.
Então, o que agora continua a ser apoio popular russo a Putin assente no desconhecimento da realidade, certamente vai virar-se contra ele.
A vida na Rússia vai voltar a ser o que era no tempo soviético antes de Gorbachev. Mas, agora, os russos já sabem o que é ter alguma liberdade e algum bem-estar.
Os russos habituaram-se a consumir produtos ocidentais. Por mais que as máfias do contrabando se apliquem, a maioria deixará de o poder fazer.
Os russos vão deixar, cada vez mais, de poder navegar pelo Facebook e pelo Twitter.
Os russos, não apenas os ricos, também os de classe média, vão deixar de poder desembarcar em voos charter nas praias de França, Espanha, Itália e Grécia. Também nas do Algarve.
Os russos vão deixar de poder puxar pelas equipas e pelos atletas do país em competições desportivas internacionais, a começar pelo Mundial de futebol no Qatar, porque o mundo os baniu.
As gerações mais antigas, sobretudo na imensa Rússia rural, que só têm acesso às notícias da televisão oficial, vão continuar a acreditar que tudo está a acontecer por causa de uma conspiração ocidental contra a pátria russa.
Mas o sistema de controlo de informação pelo Kremlin não vai conseguir ocultar e manipular tudo. Quando começar a constar que se acumulam os caixões de soldados russos mortos na frente ucraniana, as mães russas vão voltar a levantar-se em protestos como já fizeram no tempo das guerras na Chechénia e no Afeganistão.
Há na Rússia muita gente que já nestes dias está a mostrar grande coragem e que merece toda a admiração. São os milhares de russos que, desafiando a repressão e a cadeia, em dezenas de cidades, de São Petersburgo e Moscovo a Novosibirsk, na Sibéria, estão a manifestar-se contra o que nem podem qualificar de guerra porque o regime impõe que se designe por "operação militar especial". Só neste fim de semana mais de 4.000 foram detidos, elevando para mais de 10 mil os russos levados pela polícia por protestarem nesta dúzia de dias que tem a guerra.
É óbvio que estes protestos não bastam para fazer parar a insana aventura em que Putin meteu a Rússia. Mas mostram que há brechas na muralha de aço de Putin.
Nestes últimos anos, o Kremlin restringiu progressivamente o espaço vital da sociedade civil na Rússia. Atacou a informação independente (a Rádio Eco de Moscovo, fundada no tempo da Glasnost e da Perestroika, calou-se há uma semana) e a oposição política (Navalny está preso depois de ter sido envenenado).
Por agora, o sistema de Putin está a conseguir controlar dentro da Rússia a narrativa sobre a guerra. Está a conter as notícias sobre o número de baixas e o impacto das sanções. A maior parte da população russa está submetida ao discurso de propaganda sobre a “desnazificação” da Ucrânia, sobre a ameaça da NATO e sobre a ilegitimidade dos governantes em Kiev.
Por agora, só uma minoria dos russos tem argumentos para desmontar estas mentiras.
A escolha do povo em eleições deve ser respeitada. É um facto que Putin foi eleito pelo povo russo.
Mas o regime de Putin está a deter quem protesta, prende a oposição, manda matadores para assassinar dissidentes, censura a informação, ataca e invade uma nação independente, ameaça o Ocidente com arma nuclear. Está a cometer crimes de guerra.
São violações à liberdade e à democracia que legitimam a ingerência: que se faça tudo para parar a guerra e impor a paz. Não se vê que possa haver paz consolidada com um ditador assim.
Não há ilusões sobre a possibilidade de estar no horizonte o derrube de Putin num golpe palaciano. Mas este homem é uma perigosa ameaça à segurança das pessoas.
Parece ser tempo de a comunidade civilizada de nações investir para ajudar a Rússia a libertar-se do ditador Putin.
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