Por mais que os nacionalismos, que continuam fortes no continente, digam o que os países mais “fortes” (no sentido económico) são vários - França e Itália, Espanha e por aí fora - não há dúvidas que a Alemanha ganha em PIB e exportações . A indústria germânica tem uma excelente qualidade e “Made in Germany” continua a ser uma garantia de luxo.

Agora, de repente (porque estávamos distraídos), vemos que esta pujança contem fragilidades, e se têm vindo a agravar nos últimos anos. A produtividade, por exemplo, não pára de descer e a inovação é baixa para um país essencialmente industrial. Uma razão para isto prende-se com o facto de os alemães preferirem pequenos aperfeiçoamentos incrementais a mudanças radicais, e também porque perderam a corrida informática. Por exemplo, embora tenham uma população 60 vezes maior do que a Estónia, só desenvolveram 15 vezes mais “Unicórnios” (startups privadas com valor superior a mil milhões de euros).

Na era pós-industrial, a Alemanha quase pode ser considerada um “país em desenvolvimento”. Um bom caso de estudo é o sector automóvel; a precisão mecânica e a durabilidade, que sempre foram consideradas referências, hoje em dia foram substituídas pela informática e pela eletrificação. Antes, o comprador queria saber quantos cavalos tinha o motor e qual a velocidade máxima; agora quer painéis interativos e automatismos digitais.

Os automóveis alemães já não são o que eram

A Volkswagen, pela primeira vez em 87 anos, está a fechar fábricas e vai despedir 30.000 trabalhadores. A China, que importava milhares de carros alemães, agora é um exportador. A solução de fabricar carros alemães na China resolveu o problema por algum tempo, mas não dá emprego aos alemães. Aliás, a China cujas importações germânicas aumentaram 34% entre 2015 e 2020, agora só compra 6% de tudo o que a Alemanha exporta.

A energia, fundamental para a indústria, sofreu aumentos de custo extraordinários desde que a Rússia deixou de ser o principal fornecedor (por causa da guerra na Ucrânia) e que são impossíveis de compensar com produtividade. O custo da energia é atualmente o dobro da França, embora a produção industrial tenha parado de crescer em 2018.

Ou seja, a Alemanha está a passar por aquilo a que se chama “desindustrialização”.

Um outro aspecto limitativo é a obsessão de Bona com o défice nacional; a constituição limita-o a da 0,35% da produção. Este travão vem dos tempos de Angela Merkel (e nós, portugueses, apanhamos por tabela) mas já não faz sentido num mundo em que a globalização está a contrair e o país já não pode contar com a dívida alheia (obtida pelas exportações e empréstimos) para compensar.

Por outro lado, o investimento público teve de se desviar da manutenção das estruturas (estradas, pontes, caminhos de ferro, etc) para ser aplicado à indústria militar. Já foram atingidos os 2% exigidos pela NATO (leia-se, pelos EUA) mas vai ser necessário aumentá-lo face à ameaça russa.

A economia vai contraír 0,2% pelo segundo ano consecutivo.

Em cima de tudo isto, a crise política, provocada, entre outros fatores pela tibieza do chanceler (primeiro ministro) Olaf Scholz. A coligação dita “semáforo” (por ter três cores, sociais-democratas, verdes e democratas-livres) acaba de se desfazer com a demissão do ministro das finanças, Christian Lindner, dos democratas-livres e estão marcadas eleições para fevereiro. O resultado é imprevisível, dada a subida assustadora dos dois partidos de direita radical, mas o certo é que Scholz não conseguirá uma coligação para continuar a governar.

E em janeiro é empossado Donald Trump, o fanático das taxas de importação, o que só pode ter um efeito negativo no mundo, na Europa e, evidentemente, na Alemanha.

Que o mundo está a mudar - agora, no resto deste ano e em 2025 - ninguém tem dúvidas. O que não se esperava era que a Alemanha, a terceira maior economia do mundo, sofresse tanto com essa mudança.

Nós, aqui, na outra ponta da Europa (geografica e economicamente) só nos resta ir a pé a Fátima. Os milagres acontecem!