É difícil definir Arte. Para o vulgo, é um objecto - pintura, escultura, etc - atraente, decorativo e que é preciso talento para fazer. Para os intelectuais é um objecto original, isto é, que nunca tinha sido feito antes, e que desperta sensações que não seriam possíveis sem a sua existência. Em termos filosóficos há muitas definições, todas certas e todas incompletas: Arte é tudo o que o desperta uma sensação inédita no observador; é a produção de formas que materializam um ideal de beleza e harmonia; é a expressão da subjetividade humana.

Enfim, podia encher aqui várias páginas de definições que agradariam a uns e desagradariam a outros. Porque aquilo a que uma pessoa chama de “Arte” varia com a cultura da pessoa, tanto a sua cultura pessoal como a cultura onde vive, e é sempre discutível. Há quem ache Pablo Picasso o maior artista de todos os tempos e há quem use o termo “picassada” para definir uma pintura que não se percebe nada e não tem qualquer valor. A Mona Lisa de Leonardo da Vinci é um quadro indiscutível para a cultura “ocidental” e apenas a representação de uma pessoa antiga para outras culturas.

Todavia, e um tanto grosseiramente, tudo o que é considerado difícil de executar, ou dá muito trabalho, ou exige aprendizagem especializada, é considerado Arte. Basicamente, uma pessoa reconhece com Arte uma coisa que não seria capaz de fazer e que portanto só está ao alcance de um “artista”.

Também é universal que a Arte passa por vários períodos, e isto não diz respeito apenas aquela que se pendura nas paredes, mas também à música, à arquitectura, aos automóveis, utensílios domésticos, dança, decoração, etc. etc.

Outra coisa é o chamado “mercado da Arte”, ou seja, o valor que as pessoas estão dispostas a pagar por uma peça que consideram artística, mais que não seja porque não seriam capazes de a fazer e têm de comprá-la. E, também, porque a consideram bela e dão um valor pecuniário a essa beleza. Este “também” é essencial, porque é o valor pecuniário que estabelece o mercado. Pode encomendar-se ao artista, comprar algo que ele já tem feito, oferecer ou - e é esta parte que nos interessa - arrematar a peça de arte num leilão.

Expõe-se a peça, que pode ser um quadro, ou um edifício, ou uma trotinete, e as pessoas dizem quanto estão dispostas a pagar por ela. Quem pagar mais, fica com ela.

Aqui o leitor já deve estar pensar porque é que dediquei tanto tempo para explicar coisas que já toda a gente sabe, como se ele leitor fosse uma criança. Mas não desista de ler, porque este arrazoado serve para esclarecer - ou confundir -, porque razão é que na semana passada foi leiloada uma banana colada com fita-cola à parede por 6,2 milhões de dólares (5,8 milhões de euros ao câmbio atual).

O leilão decorreu na conceituadíssima empresa Sotheby’s. O comprador foi o arquimilionário chinês Justin Sun, que anunciou no X - para aqueles que não foram ao leilão e para que todo o mundo soubesse -  ter pago os 6,2 milhões em criptomoeda. Também disse que logo a seguir tinha comido a dita banana, mas que isso não tinha qualquer importância, porque colou outra banana igual à parede - exactamente a 1,60m de altura do chão - e portanto a obra continua intacta.

No X (ex-Twitter) Sun postou o seguinte: ”Isto não é apenas uma obra de arte; representa um fenómeno cultural que faz a ponte entre os mundos da Arte, dos memes e da comunidade criptomonetária. Acredito que esta peça irá inspirar mais ideias e debates no futuro e tornar-se-á parte da História. Nos próximos dias comerei a banana como parte desta experiência artística única, honrando o seu lugar na História e na cultura popular. Fiquem atentos.”   

créditos: Peter PARKS / AFP

A peça chama-se “Comediante” e foi concebida em 2019 pelo artista italiano Mauricio Catelan, conhecido pelos seus trabalhos inusitados, como uma sanita em ouro maciço, “America”, e um Papa deitado no chão com um meteorito em cima, “A Nona Hora”.

(Para quem está dentro das andanças da Arte podemos dizer que Jeff Koons é um conservador.)

Há quem diga que o mercado da Arte atingiu valores escandalosos, não tanto pela beleza das peças, mas porque é um investimento sempre lucrativo e um símbolo de estatuto para os multimilionários. É verdade. Mas estamos a falar que quadros como a “Mona Lisa”, avaliada por baixo em mil milhões de dólares, ou o “Salvatore Mundi”, do mesmo Leonardo da Vinci, vendido em 2017 por 450 milhões de dólares a Mohammed bin Salman.

(A “Mona Lisa” não está à venda, nem se imagina quando valeria se fosse leiloada…)

Mas então, estes e outros valores pornográficos referem-se a obras de arte únicas, feitas num período específico, inimitáveis, por artistas de renome universal. Como o “Horta com ciprestes”, de Van Gogh, vendido pela Christie’s por 117,2 milhões de dólares em 2022.

Mas se o mercado da Arte atinge estas quantias fabulosas porque os ricos não têm onde gastar mais dinheiro e precisam que toda a gente saiba que são ricos, e isso é um insulto à humanidade (aos pobres, aos esfomeados, aos outros 99%), o que dizer duma peça que não pode ser arte de maneira nenhuma - aliás, sabe-se que a banana foi comprada a um vendedor de rua por 75 cêntimos - e que atinge um valor milionário porque alguém disse que é Arte?

Ah, é verdade, uma teoria afirma que TUDO é arte. Assim talvez já faça sentido. Inclusive, a Arte de comer uma banana. É preciso abri-la pelo lado oposto ao pé, como fazem os macacos, depois puxar a casca em fatias para baixo. Garfo e faca, nunca.

Pronto, agora já sabem como consumir Arte. Mas não abusem!