Ainda houve a ilusão ingénua de que o Trump presidencial, perante a realidade do poder, ao sentar-se diante do quadro com a figura de George Washington numa parede da Sala Oval, pudesse afastar-se das barbaridades ditas pelo provocador The Donald de campanha. Engano, já é evidente. Ele mostra-se ainda pior do que o imaginável. As entrevistas gémeas ao Bild e ao Sunday Times revelam até que ponto é inquietante o risco enorme de Trump com os comandos dos EUA.
Trump não está sozinho na sua demagogia simplista e perigosa. Esta produz efeito de contágio. Ao declarar-se em convergência com os soberanistas anti-europeus, coloca-se à cabeça da vaga populista e isto num ano crucial para a Europa em que, em sucessivas eleições, na Holanda, em França e na Alemanha, o confronto principal não vai ser entre visões de esquerda e de direita, mas em torno da linha dura sobre os migrantes, da moeda única e das instituições europeias. Trump, ao incitar os parceiros europeus para que sigam o exemplo britânico e deixarem a União, procura agravar a fratura aberta na sociedade europeia. Os anti-establishment têm no primarismo de Trump um megafone. O que ele está a fazer é a adoptar o discurso de Le Pen.
Torna-se evidente que para a personagem que vai entrar na Casa Branca, a Europa e a China são os adversários principais. Ele prefere entender-se com a Rússia de Putin. A hostilidade com Pequim está cheia de riscos. A tensão que Trump está a gerar perante a China ameaça pôr fim a uma era em que foi possível avançar com acordos multilaterais, por exemplo para combater as alterações climáticas. Os esforços para estilhaçar a União Europeia visam colocar os EUA em posição dominante, impondo acordos bilaterais aos diferentes países, que ele deseja isolados, portanto mais frágeis, fora de um bloco, frente aos Estados Unidos. A divisão é a palavra chave para a criatura que joga tudo na opção “America First”. Ele pretende sabotar a União Europeia.
Estamos perante um mundo diferente, que sobressalta. As desavenças vão multiplicar-se. As relações transatlânticas estão sob ameaça de tempestades.
Tudo por causa da criatura que vai entrar na presidência dos EUA. Ele faz lembrar um madman kitsch ao volante de um reluzente espada descapotável, clica constantemente no cláxon e grita insultos e barbaridades. Como escreveu um editorialista do The New York Times, ele é um homem de um só parágrafo porque lhe falta consistência para acrescentar o segundo. Com o Twitter na ponta do dedo, grita umas coisas mais ou menos racistas e xenófobas, mostra desprezo pelo vizinho, misoginia estúpida e narcisismo infinito. Em negação da realidade da crise do clima que ameaça o planeta. Sempre pronto para intoxicar e para alimentar a máquina das polémicas. É perigoso porque tem poder e tem falta de respeito pelos outros.
É de esperar que a Europa se ponha de pé, firme, unida, solidária, com voz tão grossa quanto necessário, perante esta criatura.
VALE VER:
Como será o mundo em 2022? The Atlantic publica as previsões geopolíticas de peritos de serviços americanos de prospectiva. Este cenário de confrontos é um susto. Daqui a cinco anos.
Alerta para a onda de frio que está a chegar: já está a nevar à beira do Mediterrâneo, em Valência. Sensação térmica de 30 graus negativos em lugares na Península Ibérica?
O formidável prazer de ler a palavra escrita em papel.
Consola constatar a solidariedade sem precedentes do mundo do espectáculo nos EUA, perante Trump.
Três primeiras páginas escolhidas hoje: esta, também esta e esta (mesmo que seja preciso procurar o sentido).
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