As despedidas são parte importante de um convívio. Cada vez que um português agenda um evento social, tem de contar necessariamente com, pelo menos, uma hora a mais para adeusinhos. No mínimo, sessenta minutos para se perder naquele limbo cordial antes de se ir embora, enquanto se vão introduzindo mais dois ou três temas para adiar o adeus final.

Quando a situação se torna dramática e a despedida se arrasta há horas, os bodes expiatórios dos que se querem realmente pôr na alheta são muitas vezes os filhos bocejadores que os acompanham. Quem tem filhos bocejadores tem muito mais facilidade em abandonar eventos sociais. Estudos concluíram que os millennials só andam a produzir descendência precisamente para este efeito.

Há um certo fatalismo dos portugueses com as despedidas. Dentro do povo anglo-saxónico, tenho a ideia de que a frase “I got to go” é respeitada, sem grandes inquirições. A pessoa anuncia que tem de se ausentar, o interlocutor compreende, e toda a gente segue a sua vida. Agora, em Portugal, “ter de ir”, só pode ser mau sinal. “Tenho de ir” é uma frase com enorme carga negativa. “Ter de ir” comporta alguma tragédia, revés, contratempo, plot twist real na vida de quem o anuncia. Por isso é que “têm” de ir. Porque lhes morreu um tio, porque rebentou um cano em casa, porque o regime caiu. Apenas uma contrariedade deste género poderia “obrigá-los” a abandonar um convívio. A sua simples vontade de ir embora não chega e se for assim revelada será claramente vista como insultuosa. Em Portugal, caso não haja motivo de força maior, não é permitido às pessoas ir, apenas ir andando. A Lei é clara.

Quem tem pressa é votado ao ostracismo. Ter pressa é insultar o propósito do convívio. Ter pressa é revelar ser um execrável misantropo. Tanto que se forçam as pessoas que avisam à priori que têm de ir embora mais cedo, a despedirem-se de todos os convivas, um a um. Uma merecida walk of shame para alguém desprezível que abandona o evento porque tem, veja-se o desplante, “coisas mais importantes a fazer”.

O português não tem timing para sair. Dos almoços que se estendem até ao jantar, até os convivas que se deixam ficar até à hora das televendas, culminando o ritual de despedida interminável e repetido vezes sem conta, “já me despedi de ti? Ora, vai mais um beijinho. Aqui? Passou bem. Mais uma vez, muito-gosto-o-prazer-é-todo-meu-eu-é-que-agradeço-ora-essa-estava-tudo-muito-bom-pena-é-que-tenhamos-de-ir-já-mas-sabe-como-é-que-são-as-crianças”. Tudo isto me faz ter dúvidas se os portugueses terão um grande apego aos amigos ou se serão apenas burocratas emocionais com medo de ficar mal.

E é com esta dúvida que me despeço dos leitores. Vou ter, vou ter mesmo de ir. Claro, estava tudo excelente. Vou começar por aqui, beijinhos! Beijinho. Muito prazer. Diz-me. Não, não, estou com a Mégane. É, tem mais espaço. É isso, Jorge, olha sempre bom ver-te. Beijinhos, minha querida. Campeão, esses estudos? Temos de ir ver o Benfica juntos. Dá um beijinho à tua mãe, vá. Bom, é desta. Camaradas, uma boa noite, não consigo ir a todos! Não! Não fico nada para um digestiv… eu tenho 300km pela frente, pá! Eu mando mensagem, sim. Não, Jorge, isso é trabalho, falamos depois! Vou-me pirar! Não, não quero nada levar pão-de-ló.

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Esta nova música de Childish Gambino.