A escrita levou a humanidade a passar por três revoluções. Foram revoluções lentas, com a possível excepção da terceira, aquela que estamos a viver. Nenhuma delas — diga-se — está terminada.

A primeira revolução foi a própria invenção da escrita. Os seres humanos viveram muito tempo com línguas e ainda com a possibilidade de desenhar o mundo (nas paredes das cavernas, por exemplo). A escrita surgiu quando alguém se lembrou de juntar essas duas tradições. 

Numa espécie de jogo, um contabilista sumério usa o desenho de uma cana para representar o conceito abstracto de reembolso — pela simples razão de «cana» e «reembolso» se dizerem da mesma maneira em sumério. Está inventada a escrita — uma invenção que terá ocorrido em vários locais do mundo: pelo menos, na Suméria, no Egipto, na China e na Mesoamérica. 

A possibilidade de registar facilmente o que acontece revolucionou a administração dos reinos e impérios e deu-nos a possibilidade de contar histórias aos humanos do futuro. No entanto, a larguíssima maioria da população, nestes últimos 5000 anos, não sabia ler e escrever. Mesmo no Império Romano, poucos liam e só uma minoria ainda mais restrita conseguia ter acesso à possibilidade de escrever.  

A segunda revolução foi a explosão — não a invenção, que é mais antiga — da imprensa na Europa e, depois, no mundo, a partir do século XV. De repente, com uma máquina fácil de construir, conseguíamos reproduzir o mesmo texto uma imensidão de vezes. Em vez de laboriosas cópias manuais, a máquina lançava ao mundo livros inteiros em centenas ou milhares de exemplares. Foi a invenção da publicação. Com os séculos, esta revolução levou a leitura a uma grande parte da população, mudando a História para sempre. Quantas revoluções, guerras e invenções não foram alimentadas pelo fogo da escrita...

Nos últimos 100 anos, vivemos algo inédito: pela primeira vez, mais de metade da população do mundo (com grandes diferenças entre sociedades) sabe ler e escrever. Ora, nas últimas décadas, este facto estatístico, aliado a desenvolvimentos tecnológicos que todos conhecemos, foi a base da terceira revolução: se já temos a tecnologia (a primeira revolução), se já temos a possibilidade de levar a leitura a muitas pessoas (a segunda revolução), agora estamos a entrar num mundo em que todos escrevem. A nossa vida está inundada não só de leitura, mas também de escrita. 

Em vez de termos uma classe de pessoas preparadas intensivamente para escrever — os vários escribas de tantas épocas —, agora todos nós não só sabemos, como precisamos de ler e escrever para viver. 

É também por isso que muitos têm a sensação de que hoje todos escrevemos mal — a questão é que todos escrevemos e fazemo-lo continuamente. Ora, escrever é difícil: a invenção é recente e não temos a propensão natural para aprender a escrever como temos para aprender a falar. Essa dificuldade da escrita é bem mais visível hoje do que num mundo em que apenas uns poucos dominavam a arte — e ainda tinham editores e revisores a corrigir e a moldar o texto. Os textos que passam por esses processos são, agora, uma gota no oceano de escrita e leitura em que vivemos. Podemos passar todo um dia em casa a usar as línguas que temos na cabeça — sem abrir a boca! Este facto é banal para nós, mas extraordinário para qualquer pessoa do passado. 

Estamos, no fundo, a aprender a viver num novo mundo. Somos animais que falam — e, agora, somos animais que escrevem. 

A história mais desenvolvida das três revoluções está no meu livro mais recente: Atlas Histórico da Escrita.

Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras.