A COP29 está a decorrer em Baku, capital do Azerbaijão, 20.º maior produtor mundial de petróleo, a sua maior fonte de riqueza. É assim como as raposas fazerem uma reunião no galinheiro para decidir quantas galinhas vão comer por ano.
Mesmo assim já é um avanço em relação ao consumo de galinhas, uma vez que a COP28 decorreu o ano passado em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o oitavo maior produtor mundial de combustíveis fósseis. (A próxima, COP30, será em Belém, no Brasil, o nono maior produtor mundial.)
Esta escolha de países impróprios para defender os objetivos das COP por dependerem da não realização desses objectivos para prosperar não é casual nem única. O mesmo se tem passado pelas cimeiras de outro órgão das Nações Unidas, o Conselho dos Direitos Humanos. Em 1968 a cimeira foi em Teerão, ainda no tempo do Xá. Este ano estão a decorrer cimeiras em Chengdu, China e em Riad, na Arábia Saudita, dois países cujo currículo em Direitos Humanos não precisamos de explicar. E no dia 10 de Outubro a Assembleia Geral nomeou para o Conselho Permanente de Direitos Humanos (cuja sede é em Genebra) novos membros, que incluem o Burundi, China, Cuba, Gana e Kuwait, todos destacados defensores dos direitos instituídos em 2006 pela Assembleia Geral em Nova Iorque.
Mas voltemos às Alterações Climáticas. A primeira COP decorreu em Berlim, em 1995. O primeiro acordo para medir as causas das alterações climáticas e ambientais do planeta foi feito da Conferência de Kyoto, em 1997.
Tudo isto dentro dum processo intitulado Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (UNFCCC), assinada por 154 países em 1992 e institucionalizada no Rio de Janeiro em 1994, na chama da “Cúpula da Terra”. A partir daí passou a haver reuniões de cúpula anuais, com o objectivo de reduzir a emissão dos gases de estufa que provocam o aumento de temperatura no planeta, com consequências negativas várias e que poderão levar, em último extremo, à extinção da vida (lá para o fim do século, segundo os cálculos mais pessimistas, ou então nunca, segundo os mais optimistas).
Depois de muitas discussões, voltas e contra-voltas, chegou-se finalmente ao Acordo de Paris, em 2015, assinado por 196 países. Dos países significativos, só não assinou o Irão. Resumidamente, o acordo diz que é preciso limitar a emissão de gases de estufa (produzidos pela queima de carvão, petróleo, gás e outros produtos em menor escala) de modo a que a temperatura média na superfície terrestre não ultrapasse em 1,5.º Celsius, a temperatura dos tempos pré-industriais, isto é, de meados do século XIX. Há medições credíveis desde 1880.
Em termos gerais, os obstáculos para chegar a este objectivo são diferentes para os países industrializados e os subdesenvolvidos. Enquanto os primeiros precisam de aplicar técnicas de contenção do carbono, muito caras, e reduzir as emissões em geral, os segundos não têm fundos nem tecnologia para efectuar a transição para fontes não poluidoras. A expectativa é que os desenvolvidos cumpram as suas obrigações e subsidiem os segundos para fazer o mesmo.
Fora estes problemas estruturais, diversos problemas políticos entravaram a marcha para o clima limpo, desde o abandono do protocolo durante dois anos pelo Governo Trump até à oposição dos agricultores europeus em não usar pesticidas químicos, passando pelos efeitos altamente poluentes de duas grandes guerras e muitas guerras pequenas. Alguns entraves ainda não foram devidamente resolvidos, como o uso intensivo de plásticos “eternos” - se repararmos melhor, vemos que um bife que tem um tempo de vida no frigorífico de duas semanas embalado numa caixa de plástico que leva milhares de anos a desfazer-se na paisagem.
Além das dificuldades inerentes ao que podemos chamar sinteticamente de oposição entre vida fácil e vida saudável (usar transportes públicos elétricos em vez de carros a gasolina, por exemplo) contam muito os interesses económicos das mega-empresas que vivem essencialmente de vender produtos e sub-produtos dos combustíveis fósseis, além dos países que só são viáveis vendendo-os a terceiros. A tudo isto soma-se a hipocrisia e as mentiras das entidades e pessoas que dizem uma coisa - vamos reduzir - e fazem outra - toca a aumentar. Há também, ao nível teórico e científico, aqueles a que chamamos “climate deniers” (negacionistas do clima, em tradução livre), especialistas que acham que realmente não há razões para nos assustarmos. Esses teimosos têm sido desmentidos pelos factos inegáveis: subida do nível das águas oceânicas, aumento de intensidade dos fenómenos meteorológicos devastadores (tufões, incêndios) e subida das temperaturas extremas.
Um dos objectivos do Acordo de Paris era não ultrapassar o malfadado limite de +1,5.º C até 2030 - mas os observatórios registaram que já lá chegamos este ano de 2024, que também foi o ano com temperaturas médias superiores a todas as registadas anteriormente. Quer dizer, promessas para cá, iniciativas para lá, falhamos redondamente o caminho para a salvação.
Podemos voltar atrás? Podemos, a questão é querermos. As catástrofes crescentes a que somos sujeitos - furacões, corais e vida animal a morrer, colheitas a estiolar, temperaturas a matar os mais frágeis - são factos inegáveis. Como é inegável que tem sido feito pouco e tarde demais.
Assim sendo, o que se vai decidir nesta COP29? O que já se decidiu em todas as COP anteriores, certamente. E se irá decidir nas COP seguintes. Agora, como se costuma dizer, a teoria na prática é outra coisa.
Talvez seja porque quem poderia realmente fazer diferença ache que estará a salvo do cataclismo.
Ou talvez sejamos realmente mais estúpidos do que estamos dispostos a admitir.
Este texto está escrito segundo o antigo Acordo Ortográfico
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