O homem entrou no café como se arrastasse um cansaço centenário e avisou: “Acho que estou com Covid”. Ninguém pareceu perturbar-se com o assunto. A empregada quis saber se comeria o de sempre, e se o café seria logo ou no fim da refeição. O homem voltou a dizer, para a geral, que talvez fosse Covid. Apesar das vacinas e tal, sente uma dor de cabeça, está entupido, dói-lhe o corpo. E tem tosse. Uma senhora deixou-se ouvir: talvez o melhor fosse fazer um teste. O homem encolheu os ombros, infeliz.

Eu fiquei a pensar que há um ano, com um anúncio desta natureza em pleno café, lugar público por excelência, a malta arredaria as cadeiras em pânico e escaparia pela porta rapidamente, evitando respirar, contendo todas as células: o homem tem – ou pode ter – Covid!

Agora…? Não se vê uma máscara, não há dispositivos rápidos de acesso a álcool gel. É como se nada fosse. Eu tenho pavor de voltar a ter Covid, admito. Passei mal, ainda agora sinto que um certo cansaço se instalou, e não tenciona abandonar-me tão cedo. Já não contabilizamos quem é diagnosticado, está tudo bem, a vidinha segue.

Dizem que este inverno será severo e que precisamos de ter atenção às gripes e à Covid, mas este já aparece depois das ditas gripes, por isso a desvalorização parece-me evidente. Teremos uma memória fraca ou simplesmente optamos por viver, depois dos confinamentos que traumatizaram muitos de nós? Sou a favor de viver em pleno, em grande, se possível, que é como quem diz, com saúde e alguma bonomia. Mas assusta-me a experiência radical e intensa do medo, face ao vírus e respectivas mutações, e este desleixo ou lá o que seja, de querer fazer parecer que já não é grave. É grave, pode ser muito grave.

Hoje, o homem não apareceu no café. Deve estar de molho, disse a empregada. E continuou a servir cafés e torradas.