Na desafiante tarefa de ser pai ou mãe, surgem frequentemente muitas questões sobre o quão bem estarão a educar os seus filhos. Actualmente, com a disponibilidade enorme de informação (nem toda ela séria e de confiança), é natural que muitos pais se sintam perdidos sobre que linhas seguir ao lidar com as suas crianças.

Quando os meus pacientes adultos chegam à consulta e me trazem questões relacionadas com os filhos há inevitavelmente algumas perguntas que me surgem automaticamente:

  • Que crianças foram estes pais ou mães?
  • Como foram educados e o que aprenderam com os exemplos (melhores e piores) dos pais/figuras de vinculação que tiveram?
  • Que crenças trazem sobre o que uma criança deve ser, fazer e/ou sentir?
  • O que sabem sobre o desenvolvimento (cognitivo e especialmente emocional) de uma criança?

Este tema é para mim, muitas vezes, mais complexo do que “apenas” fornecer algumas indicações comportamentais que os pais devem seguir. Até porque me interessa que construam dentro deles a sua própria bússola de parentalidade, ajustada aos seus valores, sem depois estarem constantemente dependentes de profissionais de saúde. Interessa-me trabalhar também alguma confiança, num papel que tantas vezes coloca dúvidas e incertezas.

É importante que tenhamos em conta que durante muito tempo (e em alguns casos ainda hoje acontece), as crianças eram vistas como “mini adultos”. O que era esperado deles era que se “portassem bem” (seja lá isso o que for para cada pai/mãe) e que emoções ou reacções mais explosivas ou desagradáveis não fossem expressadas, com o objectivo de que, ao “não pensarem mais nisso”, as emoções simplesmente desaparecessem. Sabemos hoje que não é o que acontece. Quando não expressamos uma emoção, ela não desaparece simplesmente, continuando dentro de nós e muitas vezes sendo até intensificada. 

Basearmos a educação em “engolir” emoções traz muitas vezes (quase sempre, na verdade) consequências bastante complicadas ao longo da vida. 

Sendo esta, uma geração de pais que foi educada com alguma dose desta filosofia, naturalmente se não conseguimos lidar bem com as nossas emoções desagradáveis, porque nunca o aprendemos, como vamos ensinar os nossos filhos a fazê-lo? Como vamos lidar com as emoções deles, quando elas estiverem em bruto como as nossas, na nossa infância, em algum momento estiveram?

É por estes motivos que acredito profundamente que cuidar dos pais (ajudá-los a lidar com as suas emoções/padrões de funcionamento enquanto adultos, perceberem como podem transformar formas de reagir, permitirem-se sentir emoções desagradáveis) os vais tornar muito mais disponíveis para empatizar com as emoções e até com as dificuldades e desafios dos seus próprios filhos. 

O que ouvimos ao longo da vida e a forma como fomos educados origina em nós crenças que podem ser perigosas para o desenvolvimento das crianças, como são exemplo as duas seguintes:

“Não podes ter medo, tens de ser corajoso/a” – O medo é uma emoção altamente adaptativa e protectora, existe para a sobrevivência da espécie e é comum a todos os mamíferos. Quando estamos a falar de uma criança, que está a aprender a lidar com este mundo complexo cheio de regras, estímulos, pessoas e lugares, é bastante natural sentir-se assoberbada e com medo. É até bastante inteligente que o faça e poderá ser um sinal para os pais que precisa que estes lhe dêem segurança e a apaziguem nos seus receios. Dizer aos seus filhos algo como “Sei que estás com medo, queres falar um bocadinho sobre o que te assusta?” ou “Estás com medo, queres um abraço? Já vemos juntos o que fazer depois.” pode dar-lhe a segurança, permissão e o colo para acolher saudavelmente essa emoção. Faça-se a si mesmo também as seguintes perguntas: Como lida enquanto adulto/a com os seus medos? Como se lembra de ter lidado com o medo quando era criança? E como lidaram os seus pais com os medos que tinha em pequeno/a?

“Gritar ou fazer uma birra é portares-te mal!” – As birras (ou outros comportamentos explosivos) são manifestações emocionais abruptas, normalmente em resposta a necessidades ou desejos não satisfeitos. As crianças especialmente as mais pequeninas têm ainda bastante dificuldade em gerir a sua frustração e por isso quando querem alguma coisa, ficam na expectativa de que lhes seja dado. Muitas vezes, não percebem porque é que em alguns momentos podem ter o que desejam e noutros não. É fundamental o pai ou a mãe estarem conscientes disto para lhe poderem, mais uma vez, ir dando a estabilidade e segurança necessária para que a criança expresse a sua necessidade e lhe seja colocada e sobretudo explicada a regra em questão. Aguardar pacientemente (mesmo que seja difícil para si, pai ou mãe) que a criança integre a informação, repetindo com calma as vezes necessárias que compreende que ela se sinta assim, mas que não é possível ele/a ter neste momento aquilo que deseja. Se uma birra da criança origina a retirada emocional do adulto, seja por ignorar o comportamento desta ou por invalidar ou punir o seu espaço de expressão, a criança pode começar a sentir-se abandonada ou castigada quando está a sentir emoções muito intensas e isso desenvolver nela outro tipo de questões mais tarde. Claro que, cada caso é um caso, mas poderá valer a pena enquanto adulto refletir:  Como é que se sente quando a criança faz uma birra? Que emoções isso desperta em si? Permite-se enquanto adulto ficar zangado ou frustrado explicitamente e de forma saudável? Se as explosões de zanga e frustração são naturais na criança, quando acontecem num adulto já podem significar que estarão a ser reprimidas e acumuladas. O choro e a birra muitas vezes são a única forma que a criança tem de comunicar zanga ou frustração e isso deve ser saudavelmente permitido, mesmo que o adulto tenha algumas dificuldades em lidar com isso. 

Atenção que, com tudo isto, não estou a descartar o facto de existirem dificuldades ou quadros de sintomas nas crianças que precisem ser avaliados por profissionais de saúde. Estou apenas a dar esta perspectiva que pode por si só ajudar a compreender em si, pai/mãe, a dificuldade em lidar com determinado comportamento do seu filho/da sua filha porque toca emocionalmente em zonas que para si são sensíveis. 

Reprimir as emoções de forma continuada traz frequentemente complicações a longo prazo. E por isso, precisamos cuidar dos pais e das mães que não se permitem sentir medo (para que não evoluam para crises de ansiedade ou ataques de pânico), que não se permitem zangar (para prevenir acessos de raiva que não conseguem controlar) ou que não aceitam que estar triste faz parte em alguns momentos da própria vida (cuja repressão pode evoluir depois para quadros depressivos).

É importante saber que, enquanto mamíferos, sintonizamos o nosso sistema nervoso com o da nossa família de origem e isso traz-nos algumas questões. Antes de nos aprendermos a regular e acalmar sozinhos, aprendemos a regular-nos com o apoio, ajuda e sistema nervoso dos nossos cuidadores, chama-se a isto co-regulação. É o sistema nervoso e a fisiologia dos nossos cuidadores que informa o nosso sistema nervoso, desenvolvimento cerebral e até o comportamento dos nossos órgãos. Nascemos preparados para perceber através dos sinais que os nossos cuidadores nos enviam se estamos em contexto de perigo ou de segurança. E isto, irá ter um impacto enorme em nós e na nossa capacidade de nos regularmos e encontrarmos segurança e estabilidade na vida adulta, assim como em todas as nossas relações. 

É esta relação primordial com os nossos cuidadores que irá influenciar tantas outras ao longo da nossa vida. E este é um dos muitos aspectos somáticos que é passada de geração em geração de forma inconsciente. Esta é uma das razões fundamentais pela qual precisamos de aprender a regular-nos, cuidar das nossas feridas, inseguranças e tantos outros aspectos para podermos passar fisiologicamente essa sensação de segurança aos nossos filhos. Isto não significa que os cuidadores tenham de estar sempre regulados, claro! Mas significa que têm esta responsabilidade de se auto-regular para poder passar segurança, tranquilidade, estabilidade e previsibilidade aos seus filhos.

Na primeira infância especialmente, a segurança pode traduzir-se pelo contacto físico tranquilo e respeitador, pelo colo, palavras doces e amorosas, muita compreensão (especialmente nos momentos mais desregulados das crianças). No fundo, é isto que compõe o amor. Claro que os limites e as regras são muito importantes, mas devem sempre vir acompanhados com esta segurança, amparo e sensação de abrigo tão importante para o sistema nervoso dos vossos filhos. 

A maravilha de poder acompanhar pais é também trazer-lhes esta dimensão de que podem aprender sobre eles/as próprios/as através do que os filhos e filhas os fazem sentir, se estiverem disponíveis para ver nas suas crianças uma fonte infindável de ensinamentos ao longo de todo o crescimento.