“Amor de Água Fresca” não é a melhor canção da Dina, mas Água Fresca podia ser o seu cognome. Ondina Veloso: onda de água fresca nas composições, na genica em palco (sobretudo em tempos onde ainda era comum a palavra “genica”), no viço da pronunciação dos érres. Fez parte dum núcleo muito restrito na explosão da música pop portuguesa – o das pessoas refrescantes. Ainda mais se restringe o núcleo quando falamos duma mulher que compunha os seus temas. Eu lembro-me bem dos anos 80; quantas vezes não devem ter sugerido à Dina para parar de costurar melodias e ir antes para casa coser meias? Quantas vezes não lhe terão amesquinhado as opções e as ambições?
Por hoje eu estar tão triste, custa-me conter alguma amargura quando falo na carreira desta amiga que partiu. O que me refreia, e comove, é lembrar que da Dina nunca conheci uma única palavra de azedume. Talvez ela até as dissesse em momentos mais privados (e o direito assistia-lhe), mas toda a curta história da nossa amizade é pautada por declarações de gratidão desmedida. Conheci-a já debilitada, envelhecida, e ainda assim dela só recordo uma amizade vigorosa, vitalizadora. Dela só recordo amor de água fresca.
Confesso que estou a escrever este texto com alguma urgência e descontrolo. A voz embargada a ter que discursar depressa. Não farei justiça à Dina, mas tenho sempre este alento: em vida pude celebrá-la. Cantei as canções dela, cantei ao lado dela (o meu coração fica eternamente grato ao Gonçalo Tocha por, há 3 anos, me ter convidado para um espectáculo comemorativo da artista, com base no tremendo disco “Dinamite”). Em todos os telefonemas e mensagens que trocámos, sempre a Dina usou esta expressão: “obrigada, foste um bálsamo”. Como não estar descontrolado e embargado quando me apercebo duma água fresca carente de bálsamo? Que bênção poder tê-lo sido, a espaços. Que bênção a gratidão dela.
Ainda há pouco, ao Observador, contei a história da primeira canção que partilhei com a Dina. Mesmo antes de subir ao palco, ela teve de tirar o respirador do nariz, e largar a botija de oxigénio que a acompanhava. Veio até à boca de cena, pegou na guitarra e cantámos o tema “Carregal do Sal”. Aquela pessoa que, uns minutos antes, era alguém enfermo e dependente, revelava-se agora uma criança da Beira Alta a cantar sobre a sua terra beirã. “Criança da Beira Alta a cantar sobre a sua terra beirã” é, tantas vezes, a própria definição da minha carreira, por isso entendam que houve ali mais do que a partilha duma cantiga. Senti que íamos ser amigos para sempre. E que posso sentir eu agora que o 12 de Abril de 2019 decidiu agredir o “para sempre”?
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