Não é preciso andar por cá há muito tempo para perceber que o mundo de 1998, faz vinte anos, é muito diferente do mundo de 2018. Um certo optimismo andava pelo ar e as notícias diárias, transmitidas pelos veículos da Comunicação Social (CS) – jornais, televisão e rádio – contavam histórias facilmente verificáveis cruzando as fontes. Continuavam as desigualdades e injustiças humanas que sempre houve, mas a constante denúncia pela CS mantinha alerta a esperança de que gradualmente houvesse mais igualdade e justiça. Os nossos e os outros estavam perfeitamente identificados e a origem das informações permitia saber se eram hostis ou amigáveis.
Em 1989, Francis Fukuyama publicou na revista “The National Interest” um artigo que causou sensação, “O fim da História”. O interesse foi tal que o filósofo e economista desenvolveu-o num livro saído em 1992, “O fim da história e o último homem”. Basicamente, confirmava o optimismo geral de que, com o fim da União Soviética, o mundo caminhava definitivamente para o liberalismo – um mix de democracia representativa, mercado livre e cultura consumista. Mesmo os países que ainda se consideravam comunistas, como a China ou Cuba, iam por esse caminho.
Toda esta situação parece agora uma espécie de utopia retroactiva – aconteceu no passado em vez de acontecer no futuro. O relativo apaziguamento de vinte anos atrás evolui ao contrário. Hoje há mais regimes autocráticos, mais agressividade, renasceram nacionalismos ameaçadores. Uma causa já definida para esta mudança, se não a causa principal, é o modo como nos informamos. A Comunicação Social “tradicional”, aquela que sempre conhecemos (mesmo os mais velhos), tem sido gradualmente substituída por uma Comunicação Viral (CV), com notícias cuja origem e veracidade é muito difícil de avaliar. Estamos a falar das redes sociais, evidentemente.
Para lá da credibilidade, havia uma profundidade nas histórias que desapareceu quase completamente. Na CS, uma notícia de cinco minutos ou dez mil caracteres (2-4 páginas impressas) era acompanhada até ao fim, para perceber qual era a questão. Na CV, tudo o que ultrapasse os 30 segundos ou os quinhentos caracteres já não é complicado de mais, de uma lentidão exasperante. Quer dizer, perante o aumento de comunicação e da superficialidade dessa comunicação, as pessoas reagiram diminuindo a sua capacidade de atenção e simplificando os seus pontos de vista.
Mesmo na imprensa em papel, que está a morrer, como o economista Carlos Guimarães Pinto relata num inteligente ensaio no Observador (Paywall), há uma notável redução do comprimento e espessura dos artigos. Um jornal como o Correio da Manhã que, digamos, não imprime nada que seja maior do que os tais quinhentos caracteres (estamos a calcular, não contámos), tem uma tiragem muito superior ao Expresso, que ainda publica artigos extensos. Do mesmo modo que os programas longos de descoberta ou cultura na televisão, que requerem uma atenção alongada dos espectadores, têm uma audiência ínfima em relação aos sentimentais de reacção instantânea. Mas até o Correio da Manhã, tal como o Expresso e todos os outros impressos, tem vindo a perder público regularmente (como está esmiuçado no artigo citado).
Por razões agora óbvias – porque é gratuita, imediata, pessoal e personalizada – a Comunicação Viral está a estrangular a Comunicação Social, que pode escapar para o digital mas não consegue a gratificação instantânea das redes sociais.
Vale tanto a pena chorar por esta mudança de meio e atitude como valeria a pena chorar no momento em que o telefone substitui o telégrafo. Não serve de nada. Nesta perspectiva, a do inexorável, é melhor perceber a situação em que estamos do que chorar pela que tínhamos. Podem escrever-se tratados sobre o assunto (“The death of truth” de Michiko Katutani, entre dezenas), podem fazer-se estudos pertinentes e claros (como o extenso relatório duma equipa especializada do “The New York Times”), que servem para perceber a actualidade, mas não para andar para trás.
Um erro de atitude recorrente é abordar a situação como um problema, quando de facto não estamos perante um problema, mas de uma mudança de paradigma (os profissionais e investidores da CS, esses em particular têm um problema, semelhante ao que tiveram os ferradores e donos de estábulos quando surgiu o automóvel).
A maior parte da informação – e desinformação – é produzida individualmente e chega directamente ao receptor. Há vinte anos, quando um Presidente, político ou empresário queria anunciar alguma coisa, chamava a Comunicação Social. Hoje, ele mesmo usa o seu telemóvel para transmitir aos seguidores, e aos seguidores dos seguidores, aquilo que lhe interessa. A CS só vem depois, analisar o que já não é novidade.
Continuará a haver jornalistas pagos para fazer extensas investigações, que às vezes levam meses e muitas viagens? Continuará, com certeza, como ainda existiam tocadores de alaúde na época da guitarra eléctrica, ou bordadeiras contemporâneas de robôs tricotadores. A informação de qualidade, isto é, de fonte confirmada e validada, não vai desaparecer. A opinião assinada, pertinente ou impertinente, continuará a ter a sua influência. Vão apenas mudar de veículo e de atitude; o noticiário tornou-se um entretenimento, tal como o entretenimento passa notícias.
O circuito de informação mudou definitivamente, directo do produtor ao consumidor. O intermediário não transmite a notícia; analisa-a e valida-a.
Não podemos ficar preocupados, porque isso nada resolve. Temos é de estar atentos.
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