A 7 de Julho, depois de uma série de escândalos legais e éticos, o pior Primeiro-Ministro do Reino Unido desde que há memória, Boris Johnson, foi finalmente obrigado a demitir-se, pelos seus próprios deputados. Não vou aqui elaborar sobre os disparates, mentiras e falta de pudor de Johnson, amplamente noticiados e comentados – até por mim, duas ou três vezes. O que lá vai, lá vai, embora as consequências do que lá vai, ainda se virão repercutir por muitos anos. Há mesmo quem diga – e eu não o disse, mas poderia ter dito – que Johnson marcou, simbolicamente, o fim da Grã-Bretanha como país respeitável.
Uma descida lenta e inexorável do Império onde o sol nunca se punha, durante os séculos XVIII-XIX, até a uma ilha isolada da Europa, e em risco fragmentação, no século XXI. Basta dizer que a rainha Isabel, a Última, já teve 14 primeiros-ministros.
Johnson deixa o país com várias crises nos braços, algumas provocadas por ele, outras que alimentou, ou então que nada fez para evitar ou solucionar. Foi o campeão do Brexit, o maior tiro no pé da História britânica, e não resolveu as consequências económicas e sociais desse mergulho no Canal da Mancha, mantendo até ao fim uma retórica ufanista e enganadora sobre o que iria acontecer aos ingleses – e que, entretanto, acontece agora. O Serviço Nacional de Saúde está muito mais estafado do que o nosso, há falta de mão de obra em sectores básicos, como a agricultura, a inflação foi de 9,1% no primeiro semestre do ano calculando-se que ultrapasse os 13% ainda este ano, e a factura da energia para aquecer um lar médio vai subir 80% este inverno. (Não esqueçamos que, no clima das ilhas, o aquecimento no inverno não é um luxo, mas uma questão de sobrevivência.)
Poderia pensar-se que, neste ambiente de armagedão, ninguém quereria receber o legado do Bojo (o nome que lhe davam, amigos e desafectos), mas só pensaria tal coisa quem não está ciente de como o Poder é tentador, aliciante e viciante. Logo que Boris disse que se ia embora, num discurso em que elencou os seus sucessos em tom triunfal, levando o parlapié demagógico até ao fim, puseram-se em bicos dos pés nada menos do que dez candidatos – alguns dos quais afiliados do seu próprio gabinete, que já lhe vinham fazendo a folha, à socapa.
Seguiu-se um processo legal em que os deputados foram eliminando os candidatos, até chegar aos dois que serão apresentados aos membros do Partido Conservador, com as quotas em dia – e que, como notaram os críticos, são todos homens, brancos e velhos.
A 17 de Julho ficámos a saber quem são os felizes ganhadores: Liz Truss, a ministra dos Negócios Estrangeiros, e Rishi Sunak, ministro das Finanças.
Truss, que um colunista do “The Guardian” considerou “uma concorrente plausível ao título de pior primeiro-ministro de sempre”, é mais política do que técnica e tem proposto soluções para a crise que abrem a porta a outras crises, como, por exemplo, emitir 130 novas licenças de prospecção de gás e petróleo para baixar os custos de energia junto do consumidor. Parlamentar desde 2010, já foi Liberal Democrata, era contra o Brexit até o Brexit ganhar o referendo, é fã de Margaret Tatcher e ocupou postos tão cata-ventos como a sua ideologia: ministra do Ambiente, ministra da Justiça, e secretária-geral do ministério das Finanças. No fundo, dizem os seus críticos, é uma pessoa adaptável a qualquer política desde que lhe traga benefícios, e tem evitado dar soluções concretas para os problemas do país. Owen Jones, do “The Guardian”, é capaz de ter razão.
Mas a opção Sunak também não é animadora. Rishi, que seria o primeiro primeiro-ministro “de cor”, tem origem indiana e fez uma notável carreira no mercado financeiro, sendo muito rico e tido como mais técnico do que político. Recentemente esteve envolvido num escândalo típico dos milionários que sabem como ninguém fugir aos impostos: descobriu-se que a sua mulher, Akshata Murthy, tem domicílio fiscal na Índia.
Sunak tem planos concretos para vitalizar a economia, contudo não há consenso quanto à sua eficiência. Por exemplo, pretende taxar as despesas de investimento (para arrefecer a inflação), o que levaria a uma contração do mercado de trabalho. Provavelmente dificultaria ainda mais as trocas comerciais com a União Europeia, que continua a ser o maior parceiro do Reino Unido.
Recorrendo agora ao “The Economist”, a escolha é “entre um tecnocrata que sabe o que fazer, ou uma política que sabe como fazê-lo”.
Segundo os observadores, a vencedora será muito provavelmente – quase certamente – Liz Truss. Se estará ao nível da tarefa, não se sabe. Há mesmo quem diga que o primeiro-ministro ideal seria Larry, o gato “oficial” residente em Downing Street.
Se fosse inglês, votava nele. Afinal, está lá desde 2014 e nunca provocou escândalos, nem votou pelo Brexit.
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