São dez anos de papado a abrir um pouco a porta, mas sem conseguir a revolução que se impunha. As pessoas simpatizam com o papa, a cúria talvez menos, contudo não chega. O padrão moral e ético que a Igreja reivindica para si com um registo, tantas vezes, de enorme superioridade, tem vindo a desaparecer.

Não se resolverá com os alertas do papa, no sentido de se olhar para as mulheres, e para a comunidade LGBTQI+, com justiça. Nada se resolve com bradar aos céus que há tolerância zero para os abusos sexuais. Não há tolerância zero, sempre houve e continua a existir uma tolerância terrível e conivente. Não basta falar-se do fim do celibato. Sobretudo nada basta quando, pelo meio dos discursos, surge aquela palavrinha que anda a tramar-nos há dois mil anos: pecado.

A ideia de sermos pecadores deixa-nos sempre num patamar complicado: um pecador é alguém que falha, alguém que vai contra a ordem natural das coisas, sendo essa ordem definida pela Igreja, que é o mesmo que dizer por homens igualmente pecadores, mas com a sobranceria de quem pode apontar o dedo, e reclamar que a sua ideia é mais natural e certeira que a do vizinho.

Todos os dogmas da Igreja vão por aí abaixo, se os analisarmos com imparcialidade. E todos apontam para uma Igreja que, em vez de exercer amor pelo Outro, tece julgamentos, critica e, vejam só, condena. É certo que um dos bons selling points da Igreja Católica é a possibilidade de conseguir o perdão e, consequentemente, a salvação.

Eu estou cansada de tanto discurso, tanto moralismo numa casa com telhados de vidros estilhaçados. Vocês não estão?

Quando o papa vem defender as mulheres fica bonitinho para a comunicação, mas esquece-se de que a Igreja condenou as mulheres a uma trindade demoníaca: Eva, a sedutora e maquiavélica, Maria, a serva submissa e calada, Madalena a prostituta (sendo que em lado algum está escrito que a senhora fosse prostituta, na Bíblia apenas consta que tinha sete demónios dentro dela, que Jesus fez desaparecer).

Esta versão das mulheres não tem ajudado. A Igreja continua a achar as mulheres descartáveis porque, embora muito do funcionamento da Igreja esteja nas mãos das mulheres, há um poder que não lhes é conferido. Portanto, houve quem se sensibilizasse com as palavras do papa.

A mim deu-me para bradar aos céus: até quando, Senhor?