Há uns anos, encontrei um livro chamado "Lingo", de Gaston Dorren (que estou sempre a recomendar, para ver se alguém me liga), onde apareciam palavras que existiam em várias línguas europeias e faltavam ao inglês. Pus-me a ver que palavras também faltavam ao português e encontrei bastantes.
A mais deliciosa era sitooterie, uma palavra em scots (uma das línguas da Escócia), que significa um sítio construído para um casal se sentar sozinho, em saborosa intimidade — por exemplo, num jardim ou ao pé da praia. Pode ainda ser uma sala com um sofá e uma boa paisagem ou um canto um pouco escondido, numa festa.
Também gostei muito de merak, uma palavra sérvia e croata que significa «o prazer que sentimos quando realizamos actividades simples, como, por exemplo, estar com os amigos». Nestes últimos meses, tivemos de inventar uma espécie de zoommerak: estar com os amigos, mas à distância.
Lembro-me ainda de tafalle, uma palavra em frísio que significa «acabar melhor do que o esperado».
Como hoje não tenho tempo para andar à procura de palavras pelos dicionários da Europa, decidi inventar palavras que não existem em português, mas que nos ajudam a descrever este Agosto que agora começa. Algumas são palavras para todos os agostos, outras são palavras só deste (esperemos!):
- Agostor: o sabor de estar na praia em Agosto, com o calor, o mar, a areia, um livro dobrado da leitura — e todos a uma saudável distância.
- Alivez: o secreto alívio dos tímidos por não terem de dar beijinhos a torto e a direito.
- Anglosência: a falta de ingleses em determinado território.
- Covyerismo: o prazer de estar no café a analisar a distância que os outros mantêm entre si e a forma como cada um usa a máscara.
- Filêncio: o silêncio depois de entregar os filhos para ficarem com os avós durante uns dias. Especialmente forte depois de meses de intensa convivência.
- Leireza: o prazer de começar a ler um livro e, pouco depois, perceber que este é para terminar; a vontade de regressar ao livro sempre que podemos, a todo o momento; o não querer fazer mais nada que não seja ler aquele livro; o não querer ouvir falar de mais nada, muito menos do vírus, só para poder ler o livro…
- Mascalor: o calor de Agosto com uma máscara na cara (também se pode escrever «mas-que-calor»).
- Mascaraciado: estar com os óculos embaciados por causa da máscara.
- Mascaranésia: não é um grupo de ilhas num qualquer oceano, mas o esquecimento da máscara, que só notamos quando chegamos à porta do supermercado.
- Setembridade: a vaga preocupação com o mês de Setembro, enquanto lemos um livro à beira da piscina.
E agora, em português real, desejo a todos:
Bom Agosto!
Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu último livro é o Almanaque da Língua Portuguesa.
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