Então, o que é a assertividade? Nas diversas definições que existem, uma das mais clássicas descreve-a como “a capacidade de auto-afirmar os próprios direitos, sem se deixar manipular e sem manipular os demais”, ou seja, uma competência de comunicação que equilibra respeito pelo próprio e pelo outro. Acrescento ainda que a assertividade reflecte a nossa auto-estima e que, quando deficitária, indicia uma priorização da aprovação do outro em detrimento da nossa integridade emocional.

A falta de assertividade manifesta-se, principalmente, através de três padrões: passivo (evitamento de conflitos), agressivo (imposição hostil das ideias) e evitamento (fuga a temas de maior carácter emocional). Tendencialmente, estes padrões foram aprendidos através da exposição a ambientes em que a expressão autêntica foi punida ou ignorada, infelizmente, em muitos dos casos, no seio familiar.

Os portugueses apresentam características únicas no que diz respeito à assertividade, auto-estima e saúde mental, moldadas por factores históricos, culturais e socioeconómicos. Sendo uma sociedade colectivista onde valores como a harmonia familiar, o respeito pela autoridade e a modéstia assumem um papel importante, a expressão directa de necessidades ou desacordos é frequentemente percebida como "criar problemas", sendo que as investigações em contexto laboral referem que praticamente dois terços dos inquiridos evitam confrontos como forma de preservar relações, numa claro movimento de evitamento, em que crenças como “se discordar serei abandonado” ou “o que sinto não importa”, entre outras, podem surgir, numa tentativa de “ficar bem na fotografia”, evitando críticas e exposição de vulnerabilidades. Verifica-se ainda, a tendência a valorizar a comunicação implícita e o “desenrasca”, isto é, a capacidade de improvisar soluções sem confrontar directamente o problema que, embora seja um a traço cultural admirável, pode mascarar a dificuldade em estabelecer limites de forma clara e à resultar na acumulação de stress decorrente do evitamento de discussões necessárias.

Tal como na vida, também no contexto psicoterapêutico, a assertividade é um elemento crítico no processo, envolvendo a relação terapeuta/cliente. Nas linhas que se seguem, será focada a perspectiva do cliente, partindo do princípio que a assertividade do terapeuta (ou falta dela) será matéria para o processo psicoterapêutico do próprio terapeuta, ou seja, deste enquanto cliente.

Não sendo excepção e, embora um dos principais objectivos do terapeuta seja criar um espaço (físico e mental) seguro para o cliente (diria para ambos, num trabalho conjunto), o espaço terapêutico pode sofrer o impacto da falta de assertividade por parte do cliente, perpetuando o comportamento desadequado habitual, reproduzindo no consultório dinâmicas relacionais tóxicas do exterior (ex.: submissão a figuras autoritárias), limitando assim as oportunidades de crescimento. Sem intervenção, a terapia torna-se um “espelho” das disfunções que deveria curar. Perante as dificuldades na expressão das necessidades, emoções ou limites, o processo terapêutico pode estagnar, mascarando conflitos essenciais ou perpetuando padrões disfuncionais.

Assim, a ausência de assertividade pode comprometer a eficácia da terapia de múltiplas formas, por exemplo, formando uma aliança terapêutica superficial (se o cliente evitar partilhar sentimentos negativos em relação ao terapeuta, tal como, desacordos face ao rumo das sessões, numa “resistência silenciosa tão prejudicial quanto a hostilidade aberta”) ou reforçando padrões de dependência (alguns clientes podem projectar no terapeuta o papel de “salvador”, reforçando crenças de incapacidade e ineficácia, isto é, “Não sou capaz de resolver os meus problemas sozinho”).

Como podemos então cultivar a assertividade no espaço terapêutico (e fora dele)?

A primeira estratégia já foi referida anteriormente e tem como principal responsável (mas não único) o terapeuta. A criação de um espaço seguro e validante para quem procura ajuda. O cliente tem direito (diria, o dever) de existir emocionalmente, ocupar espaço mental que lhe permita segurança e conforto. O cliente pode recusar-se a abordar uma temática, discordar ou até mesmo zangar-se com o terapeuta, expressando-se de forma assertiva num espaço que permite essa mesma expressão.

A técnica dos 3 Pilares, pode ser muito útil, permitindo ganhar o seu espaço e construir uma auto-estima reforçada em que a assertividade pode ser uma das suas maiores expressões. Esta tríade é composta pelo Auto-respeito (“Os meus sentimentos são válidos”), o Respeito pelo outro (“posso expressar-me sem atacar”), e a Responsabilidade (“Assumo as consequências das minhas escolhas”).

Exercícios práticos incluem “O Disco Riscado”, em que uma necessidade é repetida calmamente várias vezes, como se fosse um disco riscado (daí o nome), sem justificações excessivas, ou o exercício, bastante útil, com o acrónimo DESC (em português seria DEEC) que significa Descrever, Expressar, Especificar e Consequências e que permite desenhar a estrutura das mensagens assertivas, podendo facilmente ser treinado com o seu terapeuta.

Torna-se importantíssimo desafiar crenças como “ser assertivo é sinónimo de ser egoísta” ou “se me impuser, serei rejeitado”. “A assertividade não é sobre vencer, mas deixar de se perder a si mesmo”, acelerando o próprio processo terapêutico e recuperando o controlo do seu caminho. Esse é o objectivo do espaço terapêutico e também da terapia, no seu tempo, ao seu ritmo, num caminho a dois em que o terapeuta é co-piloto e o cliente, comandante.

“Queria dizer-te as palavras mais profundas que tenho para te dizer, mas não me atrevo, não vás tu rir-te de mim. Por isso me rio de mim próprio e brinco com o meu segredo. Sim, zombo da minha própria dor, para que tu não zombes dela.

Queria dizer-te as palavras mais verdadeiras que tenho para te dizer, mas não me atrevo, não vás tu não acreditar em mim. Por isso, disfarço-as com mentiras e digo-te o contrário daquilo que queria dizer-te. Sim, torno absurda a minha dor, não vás tu fazê-lo.

Quisera dizer-te as palavras mais ricas que guardo para ti, mas não me atrevo, porque não vais pagar-me com as tuas melhores palavras. Por isso, digo o teu nome com dureza e faço alarde com um atrevimento cruel. Sim, maltrato-te, com medo que não compreendas a minha dor (…)

Rabinranath Tagore